O que os investidores do varejo precisam saber sobre Americanas e os impactos no setor
Investimentos tanto de renda fixa como de renda variável, do pequeno ao grande investidor, poderão ser atingidos
O baque financeiro da Americanas, e seu rombo de ao menos R$ 20 bilhões impacta o mercado de investimentos em suas várias classes de ativos. Desde a renda fixa até a renda variável, do grande ao pequeno investidor.
No segmento de renda fixa, os estilhaços da crise tendem a alcançar quem investe em fundos de renda fixa e fundos de previdência privada com crédito privado, com as debêntures da empresa varejista na carteira.
A exposição desses fundos à crise da Americanas mostra, principalmente ao investidor pessoa física, que a renda fixa não é tão fixa como o nome sugere. Alguns ativos oferecem mais risco, outro menos, mas todos embutem uma pitada de risco.
As debêntures que os fundos de renda fixa alocam na carteira são títulos de crédito privado. Papeis que as empresas emitem e oferecem aos investidores no mercado financeiro para captar recursos. Um dos clientes cativos desses papeis são os fundos de investimento.
Os títulos privados costumam render mais que os públicos, oferecidos no Tesouro Direto, porque embutem um risco de crédito maior. É o chamado prêmio, um adicional de rendimento, para compensar a possibilidade de que no vencimento do título a empresa não tenha condições de pagar e o investidor, quem comprou o papel, fique na mão.
É o risco que corre agora quem investiu em fundo de renda fixa que tem debêntures da Americanas em carteira. E o efeito dessa perspectiva de calote é a desvalorização dos papeis e das cotas do fundo, que passará a ser mostrada com a queda das cotas nesses próximos dias.
Rogério Mauad, professor de mercados financeiros do Ibmec-SP, diz que os fundos de crédito privado que compraram as debêntures da varejista serão afetados. De acordo com ele, esses papeis são renda fixa, mas, com o aumento brutal do risco da empresa, “ninguém sabe o tamanho do buraco e o que vem por aí”.
Esse sentimento de incerteza faz com que “muitos investidores estejam tentando se desfazer das debêntures e os preços devem provavelmente desabar e as taxas de juro disparar”. E os fundos de crédito privado que carregam essas debêntures terão uma desvalorização das cotas pela marcação a mercado, com redução do patrimônio do investidor.
Alexandre Alvarenga, analista de fundos da Empiricus, diz que “alguns desses fundos têm posição de quase 10% na varejista, principalmente os fundos mais líquidos, que podem sofrer impacto mais relevante na cota”.
O efeito negativo no valor da cota, acredita o analista, poderá encorajar e reforçar o movimento de resgates se o fundo for mais líquido (possibilidade de receber rapidamente o dinheiro do resgate) e gerar efeito cascata – levar a novos saques de quem fica preocupado com a desvalorização das cotas.
O impacto em um fundo de ações ou em um fundo de previdência privada vai depender da posição do portfólio em papeis da Americanas, avalia Alvarenga. “O efeito, independentemente de que seja um fundo de ações ou previdência, será mais forte se houver uma posição relevante do produto em ações da Americanas.”
Na posição de dezembro último, de acordo com dados levantados pela Mais Retorno, carteiras de pelo menos 152 fundos de ações estavam com posições compradas em ações da Americanas (AMER3, LAME3 e LAME4), que tombaram nesta quinta-feira. Confira quais os fundos aqui.
“Os investidores estão vendendo as ações das Americanas porque não sabem o tamanho do rombo. O risco da varejista disparou no mercado”, analisa Rogério Mauad, professor de mercados financeiros do Ibmec-SP.
Mauad explica que a forte queda das ações da Americanas (AMER3) vai afetar os fundos de ações que têm esse papel na carteira pelo efeito da marcação a mercado. “Haverá uma desvalorização muito forte em suas cotas, o que vai impactar o patrimônio dos cotistas”, comenta.
O professor toma como gancho o episódio da crise da Americanas para evidenciar a importância da diversificação dos investimentos. “Se a posição do fundo, seja em ações, seja em debêntures, for pequena, talvez o prejuízo não seja tão grande”, avalia. “E é possível que o retorno positivo do restante da carteira diversificada compense as perdas que o fundo está tendo com a crise da empresa de varejo.”
Impactos no setor
Especialistas afirmam que é prematuro ainda estender a crise da Americanas a outras empresas do setor de varejo e a bancos que supostamente tenham financiado a companhia em dificuldades.
Seja como for, os estragos de ontem foram expressivos para o varejo. Pelos cálculos de Einar Rivero, da TradMap, a empresa perdeu R$ 8,37 bilhões em valor de mercado, isso equivale ao total de outras companhias negociadas na B3, como Minerva, do setor de alimentos, que vale R$ 8,4 bilhões.
Magazine Luiza, também do varejo, foi na contramão, subiu 5,28%, esteve entre as maiores altas do pregão desta quinta-feira, e teve uma valorização de mercado de R$ 1,06 bilhão. Junto com ela, somente mais duas ações do setor fecharam no azul, Lojas Renner (+2,02%) e valorização de mercado de R$ 407 milhões, Arezzo (+0,75%) e valorização de R$ 66 milhões. O setor encolheu R$ 7,7 bilhões nesta quinta-feira, ou 8,88% no geral, segundo Rivero.
A expectativa é que novos dados relacionados à crise da varejista venham à tona nos próximos dias e possam eventualmente lançar luz à situação de outras empresas e segmentos.
O setor de varejo sabidamente tem sofrido com o cenário econômico adverso, com alta de inflação e juros, e algumas empresas estão derrapando em sistemas de entrega bastante focado em e-commerce e de crédito estruturalmente deficiente.
Precedentes de tombos na Bolsa
O tombo de 77,33% das ações não chega a ser comum, mas não está sozinho nem é o maior na história mais recente da Bolsa brasileira, desde 2008.
Segundo estudos da TrapMap, há mais quatro episódios como esse, Agar, Hércules, Mundial e Cemepe.
Empresa | queda | data | setor |
Agar Incorporadora | 81,55% | 06/01/08 | Construção |
Hércules | 78,00% | 22/09/08 | Utens. Domésticos |
Americanas | 77,33% | 12/01/22 | Comércio |
Mundial | 76,38% | 22/07/11 | Siderurgia e Met. |
Cemepe | 72,22% | 28/1008 | Saneamento |
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