Quais tendências do “novo normal” você deve observar antes de investir?
Em um artigo publicado no início de agosto, eu elenquei os 4 fatores que tinham mudado de forma permanente o funcionamento da economia global: O endividamento…
Em um artigo publicado no início de agosto, eu elenquei os 4 fatores que tinham mudado de forma permanente o funcionamento da economia global:
- O endividamento público em grandes proporções;
- A “impressão de dinheiro” pelos bancos centrais;
- A compra direta de títulos privados pelas autoridades monetárias;
- A inflação persistentemente baixa.
Agora, a poucos meses do fim do ano, o que podemos esperar em termos de um “novo normal”?
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tentou responder essa pergunta e chegou a algumas conclusões:
- A China estará 10% maior que o ano passado;
- Os EUA voltarão ao mesmo patamar de 2019;
- A Europa terá uma recuperação bastante lenta.
Apesar do “freio” ter sido simultâneo no mundo (algo em torno de -5% no PIB mundial em comparação ao -0,1% constatado logo após a crise de 2008), percebe-se que determinadas características individuais de cada região determinam o tipo de desempenho econômico que terão a partir de 2021.
A largada da China se explica pelo seu grande setor industrial, que se adaptou melhor às medidas de isolamento social.
Já para os EUA, são os pacotes de auxílio implementados. O país gastou algo em torno de 12% do PIB para estimular a sua economia, uma proporção muito maior que a estabelecida pela Europa, que depende do consenso entre os países membros para medidas dessa natureza.
Considerando esse cenário e excluindo-se os elementos já retratados em outros artigos (investimentos ESG e mudanças climáticas), os próximos parágrafos serão dedicados aos temas que já estão no radar dos gestores de investimentos.
Regional
As principais cadeias de produção serão remodeladas para que fiquem dentro de uma mesma região geográfica, evitando-se assim maiores problemas de fornecimento. Como já explicado em um artigo recente, é fato que a economia mundial era altamente dependente das grandes cadeias globais.
A ascensão de líderes populistas apenas agravou o problema. A maior guerra comercial da atualidade (EUA vs. China) muitas vezes é comparada com a guerra fria entre os mesmos EUA e a antiga União Soviética.
Mais do que os prejuízos decorrentes da aplicação de sobretaxas sobre produtos, CEOs mundo afora se deram conta dos impactos diretos dos riscos políticos de outros países em seus negócios. Assim, trazer para “dentro de casa” parte das operações passou a fazer sentido.
Digital
Os negócios incorporados ao mundo virtual trouxeram consigo a possibilidade de se criar e administrar enormes bancos de dados, que são abastecidos a cada minuto com informações que podem ser organizadas das mais variadas formas possíveis.
Apesar do e-commerce ter sido a consequência mais visível da pandemia, o setor de pagamentos e transferências digitais também decolou desde o início do ano. Usado inclusive para a transferência de benefícios assistenciais, o “dinheiro digital” passou a ser disputado por todos que giram em torno dele, seja um serviço fornecido via app ou um website que faz o papel de um marketplace.
No fundo, todos almejam criar a sua própria plataforma, com todo tipo de conveniência (inclusive crédito, seguros e investimentos) na palma da mão. Assim, a cada novo usuário que entra, maior a quantidade de dados disponível para o envio de ofertas direcionadas, o que gera novas vendas.
Desigual
Por dois fatores:
- Pessoas que continuaram as suas atividades, seja na cidade ou na praia/campo, vis-à-vis aquelas que ficaram sem trabalho;
- Juros nas mínimas por tempo indeterminado, o que mantém os preços dos ativos nas alturas, independentemente do desempenho da economia real.
Estima-se que pelo menos 20% do tempo dedicado ao trabalho será realizado a partir dos escritórios domésticos montados nos últimos 6 meses. Isso traz danos permanentes aos setores que atendiam regiões com grande concentração de prédios corporativos.
Os altos preços dos ativos, por sua vez, não é algo novo. Porém, como os bancos centrais foram mais agressivos no pós-pandemia, um efeito colateral disso é a maior disparidade entre os que possuem algum patrimônio e aqueles que não tiveram a oportunidade de formá-lo (por terem pouca idade e/ou viverem altamente alavancados).
Com os fluxos futuros de todos os ativos sendo avaliados a um custo de oportunidade bastante baixo, tudo ficou “caro”.
Isso nos leva diretamente aos IPOs no Brasil.
Fila de Ofertas
A taxa de juros na mínimas históricas trouxe um grande número de investidores individuais à bolsa de valores como também uma lista de empresas que estão acessando o mercado pela primeira vez.
Do lado das pessoas físicas, a necessidade de rentabilizar recursos e, do lado das companhias, negócios precificados a valores elevados. Por conta disso, excluindo-se a questão fiscal do país, que por si só daria um outro artigo, muitos dos planos de negócios apresentados poderão ter alguma dificuldade de execução em 2021.
Primeiro porque o mundo mudou e, segundo, porque poucas são as empresas que estão realmente “investindo”.
Observando os prospectos, nem todos possuem informações suficientes. Para aqueles que fizeram um trabalho mais completo, destaca-se como justificativa para o IPO a redução de dívidas ou de participação acionária (como se sabe bem, as ofertas públicas são um mecanismo de saída para os fundos de private equity).
Construção civil
Traçando um paralelo com o grande número de ofertas dos anos de 2007 e 2008, eis que surge novamente a predominância das empresas de construção civil, o que exige alguns cuidados.
Para quem não se lembra daquela época, 2 anos após um grupo de construtoras abrir o capital:
- 9 delas valiam 5% do seu valor de IPO;
- Apenas 3 ingressaram no Ibovespa (Cyrela, EZTec e MRV).
Diante da complexidade da situação atual, quais as chances de pequenos investidores identificarem as empresas que estão levantando recursos apenas para postergar uma recuperação judicial dada a enorme força dos influenciadores digitais no mundo dos investimentos?
Considerando que o setor imobiliário sempre foi sinônimo de segurança para o brasileiro, vale a pena se informar sobre a melhor forma de participar. A indústria de fundos imobiliários é bem desenvolvida no país, o que permite contornar limitações comuns dos imóveis como concentração em um único ativo ou região geográfica.
De um modo geral, percebe-se que muitos IPOs foram cancelados ou levados a mercado com preços abaixo dos valores inicialmente previstos. Ou seja, não estavam prontos para o mercado de capitais, ambiente onde as empresas buscam:
- Viabilizar o seu crescimento;
- Aperfeiçoar os seus processos;
- Criar condições para uma futura aquisição (ocasião em que uma companhia aberta usa parte das suas ações como forma de pagamento).
Conclusão
Investir bem é estar atento aos elementos que dominarão o mundo dos negócios no futuro. Começando pela dinâmica dos grandes blocos econômicos, identifica-se os assuntos que dominarão a pauta das reuniões de conselhos de administração.
O primeiro diz respeito à reorganização de arranjos produtivos mundo afora. As decisões adotadas por cada companhia nesse sentido indicarão o quanto serão bem sucedidas ao garantir a perenidade de seus negócios.
O segundo é a digitalização dos negócios. Não apenas aqueles que já nasceram digitais, mas também os tradicionais, como o bancário por exemplo, vis-à-vis a capacidade de capturar a abundância de dados da internet para explorar novas oportunidades e, de preferência, criar referências globais.
A questão da desigualdade exige mais de governos do que das empresas em si, apesar de não as isentar de sua responsabilidade social. Ainda assim, o fato de estarem com os seus preços “inflados” não dá margem para erros. Se antes eram as empresas que dominavam o jogo, hoje é o lado comprador (“buy side”) que dita as regras.
No bombardeio diário de “dicas” de investimentos, cabe a cada um não se deixar levar pela promessa de ganhos fáceis. A verdade é que muitas lições foram deixadas como aprendizado do “boom” de IPOs de 2007 e 2008.
O que todo mundo deveria atentar nesse “novo normal” é o mais “normal” dos objetivos: ver o seu patrimônio crescer.
“A capacidade de concentrar a atenção em coisas importantes é uma característica definidora da inteligência.”
Robert Shiller