Aprovação da PEC dos Precatórios na Câmara deve acalmar os mercados, com efeito no dólar e na curva de juros
A PEC prevê aumento no teto de gastos do governo para bancar o Auxílio Brasil
Em votação apertada que se estendeu até a 1h50 da madrugada desta quinta-feira, 4, a PEC dos Precatórios foi aprovada na Câmara em 1º turno, com 312 votos, sendo que o mínimo necessário era de 308 votos. Essa notícia deve acalmar os mercados nas operações de hoje, segundo o economista-chefe da Necton, André Perfeito, com efeitos, sobretudo, no dólar e na curva de juros.
Embora a PEC tenha de ser aprovada em segundo turno pelos deputados, o que pode acontecer ainda hoje ou na terça-feira da próxima semana, a perspectiva de estar mais próxima uma definição sobre fontes de custeio para pagamento do Auxílio Brasil tende a retirar parte do estresse dos pregões.
É fato que a ampliação do teto de gastos, prevista na PEC, não foi bem recebida pelo mercado, mas nesses últimos dias o entendimento foi o de que uma solução ainda pior poderia ser dada para a questão, sem a aprovação da medida.
Mais três votações
O texto que propõe o pagamento parcelado de precatórios em 2022 para que seja criada folga fiscal no Orçamento para financiar o novo programa social do governo precisa passar por duas votações no plenário da Câmara e igual vezes no Senado.
O desequilíbrio nas contas públicas é o grande temor do mercado financeiro e o financiamento do Auxílio Brasil, por meio de um puxadinho no Orçamento com a PEC dos Precatórios, agrava o sentimento de preocupação de investidores e gestores do mercado financeiro.
O aumento de gastos públicos sem uma fonte de receitas para bancá-los gera mais pressão sobre a inflação, que não dá trégua, e exige uma atuação dura do Banco Central na gestão dos juros. Taxa Selic mais alta aumenta os custos, na forma de juros, da dívida pública que tem boa parcela atrelada à Letra Financeira do Tesouro (LFT), indexada à Selic.
Ata do Copom e decisão do Fed na mira dos mercados
As idas e vindas na tentativa de votação dos precatórios, principal foco doméstico no radar dos mercados, dividiram a atenção do mercado com a ata da última reunião do Copom, divulgada na véspera pelo Banco Central, e com a decisão do Fed (Federal Reserve, banco central americano) de iniciar a retirada dos estímulos monetários na economia.
A sinalização, reafirmada na ata, de novo aumento de 1,50 ponto porcentual na Selic na última reunião do Copom no ano, no início de dezembro, não provocou maiores reações no mercado. E tampouco a decisão do Fed de dar início à mudança no programa de estímulos monetários com uma redução de recompra de títulos no valor de US$ 15 bilhões mensais. A taxa básica de juros foi mantida entre 0% e 0,25%.
As bolsas americanas reagiram bem às decisões do Fed e os índices renovaram as máximas no fechamento. O índice Dow Jones fechou com valorização de 0,29%, em 36.157,58 pontos; o S&P 500 subiu 0,65%, para 4.660,57 pontos, e o Nasdaq avançou 1,04%, para 15.811,58 pontos.
A Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, que teve desempenho melhor ao longo do pregão, embora em ambiente de muita volatilidade, chegou ao fim dos negócios do dia estável, com alta residual de 0,06%, em 105.616,88 pontos. A aprovação da PEC pode favorecer o mercado de ações. O dólar recuou 1,42% e fechou abaixo de R$ 5,60, cotado por R$ 5,59.
Mais sobre a PEC dos Precatórios
A sessão para apreciação dos destaques (sugestões de mudanças ao texto principal) e votação em segundo turno da PEC será convocada "oportunamente", segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Lira deu voto favorável e ajudou a aprovar a proposta. O parlamentar, que por ocupar a presidência da Casa não costuma votar, apertou o sim e contribuiu para garantir o placar vitorioso para o governo. Parte da oposição também foi crucial para que o presidente Jair Bolsonaro assegurasse seu plano para o ano eleitoral.
Foram dias de negociações, pressão sobre a oposição e promessas de emendas parlamentares para o governo obter 312 votos a favor da PEC dos Precatórios, contra 144.
Por ser uma alteração constitucional, a proposta precisava de maioria qualificada, com 308 votos, ou três quintos dos parlamentares. Ainda será preciso aprovar o texto em um segundo turno de votação antes que ele siga para o Senado, onde também deve enfrentar resistências.
A aprovação coloca em modo de espera o "plano B" que o governo tem engatilhado: uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) para prorrogar o auxílio emergencial com crédito extraordinário, fora do teto de gastos - a regra que limita o avanço das despesas à inflação.
Ao longo do dia, Lira avisou que não tinha como garantir um resultado favorável, mas trabalhou intensamente pela vitória e por um texto mais palatável aos parlamentares, inclusive para a oposição.
O governo enfrentou grandes dificuldades em arregimentar o apoio necessário, tanto pelo conteúdo da PEC quanto pela retomada das votações presenciais, que se tornou um obstáculo ao alcance de quórum mais confortável. As bancadas do MDB e do PSDB, geralmente alinhadas ao governo, não engrossaram o apoio à proposta.
Lira, no entanto, angariou votos da oposição, que tinha como meta priorizar o pagamento dos precatórios que a União deve aos Estados em decorrência de ações judiciais envolvendo o Fundef, antigo fundo de educação básica.
Pelo acordo, em vez de entrar na fila das dívidas judiciais, eles serão pagos de forma parcelada: 40% no primeiro ano, 30% no segundo e 30% no terceiro. Com essa concessão, o texto ganhou o apoio de 15 parlamentares do PDT, partido de oposição ao governo.
Ao chegar à Câmara, Lira evitou cantar vitória, mas garantiu que a PEC seria pautada e submetida à votação. "De hoje não passa", disse. "Minha obrigação é pautar. Ou ela será aprovada, ou não será."
O primeiro requerimento do chamado kit obstrução da oposição mostrou que o cenário seria difícil para o governo, mas não impossível.
O pedido para retirada de pauta da PEC foi rejeitado por 307 votos a 148. Esses requerimentos servem para que a minoria tente impedir ou atrasar a análise de propostas pelos deputados, mas também servem como um indicativo do que o governo pode esperar do placar da votação do texto final.
No exterior
Lá fora, os ânimos seguem positivos, com o mercado repercutindo a decisão de política monetária do Fed sobre a redução da compra de títulos pelo banco central, a avaliação dos dirigentes sobre a ameaça da inflação como algo temporário e a postura acomodatícia que a autoridade monetária deve manter.
Na coletiva, Jerome Powell, presidente do Fed, disse que o foco da reunião desta semana foi o tapering, e não uma possível elevação da taxa básica de juros. O dirigente afirmou ainda que o apoio à recuperação da economia continuará.
A Capital Economics observou um tom "surpreendentemente" leve na postura do Fed, e não espera uma alta de juros antes do começo de 2023. A percepção de que a alta na inflação nos Estados Unidos é majoritariamente transitória sugere que a ala menos dura segue comandando a autoridade, avalia a consultoria.
Sobre a temporada de balanços, seguindo a todo vapor, o banco Julius Baer avalia que as empresas continuaram a entregar resultados surpreendentemente fortes no terceiro trimestre, apesar dos ventos contrários da variante delta e dos problemas nas cadeias de suprimentos.
No entanto, "o próximo trimestre se traduzirá em um cenário mais desafiador", já que as questões no fornecimento provavelmente se intensificarão enquanto o ímpeto econômico desacelera ainda mais, projeta o banco.
Na Ásia, as bolsas reagiram positivamente à decisão do Fed e fecharam em alta nesta quinta-feira.
Na volta de um feriado nacional, o índice japonês Nikkei subiu 0,93% em Tóquio, aos 29.794,37 pontos, enquanto o Hang Seng avançou 0,80% em Hong Kong, aos 25.225,19 pontos, e o sul-coreano Kospi teve modesto ganho de 0,25% em Seul, aos 2.983,22 pontos.
Já na China continental, o Xangai Composto subiu 0,81%, aos 3.526,87 pontos, e o menos abrangente Shenzhen Composto avançou 1,32%, aos 2.425,16 pontos. Exceção na Ásia, o Taiex caiu 0,25% em Taiwan, aos 17.078,86 pontos.
Na Oceania, a bolsa australiana seguiu o tom majoritariamente positivo da Ásia, e o S&P/ASX 200 avançou 0,48% em Sydney, a 7.428,00 pontos. / com Júlia Zillig e Agência Estado