Até onde pode chegar a Selic no atual ciclo de alta? Pode passar dos 14%? Especialistas respondem
Segundo alguns deles, os juros podem passar dos 14% ainda neste ano
A partir desta terça-feira, 2, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúne para definir a nova Selic, taxa básica de juros do País, que atualmente está em 13,25% ao ano.
Para esse encontro, a expectativa quase unânime do mercado é de alta de 0,50 ponto porcentual, mesma magnitude do ajuste adotado em junho, o que leva a taxa de juros a 13,75% ao ano, maior patamar dos últimos cinco anos.
No entanto, alguns fatores levam o mercado a questionar até onde vai o aperto monetário adotado pelo BC. “Se voltamos para algumas semanas atrás, a perspectiva de alta de 0,50 p.p não estava tão na mesa do mercado. A aposta era em torno de 0,25 p.p”, explica Alexandre Augusto Pereira Gaino, professor de Economia da ESPM.
Para Gaino, a inflação global não tem mostrado uma redução acentuada – incluindo o Brasil – o que deve impactar em novas altas na taxa básica de juros dos EUA pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
Na semana passada, o BC americano subiu a taxa básica de juros do país em 0,75 p.p pela segunda vez, levando-a para a faixa entre 2,25% e 2,5% ao ano, com perspectiva de chegar ao fim do ano entre 3,00% e 3,50%.
Alexandre Pires, professor de Economia do Ibmec, ressalta que a elevação dos juros americanos e europeus cria uma pressão na Selic.
“Quando os BCs de fora começam a elevar as taxas, isso reduz nosso diferencial de juros em relação a eles. Isso faz com que o remédio que o nosso BC adota não funcione tão bem, o que implica em novas elevações para compensar essa diferença. Nós pagamos um certo preço para o investidor trazer dinheiro para dentro do País”.
Alexandre Pires, do Ibmec
Na ata da última reunião do colegiado, o BC destacou que o Brasil deve passar por um longo período de juros em patamares elevados e manteve a porta aberta para a adoção de uma política monetária mais contracionista se fosse necessário.
Risco fiscal
O quadro de deterioração fiscal doméstico se soma à recessão técnica da economia americana, o que potencializa um cenário que deve levar o BC a adotar mais uma elevação na Selic na reunião de setembro ou prolongar os juros em patamar elevado por mais tempo.
O Congresso aprovou uma emenda constitucional que permite um aumento substancial das despesas acima do teto neste ano.
“E quase não há clareza sobre qual será o arcabouço fiscal a partir de 2023. Este parece o principal risco para a inflação no horizonte relevante do Copom”.
XP, em relatório sobre o tema
Para a Guide Investimentos, as medidas de desonerações tributárias do governo, por mais que contribuíram para reduzir a expectativa de inflação para este ano, adicionaram incertezas para 2023.
“Primeiro, a redução das alíquotas do ICMS valerá apenas até o final deste ano, de forma que para 2023 é esperado que o retorno aos valores normais pese sobre a inflação. Segundo, com mais de R$ 40 bilhões de recursos injetados na economia via auxílios pela PEC dos Combustíveis, a incerteza em torno da capacidade do próximo governo controlar os gastos de maneira a não prejudicar o fiscal é prejudicada”.
Guide Investimentos
Wagner Varejão, economista da Valor Investimentos, destaca que essa medida “transferiu um pouco do peso da inflação para o próximo ano, além de ter piorado significativamente o resultado fiscal”.
Além disso, Varejão aponta que o temor do mercado é que esses gastos aumentem mais, por conta do cenário eleitoral. “Por isso, o BC tem que ser conservador e manter os cintos apertados até ter certeza de que o lado fiscal vai fazer a sua parte”.
Projeções para 2023
Na edição desta semana do Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, a projeção para o IPCA, índice que mede a inflação no Brasil, para 2022 caiu de 7,30% para 7,15%. No entanto, pela 17ª vez consecutiva o indicador foi elevado para o próximo ano – de 5,30% para 5,33%. A expectativa segue cada vez mais distanciada do teto da meta do indicador, de 4,75%.
Vale lembrar que o BC mantém o cenário de estouro da meta desde 2021. De acordo com os especialistas entrevistados para esta reportagem, o Banco Central já está olhando o norte para os próximos 12 meses, ou seja, para 2023.
Para a XP, segundo relatório de análise sobre a Selic assinado por Caio Megale, economista-chefe da casa, e Tatiana Nogueira, economista da empresa, para o próximo ano a estimativa é de que a projeção da inflação chegue a 4,6%.
“Embora com contribuição negativa da inércia de 2022 e maior aperto monetário, o aumento das expectativas do Boletim Focus e o câmbio mais depreciado contribuem para essa elevação. Além disso, com o retorno da tributação de impostos sobre gasolina e etanol, a inflação de bens administrados deve se elevar”, avaliam os economistas.
XP
Outros fatores
Giacometti, da Blue3, destaca que os efeitos da guerra da Ucrânia na Europa, principalmente no que diz respeito ao fornecimento de gás natural pela Rússia, deve respingar na inflação brasileira.
Recentemente, a empresa Gazprom anunciou que parou de enviar gás natural para países como a Letônia e está com fornecimento cortado para a Bulgária, Holanda, entre outros.
A redução do fornecimento do produto em 25% impactou a Alemanha, de acordo com o especialista da Blue3, o que enfraqueceu a principal economia europeia.
Pires, do Ibmec, reforça esse raciocínio. “Com a expectativa piorada sobre o crescimento da China e a Rússia jogando duro com o fornecimento de gás para a Europa, a Alemanha pode sofrer muito e, com isso, prolongar o choque de oferta. Isso aumenta a pressão inflacionária, impulsiona o BCE a elevar os juros, o que deprime a economia e impacta em mais alta de juros por aqui, tornando o ciclo cada vez mais amargo”.
Selic acima de 14%?
Os especialistas se dividem quando o assunto é desenhar um quadro de avanço - ou não - da Selic daqui em diante. Enquanto alguns acreditam em novas elevações, outros apostam na adoção de uma taxa elevada por mais tempo. Ao mesmo tempo, outros projetam queda nos juros ainda neste ano.
Para a XP, levando em conta os passos que o BC deu até o momento com o aperto global, o discurso do Copom e a perspectiva de uma recessão mundial – que pode reduzir as pressões inflacionárias, “o Copom está se aproximando de um momento de ‘parar para ver’ “.
De acordo com a casa, o comitê fará o aumento esperado de 0,50 p.p na Selic, indo a 13,75% “mas não se comprometerá mais com outro aumento na próxima reunião”.
“O cenário desafiador, no entanto, não permite que o Copom anuncie que está interrompendo o ciclo agora”.
XP
Giacometti, da Blue3, acredita que o BC pode sinalizar um possível encerramento, após uma alta de 0,25% (a 13,50%), ou “deixar a porta aberta”, como tem feito nas últimas reuniões.
“O Brasil saiu na frente no aperto monetário e o BC tem sido bastante cauteloso nos aumentos dos juros. A política monetária está sendo bem-feita”.
Nicolas Giacometti, da Blue3
Alexandre Gaino, da ESPM, aposta que a Selic não vai parar nos 13,75% em 2022, segundo a projeção do Focus, passando os 14% ao ano.
“Se recuperarmos alguns discursos anteriores, vemos que o limite da contração da economia brasileira era de 13,25%. Somado o quadro nacional com a contração internacional, o quadro de deterioração no Brasil é maior”.
Além disso, o professor da ESPM, aposta que o BC brasileiro vai manter a taxa de juros em patamares elevados por mais tempo.
Já Pires, do Ibmec, destaca que talvez a decisão de agosto não seja uma alta de apenas 0,50 p.p. “Se isso ocorrer, mostrará que o BC está comprometido em fazer um sacrifício maior para desacelerar a inflação”.
Para a próxima reunião, em setembro, se houver esse cenário mais contracionista, o professor do Ibmec aposta em mais uma alta de 0,25 p.p, o que poderia levar a Selic acima de 14%, e encerramento do ciclo na sequência.