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Os investimentos das empresas e os seus investimentos

Apostar as fichas em uma companhia de capital aberto envolve muito mais do que seus dividendos

Data de publicação:02/06/2021 às 05:00 - Atualizado 3 anos atrás
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Diferentemente de apenas comprar e vender ações, investir em uma companhia de capital aberto é apostar nos seus fundamentos (mercados, geração de caixa, nível de endividamento, entre outros) e na sua dinâmica econômica. 

Como a pandemia evidenciou, empresas que estavam mais bem preparadas sobreviveram e, ao contrário de outras crises, tiveram acesso bastante facilitado ao crédito.  Como consequência, muitos movimentos de consolidação, tornando-as ainda mais relevantes.

Investimentos de empresas americanas devem crescer para adaptação à nova realidade trazida pela pandemia

Ao longo do ano de 2021, inúmeros projetos de investimentos estão sendo aprovados. Considerando apenas o ano que vem, empresas que fazem parte do S&P 500 muito provavelmente estarão investindo 10% a mais em novas instalações e tecnologias, como demonstram as informações financeiras trimestrais. 

Isso é uma mudança e tanto.  Olhando para as últimas décadas, o nível de investimento em capex nos EUA tem se mantido no mesmo patamar em relação ao PIB, pois as empresas passaram a dar preferência aos programas de recompra de ações e uma maior distribuição de dividendos mesmo nos anos em que os lucros eram crescentes.

Por mais que isso agrade os acionistas, o resultado observado ao longo do tempo é o baixo crescimento e a baixa produtividade, como consequência da redução nos investimentos.

Empresas estrangeiras

A reabertura das economias não seria a única justificativa para a gastança. Os novos investimentos são em função das adaptações que as pessoas fizeram em suas vidas.  Um número maior de compras online exige sistemas que garantam a retaguarda das operações. 

A título de exemplo, grandes empresas de tecnologia estão investindo 30% a mais neste ano quando comparado com 2019.  O leque abrange desde a Apple até empresas como Samsung, passando por fabricantes de chips para celulares e computadores.

Percebe-se que esse movimento não ocorre apenas com os intangíveis (software), mas também com máquinas e equipamentos.  De acordo com as estimativas mais otimistas, já em 2022, o mundo terá investido 121% além do que investia antes da pandemia.

Como força propulsora, a crença de uma recuperação econômica bastante rápida.  Fazendo uma comparação com a crise de 2008, foram necessários pouco mais de 2 anos para que a atividade retornasse aos níveis anteriores.     

Tudo porque as pessoas continuarão fazendo mais coisas dentro de casa.  O efeito secundário disso é que até os setores mais tradicionais estão digitalizando as suas operações para não perder participação de mercado.

Ainda é cedo para dizer se esse processo é apenas decorrente das circunstâncias únicas que o mundo enfrentou no ano passado.  Setores mais cíclicos, como o de commodities, permanecem com os mesmos problemas.  Só aumentam a oferta nos anos em que os preços estão mais altos.  Na ausência de novos concorrentes, poucos possuem apetite para investir. 

Empresas nacionais

É difícil imaginar que algo semelhante aconteceria no Brasil.  O país possui uma limitação estrutural: baixos investimentos em infraestrutura, considerando as suas proporções continentais.  Colocando em números, isso seria algo em torno de 1,5% do PIB, ou apenas R$ 115,2 bilhões em usinas geradoras de energia, torres de comunicação e redes de fibra ótica, por exemplo.

Ninguém nega que o mercado brasileiro é muito grande para ser ignorado, mas que empresa com tecnologia de ponta investiria em condições tão precárias?  Isso explica porque o investimento privado não consegue compensar a falta de recursos do Estado.  Mesmo se a proporção chegasse a 2% do PIB, como já foi possível em décadas passadas, só alcançaríamos padrões mundiais (estoque de capital superior a 65%) em 2044.

O risco de problemas no abastecimento de energia elétrica, identificado recentemente, é o exemplo “clássico” de como uma situação já ruim pode caminhar de forma rápida para outra muito pior, com apagões e índices de inflação mais altos.

Alguns fatores inerentes ao país ajudam a explicar:

Insegurança jurídica

O sistema de leis e a sua aplicabilidade geram uma série de situações em que os agentes econômicos são pegos de surpresa.  A insegurança quer dizer que, mesmo com a orientação de entes do governo e de advogados, corre-se o risco de se ter que entrar com uma ação na Justiça.

Agências reguladoras

Teoricamente independentes, estão sujeitas a indicações políticas e, no pior dos casos, cortes orçamentários.  Houve uma tentativa de se mudar isso, mas outras prioridades sempre acabam se sobrepondo.

Congresso

Falhas para levar adiante propostas promissoras para o país.  Muitas precisam de vontade política para o devido destaque, sendo ainda diluídas no seu longo processo até a aprovação.  Um outro agravante é o calendário do próprio legislativo, reduzido nos períodos que antecedem as eleições.

Project finance

Modalidade em que se financia as obras de um empreendimento, nos seus estágios iniciais, dando as suas receitas futuras como garantia.  Muito comum no exterior, precisa de aprimoramentos para compensar a baixa capacidade de alavancagem das empresas.

Ambiente político

Ruídos vindos de Brasília inibem investimentos e o país, lamentavelmente, peca em vários assuntos. 

Conclusão

Todo investidor deveria olhar para onde vai o dinheiro dos acionistas.  Ele está sendo direcionado para atender melhor quem consome os seus produtos e serviços? Além disso, com que frequência são executados os programas de recompra de ações? Qual a proporção de dividendos distribuídos? 

Essas perguntas são importantes porque a empresa que não investe não cresce.  Como observado no maior mercado de ações do mundo (o norte-americano), a falta de investimentos anda de mãos dadas com a baixa produtividade.

A pandemia pode estar mudando essa dinâmica e muitas empresas estão atentas a isso.  Com os juros tão baixos, estão viabilizando projetos como não se via há muito tempo.  As oportunidades estão em todos os lugares, abarcando desde as empresas de tecnologia, que precisam fornecer uma infraestrutura robusta, até aquelas que estão contemplando novas formas de se fazer negócios. 

O Brasil, infelizmente, não vai acompanhar esse movimento.  Crescendo pouco já há bastante tempo, carece dos elementos básicos que todo país precisa para atrair investimentos.  São eles: regras claras, agências independentes, leis bem escritas e fundamentadas, novas formas de financiamento e, por fim, “mais Brasil e menos Brasília”.

Independentemente do local escolhido para receber os recursos, prudência, estudo e disciplina são fundamentais.  Por conta disso, vale lembrar as palavras de David Swensen, gestor do famoso fundo patrimonial (endowment) da Universidade de Yale, que faleceu recentemente:

“Má alocação de ativos, gestão ativa mal executada e timing de mercado perverso lideram a lista de erros cometidos por investidores individuais.”

*Este artigo não expressa necessariamente a opinião do portal Mais Retorno

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.