O sr. Mercado, Cristiano Ronaldo e a Coca-Cola
Com a queda das ações, a empresa não perdeu um centavo de seu caixa, mas sim o investidor
Ainda sobre o episódio envolvendo o jogador Cristiano Ronaldo e a Coca-Cola, algumas questões precisam ser pontuadas sobre a informação – equivocada – de que a empresa amargou uma desvalorização de USD 4 bilhões em seu valor de mercado após o craque retirar os refrigerantes da sua mesa, durante uma coletiva de imprensa, dias atrás.
Para quem está por fora da polêmica, trata-se de uma situação aparentemente banal, quando o atleta, assim que chegou ao local reservado aos repórteres para entrevistar os atletas, afastou as duas garrafas de Coca-Cola da sua frente, substituindo-as por uma de água mineral, com uma expressão no rosto que deixava clara sua preferência pela bebida natural.
Pronto. Só esta cena foi suficiente para que o mercado, os espectadores da coletiva e a imprensa – não necessariamente nessa ordem – concluíssem que a imagem da companhia seria afetada, o que se concretizou minutos depois, quando as ações da Cola-Cola (NYSE: KO) caíram de US$ 56,10 para US$ 55,20. As ações se recuperaram um pouco no final do pregão daquele dia, mas a empresa se viu forçada a emitir um comunicado dizendo que “todos têm direito as suas preferências de bebida” e “todos têm gostos e necessidades diferentes”.
Talvez a reação de um dos maiores ídolos da atualidade não se deveu apenas à rejeição pela bebida condenada pelos nutricionistas pelo excesso de açúcar. Mas a ojeriza também pode ter ocorrido pela tentativa de alguém atrelar sua figura à Coca-Cola, como forma de publicidade gratuita – algo temeroso no esporte hoje em dia.
Mas o que isso tudo tem a ver com o pânico dos investidores que se desfizeram dos papeis da companhia naquele momento?
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a empresa não perdeu nenhum centavo do seu caixa. Se há alguém teve prejuízo com o episódio, seria o investidor que comprou a ação da coletiva e, desesperado com o alarde da coletiva, vendeu mais barato. Do mesmo modo, vão perder dinheiro aqueles que, no futuro, virem o papel ultrapassando a casa dos USD 56,10, lamentando a decisão de venda na fatídica data.
E os fundamentos da empresa?
Ora, onde estava a análise fundamentalista, que o mercado não cansa de ensinar aos investidores, como base na compra e venda dos ativos? Simplesmente, um episódio de pânico venceu a importância da análise sobre a governança da Coca-Cola, seu desempenho nos setores em que atua (já que ela também comercializa a água que Cristiano Ronaldo homenageou!), a frequência da distribuição de dividendos, sua história, tamanho no mercado e tantos outros fatores imprescindíveis para balizar a manutenção das ações no portfólio.
Isso é um típico exemplo do quanto o comportamento das pessoas no mercado financeiro é irracional, sobretudo quando a história se passa na Bolsa de Valores de um dos países mais tradicionais do capitalismo.
A mídia é culpada por esse tipo de furor? Talvez, em parte, já que – para atrair mais leitores – os jornais costumam exagerar o impacto de um acontecimento nas manchetes de seus veículos. Mas isso ocorre com quaisquer outras notícias envolvendo celebridades. Não serve de justificativa para mitigar o chamado efeito manada nesta ocorrência.
Benjamin Graham, um dos principais mentores do Warren Buffett, é autor de uma parábola que ilustra bem o que quero dizer a respeito das reações dos investidores de ações. Em seu livro “O Investidor Inteligente”, ele diz: "Imagine que você possui uma participação pequena em uma companhia de capital fechado que lhe custou U$1.000. Um de seus sócios, chamado Sr. Mercado, (...) todo dia lhe informa o que ele acha ser o valor da sua participação e, além disso, se dispõe a comprar de você ou vender a você uma participação adicional naquelas bases".
O autor acrescenta, adiante: "Às vezes, o Sr. Mercado deixa frequentemente o entusiasmo ou o receio tomar conta dele, e o valor proposto por ele lhe parece pura bobagem. Se você é um investidor prudente, ou um empresário inteligente, deixaria as comunicações diárias do Sr. Mercado te influenciarem sobre o valor da sua participação de U$1.000 na companhia?".
Você deixaria? Vejamos os dados racionais: as ações da gigante dos refrigerantes vêm subindo bastante nos últimos meses – quase 15% desde o início de fevereiro. A alta se deve à perspectiva de aumento nas vendas, à medida que seu carro chefe se beneficia da reabertura de cinemas, restaurantes, eventos culturais, esportivos etc., dado o avanço da vacinação nos EUA e na Europa.
Ninguém pode precisar se os papeis da KO continuarão sua trajetória positiva nos próximos trimestres ou se uma correção será necessária por atingir um patamar razoável. Os analistas estão aí para dar suas opiniões, com fundamentos concretos sobre cada previsão.
Portanto, lembre-se da teoria de Graham se você opera diretamente na Bolsa, e jamais tome decisões com base na opinião do Sr. Mercado, muitas vezes, desprovida de um fundamento.