O que é o RLP e quais seus impactos para o investidor
O home broker surgiu na década de 90. Sem escritório, terno ou corretor de ações, cada um podia negociar de casa, pelo computador e usando pijama. Junto com…
O home broker surgiu na década de 90. Sem escritório, terno ou corretor de ações, cada um podia negociar de casa, pelo computador e usando pijama. Junto com esse sistema inovador de negociação de ações, o investidor encontrava uma lista de empresas de internet, hoje bilionárias, abrindo o capital. É justamente dessa época que vem o sonho de muitas pessoas de viver de day trade.
Passados quase 30 anos, a mesma corretora que ficou famosa com a revolução do home broker, a Charles Schwab, com nada menos do que 12 milhões de investidores cadastrados, anunciou que iria eliminar a cobrança da taxa de corretagem sobre as negociações de renda variável.
Antes que qualquer um se anime a sacar o smartphone para operar de graça, achando que vai ganhar milhões, vale a pena entender o que mudou ao longo desse tempo.
RLP: o mercado vai subir mais?
A verdade é que existe um certo receio no ar. Durante os anos em que os bancos centrais forneceram ampla liquidez para os mercados, os preços dos ativos não pararam de subir. Isso sempre deixa a dúvida se eles já não chegaram próximo ao limite.
Até o final do ano passado, havia uma expectativa de aumento de juros nos EUA, motivo pelo qual o mês de dezembro mostrou um grande movimento de venda. Mas, passados 10 meses, o cenário mudou.
Hoje, espera-se uma desaceleração econômica como não se via há muito tempo. De acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC), o crescimento global em 2019 será de aproximadamente 1,2%, redução bastante significativa quando comparada com o crescimento de 4,6% de 2017.
Se a economia global não cresce, projetos deixam de ser implementados e ficam esperando sinais econômicos melhores para saírem das gavetas de volta às pranchetas. Sem investimento, os preços das ações têm pouca margem para subir.
Em situações como essas, a “corretagem zero” é como a liquidação da Black Friday. Atrai os que compram por impulso, justamente aqueles que percebem o erro quando chegam em casa.
Existe “almoço grátis”?
Voltando ao caso da Charles Schwab, ela pode se dar ao luxo de cortar as taxas. Pouca gente sabe, mas apenas 7% da sua receita são decorrentes de corretagem. Onde ela ganha dinheiro?
Nos serviços bancários que ela presta, e que exigem muito mais capital, dada a licença necessária para operar no setor bancário. A título de comparação, nas corretoras online comuns, a corretagem é qualquer coisa entre 20% e 25% das receitas.
Até mesmo nas grandes casas bancárias que possuem corretoras, esse modelo de “almoço grátis” é aplicado com algumas ressalvas: são apenas algumas ações e fundos de índice negociados em bolsa (ETFs), não necessariamente produtos para qualquer tipo de investidor.
Fazendo uma analogia com um pacote de balas sortidas, sempre o compramos pelas balas que gostamos, apesar das outras opções contidas dentro dele.
As fintechs resolvem?
A guerra de preços, ou até mesmo a falta dos preços, mostra que os modelos de negócios baseados na internet não conseguem se desvincular da oferta de serviço gratuito.
Diferentemente das corretoras, algumas fintechs atraem “usuários” e não “investidores”. Isso quer dizer que elas são pagas pelas ordens que direcionam a outras empresas de serviços financeiros, nem sempre de acordo com os objetivos de quem baixou o aplicativo e, portanto, é o dono do dinheiro.
Alguns dados de fora servem de exemplo. Para que uma fintech possa se sustentar unicamente da gestão de ativos, ela precisa administrar um mínimo de US$ 11 bilhões. Isso faz com que ela ofereça serviços premium (pagos) para compensar os seus gastos ou se junte a outras instituições financeiras.
Observando essas e outras práticas, faz sentido que outras empresas de serviços complementares, como assessoria e consultoria, sigam pelo mesmo caminho?
O que é o RLP - Retail Liquidity Provider?
O Retail Liquidity Provider (RLP) é o resultado de uma consulta pública, processo onde os participantes (corretoras, bolsa de valores e CVM) fazem sugestões que, uma vez regulamentadas, aprimoram as condições de mercado.
Dito isso, o RLP nada mais é do que um mecanismo para dar mais liquidez às ordens menores, como as dos investidores de varejo. Na prática, ele funciona da seguinte forma: digamos que um investidor quer se desfazer de um lote grande de ações.
Como os compradores só ofertam lotes menores, esse investidor precisa dividir a sua ordem em várias ordens menores. Isso gera o famoso “preço-médio”, onde cada lote é liquidado por um preço diferente.
Com a opção de RLP ativada pelo investidor, uma corretora (ou instituição financeira contratada por ela) fica responsável para atuar como contraparte, colocando uma ordem com um preço igual ou melhor do que está disponível no livro de ofertas naquele momento.
Isso traz 2 benefícios:
- É mais fácil para o investidor liquidar a sua operação;
- O preço de execução é o mais próximo possível do desejado.
Para que uma corretora possa oferecê-lo a seus clientes, ela deve atender a algumas qualificações técnicas. O RLP ainda está em fase de testes, motivo pelo qual só está disponível para minicontratos de dólar e índice, limitados a 15% do volume negociado.
Conclusão
O mercado financeiro é um dos mais dinâmicos do mundo. Por conta disso, investe muito em novos produtos e tecnologia de ponta. O home broker explorou os avanços trazidos pela internet enquanto os aplicativos se beneficiaram do desenvolvimento dos smartphones.
Dessa forma, negociar ativos se tornou uma atividade extremamente acessível. Isso não quer dizer que ela possa ser feita sem nenhum critério. Saber o que se passa na economia global é fundamental para não ser atraído apenas pela oferta de “corretagem zero”.
A verdade é que não existe “almoço grátis”, nem mesmo no ambiente da internet, que vive à base de alguma forma de gratuidade, seja ela implícita ou explícita. Isso é o que mostra o mercado norte-americano, mercado de teste para as startups que, em algum momento, acabam desembarcando aqui.
Nesse contexto, a legislação financeira é mais rígida no Brasil, dado o nosso histórico de crises bancárias. Esse zelo adicional por vezes deixa o país “atrasado” em relação ao que é implementado lá fora. Isso não quer dizer que as autoridades, o mercado e as empresas de tecnologia financeira não estejam atentos para o que pode ser melhorado.
O Retail Liquidity Provider (RLP) é o resultado do trabalho conjunto desses agentes, que viram no livro de ordens dos pequenos investidores uma oportunidade para gerar melhores condições de liquidez e preço.
O RLP em ambiente de testes significa basicamente 2 coisas:
- Ele será aprimorado, com base no que for observado na prática;
- Ele será disseminado para outros mercados, tornando-se uma tecnologia padrão.
Para entender o impacto disso para o investidor, vale prestar a atenção ao que disse uma vez um ex-operador de pregão da bolsa de Nova Iorque, hoje com US$ 138 bilhões em ativos sob a sua gestão:
“Quase sempre existe um bom caminho que você ainda não descobriu. Procure até encontrar, em vez de se contentar com a escolha que está diante dos seus olhos no momento.”
Ray Dalio