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BDRs: entenda porque eles farão parte da sua vida

Em 2020 Comissão de Valores Mobiliários (CVM) alterou a regulamentação, permitindo que qualquer pessoa possa investir em Brazilian Depositary Receipts (BDRs). Mas, com tantas empresas locais…

Data de publicação:24/03/2022 às 09:00 - Atualizado 3 anos atrás
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Em 2020 Comissão de Valores Mobiliários (CVM) alterou a regulamentação, permitindo que qualquer pessoa possa investir em Brazilian Depositary Receipts (BDRs).

Mas, com tantas empresas locais na fila para acessar o mercado de capitais, como avaliar a viabilidade dessa nova opção?

Para ajudar na escolha, um pouco de contexto mundial e local.

Crescimento das bolsas

As bolsas de valores mudaram bastante desde que se tornaram companhias abertas e passaram a prestar contas aos seus acionistas. Para elas, já não vale mais oferecer apenas um ambiente seguro e transparente de negociação para as corretoras. Rentabilizar o negócio virou a regra do jogo.

Ao longo dos anos, todas cresceram e se consolidaram, implementando novos produtos e serviços:

  • Disponibilização de Infraestrutura de ponta;
  • Negociação de ativos de outras praças;
  • Desenvolvimento de fundos de índice (Exchange Traded Funds - ETFs);
  • Venda de dados de mercado, que geram receitas independentemente do volume de negócios.

Hoje, as bolsas possuem uma participação bastante representativa. Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, as mensagens que circulam pelos sistemas de uma única bolsa, a norte-americana New York Stock Exchange (NYSE), equivalem a mais de 50 vezes a quantidade de buscas no Google.

Isso mostra o porte dos grandes investidores institucionais (fundos e seguradoras) que concentram os seus portfólios nos EUA.

Mercado local 

O mesmo dinamismo não é percebido por aqui.

Exceto por alguns momentos de maior crescimento, os negócios bilionários no Brasil surgem com mais frequência nas chamadas “janelas de mercado” (ocasiões em que há grande liquidez e, portanto, os agentes financeiros estão mais receptivos a emissões de mercados emergentes).

Uma segunda limitação é a preferência pela listagem no Novo Mercado, onde cada ação equivale a um voto.  Apesar de ser um segmento muito bem concebido, no caso das empresas de tecnologia, altamente demandantes de investimentos para fazer frente à digitalização dos negócios no pós-pandemia, ele impossibilita as estruturas societárias onde os fundadores reservam para si um mínimo de controle, ainda que o capital seja pulverizado.

Isso se soma ao fato de que, até a mudança recente na regulamentação, empresas estrangeiras com operações no país sequer podiam emitir seus papéis na B3.

Ainda assim, isso não explica tudo.

Representatividade menor

O ceticismo em relação ao Brasil aumentou e o país tem perdido representatividade entre os emergentes, o que quer dizer que as oportunidades estão em outros lugares.

Para mostrar o quanto perdemos o brilho, enquanto em 2008 o país tinha uma participação  de mais de 17% do MSCI, hoje ela é pouco superior a 5%.

“Dólar caro”

Por conta dos juros de dois dígitos, o investidor brasileiro sempre manteve boa parte da sua carteira em ativos locais. A diversificação internacional só ocorria quando o dólar já tinha causado estragos à sua riqueza, o que sempre foi uma péssima estratégia.

Diante do exposto, fica bastante óbvia a necessidade de se contemplar novas alternativas.

Internacionalização

Uma das grandes vantagens da internacionalização é a exposição a setores de maior crescimento.

Isso por si só já é um bom motivo em condições normais. Imagine então depois do Fed deixar claro que a sua meta de inflação de 2% é uma média e não mais uma espécie de limite superior.

Durante anos, os agentes do mercado financeiro ficaram em uma situação desconfortável, onde liquidavam as suas carteiras sempre que havia a expectativa de um aumento preventivo dos juros (um fenômeno que ficou conhecido como “taper tantrum” e que pode ser traduzido como “chilique do mercado”).

Com ele fora do radar por um bom tempo, é hora de olhar mais de perto o que mudou para o investidor brasileiro.

BDRs

A partir de agora, recibos de ações, Exchange Traded Funds (ETFs) e papéis de dívida emitidos por empresas estrangeiras poderão ser negociados por pequenos investidores no mercado local, com a vantagem de acompanharem a variação cambial.

O momento não poderia ser mais oportuno quando se leva em conta que algo em torno de 500 empresas estão listadas na B3, o que evidencia o quanto o mercado brasileiro é pequeno.

Identificar os BDRs é bastante fácil. O ticker (código de negociação) possui uma combinação de letras, juntamente com o número 34 no final.

Aprendizado

Porém, como em todo mercado novo, ninguém pode achar que vai comprar esses ativos amanhã. Primeiro, é preciso um pouco de familiaridade com as companhias, começando pela forma como apresentam as suas demonstrações financeiras. Elas diferem das normas contábeis brasileiras e dificilmente estarão publicadas em português.

Para contornar esse problema, algumas corretoras oferecem uma lista recomendada de BDRs, semelhante à lista de ações. Entre as informações necessárias para orientar as decisões de investimento estão:

  • Área de atuação;
  • Mercados atendidos;
  • Concorrência;
  • Riscos do negócio (inclusive os ambientais);
  • Governança;
  • Entre outros.

Investimento global

No que diz respeito aos BDRs, as possibilidades são infinitas. Dada a grande quantidade de empresas internacionais com American Depositary Receipts (ADRs) negociados no mercado norte-americano, reconhecido pela qualidade de sua regulamentação e cujos títulos podem servir de lastro, até mesmo empresas europeias e asiáticas poderão negociar os seus papéis no Brasil.

O fato das instituições financeiras locais já possuírem expertise, atuando inclusive como formadores de mercado permite ainda a mesma liquidez e flexibilidade do mercado de ações, onde é possível negociar no mercado fracionário (para pequenos investidores) como também alugar BDRs, o que atrai a indústria de fundos.

Dito isso, a negociação desses papéis não é muito diferente do que o investidor já conhece. Alguns cuidados prevalecem como a prestação de contas junto à Receita Federal e a avaliação dos custos cobrados.

Ao contrário do que ocorre com as empresas brasileiras, não há a isenção de imposto de renda (IR) para os ganhos de capital quando as vendas totais no mercado acionário se limitam a R$ 20 mil por mês. Assim, havendo ganhos, o DARF (guia de recolhimento do imposto) deve ser calculado e pago até o último dia útil do mês seguinte.

Além disso, por contarem com agentes intermediários para efetuar o crédito dos dividendos, as instituições financeiras se reservam o direito de cobrar uma taxa de serviço sobre esses valores. Boa parte das empresas norte-americanas distribui dividendos trimestralmente, líquidos de imposto (a tributação pode ser compensada posteriormente no Brasil).

Gestão profissional

Para quem não se sente confortável investindo sozinho, os fundos de investimento são uma excelente opção. Apesar da regulamentação ser nova, não é segredo para ninguém que os analistas de ações sempre olham para as empresas estrangeiras quando buscam novas tendências e modelos de gestão, de forma que as possíveis candidatas aos BDRs não são totalmente desconhecidas por esse público.

Independentemente da escolha, a tributação é a mesma: 15% sobre os ganhos.

Conclusão

O mundo dos investimentos é muito maior do que se imagina, pois as bolsas de valores desempenham um papel diferente hoje. Conforme o mercado de crédito deu lugar ao mercado de capitais, criou-se um ecossistema em torno das principais bolsas mundiais onde os investidores de todos os portes se encontram com as empresas mais promissoras.

O Brasil, à margem desse processo por conta de suas próprias características locais, agora tenta recuperar uma parte do atraso, dado que os juros no mercado internacional não subirão tão cedo.

É nesse contexto que surgem os Brazilian Depositary Receipts (BDRs). Eles não só oferecem uma alternativa aos investimentos atrelados a moedas estrangeiras como também são bastante diversificados.

Recibos de ações, ETFs e dívidas de empresas estrangeiras estão no leque de opções, sejam elas norte-americanas, europeias ou asiáticas. Ao investidor interessado, cabe o aprendizado sobre empresas de outros países e setores de atuação.

Ele não estará sozinho nessa tarefa. Contando com as informações prestadas por bancos, corretoras e casas de análise, poderá escolher se quer investir diretamente ou via gestor, desde que saiba bem o que cada um exige em termos de tempo e custos. Apesar da negociação dentro do país, as regras são diferentes.

O importante é que tome o passo rumo à internacionalização, fomentando negócios que cedo ou tarde farão parte da sua vida.

Como todo bom manual de finanças mostra, os ganhos estão na gestão ativa, não pela via da negociação insana de tickers que entram e saem de moda, mas por meio do reinvestimento dos dividendos e da realização do ganho de capital.

“A roda gira, nada é novidade.”

Sherlock Holmes
Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.