Saiba o que está em jogo com a PEC dos Precatórios e como isso impacta a Bolsa, o dólar, os juros, a inflação…
É a credibilidade do País que está ameaçada
As indefinições em relação ao futuro da PEC dos Precatórios e ao cenário fiscal brasileiro levaram um clima de cautela e aversão ao risco no mercado financeiro nessa última quinta-feira, 04. Como consequência, o pregão do dia seguinte à aprovação em 1° turno da PEC pela Câmara dos Deputados foi de queda generalizada na Bolsa de Valores brasileira, a B3, que caiu 2,09%, retomando o patamar dos 103 mil pontos, um dos menores do ano.
Boa parte dos especialistas entende que a aprovação da PEC dos Precatórios aumenta a percepção de risco fiscal e diminui a credibilidade do País frente aos investidores, especialmente os estrangeiros. Everton Medeiros, especialista em Renda Variável da Valor Investimentos, chama a atenção que cresce o movimento de retirada de recursos do País, elevando a taxa de câmbio, o que resulta em mais pressão inflacionária e juros altos, enfraquecendo o mercado acionário.
E foi exatamente isso o que se observou no último pregão da Bolsa. Com as perspectivas de deterioração do cenário fiscal e elevação dos gastos do governo, aumentam as pressões sobre a inflação e, diante disso, a curva de juros futuros fechou majoritariamente em alta e o dólar subiu a R$ 5,60. Enquanto isso, os papéis de empresas de diversos setores da economia simplesmente derreteram durante as negociações.
Qual o impacto da PEC dos Precatórios no mercado?
De acordo com Pedro Palmezani, analista CNPI da CM Capital, o que está sendo colocado em jogo com a PEC dos Precatórios é a confiança em relação ao mercado brasileiro, que havia sido resgatada no final de 2016, quando o governo Michel Temer estabeleceu, por meio da PEC 241, um limite para os gastos federais (o famoso teto de gastos) pelos próximos 20 anos a partir de 2017.
O especialista explica que a medida foi muito bem recebida pelo mercado, levando a Bolsa a engatar num movimento de alta, pela credibilidade que o Brasil voltou a passar para os investidores. "Então, o que está em xeque agora é essa capacidade do governo de honrar e ser fiel ao dinheiro público", afirma Palmezani.
Vale lembrar que a PEC dos Precatórios visa liberar espaço no Orçamento do governo federal para 2022, com o parcelamento das dívidas judiciais do governo e a mudança na correção do teto de gastos, que passaria a ser feita com base na inflação acumulada entre janeiro e dezembro - atualmente o teto é corrigido com base na inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior -, entre outras medidas.
O governo estima que, caso aprovada, a proposta abra um espaço de R$ 91,6 bilhões para o próximo ano. Parte desse dinheiro deve ser destinado ao pagamento do Auxílio Brasil, novo programa social que contará com parcelas de R$ 400 até o fim de 2022. No entanto, Medeiros ressalta que muitos já consideram a medida uma "manobra" para financiar os arranjos fiscais e políticos em ano eleitoral.
O especialista em Renda Variável comenta que, no fim das contas, a PEC apenas "empurra a questão dos precatórios para frente" para poder arcar com os gastos de 2022. Dessa forma, a partir de 2023, o governo volta a ter "uma batata quente na mão". Medeiros afirma que, nas estimativas da corretora, até 2026, a soma da dívida pública pode chegar a cerca de R$ 170 bilhões.
Além das atitudes que beiram a irresponsabilidade fiscal e geram desconforto entre os investidores, o analista da CM Capital destaca também que não há uma garantia de que a PEC será aprovada nos próximos turnos de votação no Congresso e no Senado - ainda faltam três.
"A proposta passou no primeiro turno com uma folga bem apertada: precisava de 308 votos e passou com 312. O PDT, partido que é da oposição, contribuiu com 15 votos", pontua Palmezani. O analista ressalta, ainda, que Ciro Gomes, o principal representante do partido, ameaçou retirar sua pré-candidatura à Presidência da República, caso os integrantes do PDT votem a favor da PEC no segundo turno.
Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, explica que esse cenário onde a tramitação da PEC pode ocorrer de forma mais difícil, ou, até mesmo, onde a proposta seja rejeitada, torna as coisas ainda mais difíceis. Isso porque, se por um lado a percepção de risco fiscal já é grande com a PEC, sem ela há ainda mais incertezas em relação às manobras que o governo pode adotar para financiar seus projetos em 2022.
Quais os setores mais afetados?
Para Everton Medeiros, o risco trazido pelo cenário fiscal do País é sistêmico, ou seja, "acaba abrangendo todas as empresas no mercado, porque a falta de credibilidade (nos investimentos no Brasil) afeta todos os setores". O especialista destaca que as empresas exportadoras, que dependem menos do mercado interno, podem até ser menos impactadas, mas o cenário também não deve trazer nenhum benefício para elas.
Já o especialista de mercado da Guide Investimentos, Rodrigo Crespi, ressalta como a questão da PEC dos Precatórios interfere nas expectativas para a Selic e, consequentemente, na curva de juros futuros. Com o aumento das dívidas federais, a inflação sobe e os juros também, já que essa é a principal ferramenta do Banco Central para controlar a escalada de preços.
Dessa forma, Crespi considera que as empresas mais afetadas pela atual conjuntura do País são as que têm uma atuação maior no cenário doméstico, principalmente as de consumo discricionário (que abrange produtos automotivos, bens domésticos duráveis, artigos têxteis e de vestuário e equipamentos de lazer) e construção civil.
No pregão de quinta-feira, as empresas varejistas Magazine Luiza, Via e Lojas Americanas, por exemplo, caíram 4,06%, 4,63% e 2,07%, respectivamente. As construtoras também reportaram queda e Cyrela, MRV e Gafisa recuaram 2,18%, 0,72% e 6,31%, na sequência.
Em outubro, o Magalu e a Cyrela, alguns dos principais representantes de seus setores, estiveram entre as 10 baixas mais expressivas do mês, com variação negativa de 24,62% e 21,72%, nesta ordem.
Além destes setores, o especialista da Guide comenta também sobre as empresas concessionárias, como CCR e Ecorodovias. Crespi explica que, tendo em vista que essas são empresas de capital intensivo, com uma estrutura que depende bastante de empréstimos de instituições financeiras, os juros altos exercem forte impacto negativo em seus resultados. No último pregão, os papéis da Ecorodovias caíram 2,04%, enquanto a CCR fechou no zero a zero.
Bancos
Em uma conjuntura política e econômica que leva à elevação dos juros, Rodrigo Crespi afirma que os bancos podem se beneficiar até certo ponto, caso consigam repassar as altas para os seus clientes. No entanto, o especialista pondera que o cenário atual é de alto endividamento para as famílias brasileiras, o que leva a um maior risco de inadimplência.
Quando a população tem um poder aquisitivo menor, em decorrência do avanço da inflação e dos juros, o consumo também cai. Assim, a tendência é que o cliente do banco "ou vai deixar de tomar crédito ou vai tomar crédito e não vai conseguir pagar", explica Crespi.
Essa tendência já pôde ser observada, inclusive, no balanço do terceiro trimestre do Itaú Unibanco, maior banco do Brasil. Embora a instituição financeira tenha apresentado um resultado operacional positivo, o que chamou atenção do mercado foram as perspectivas para o próximo trimestre, com a taxa de inadimplência subindo de 0,21 ponto para 0,30 ponto.
O CEO do Itaú, Milton Maluhy Filho, destacou um cenário mais cauteloso para 2022, ano que inspira mais cuidado em termos de crédito, tendo em vista a deterioração do cenário macroeconômico. "Quando olho para 2022, é um cenário em que se vê uma piora na inadimplência, é esperado que seja assim e estamos preparados para isso do ponto de vista do provisionamento do balanço", afirmou o executivo.
Neste contexto, os papéis dos bancões, que são responsáveis por cerca de 17% da carteira teórica da B3, foram o principal destaque negativo do pregão de quinta-feira. O Itaú despencou 5,28% e, na mesma esteira, Bradesco e Santander derreteram 6,62% e 4,13%, nesta ordem.