O pêndulo e a economia: movimentos se alternam a cada década de uma extremidade a outra
Após a covid-19, a dinâmica econômica se alterou. A inflação veio mais alta e muito mais resistente, por uma série de razões além dos estímulos monetários e fiscais
Excessos não são saudáveis e isso não poderia ser diferente na economia. Costuma-se dizer que ela funciona como um pêndulo. Ao ser deslocada para uma das extremidades, é muito provável que volte para a outra.
Usando esse raciocínio, alguns economistas afirmam que a próxima década será o extremo oposto do início da década anterior. Para quem não se lembra daquela época, foi com os juros ultrabaixos, implementados logo após a crise de 2008, que o mundo se alavancou.
Explosão da dívida
A título de exemplo, nos EUA, o mercado de dívida corporativa mais do que dobrou, enquanto que na Europa cresceu acima de 40%. O crescimento global foi às custas de um maior endividamento, permitindo que empresas com vários níveis de rating pudessem tomar crédito.
Com os recursos levantados, tinham liberdade para investir, recomprar ações ou até mesmo distribuir dividendos mais polpudos, independentemente de quanto efetivamente lucravam. Governos e pessoas de certo modo faziam o mesmo, conforme os ativos se valorizavam mundo afora.
No início de 2019, muitos alegavam que tudo já estava caro demais em termos de oportunidades de investimento, até que a covid-19 foi identificada na China.
Níveis de inflação mais altos
Passados os lockdowns desordenados e a falta de cooperação internacional para contornar a crise, observa-se que a dinâmica econômica se alterou. A inflação veio mais alta e muito mais resistente, por uma série de razões além dos estímulos monetários e fiscais.
Reversão da globalização
O primeiro elemento estrutural para essa mudança é a reversão da globalização. A política industrial implementada em vários países, com o intuito de garantir a autossuficiência, não necessariamente representa um ganho de escala, apenas uma redundância maior.
Dados de 2021 já apontavam para uma queda do investimento estrangeiro no mundo, de 5,3% do PIB global em 2007 para 2,3%. Com muitos produzindo apenas para si próprios, é bem provável que não haja mais investimento “estrangeiro”, apenas investimento “estratégico”, com ou sem um país parceiro/aliado.
O custo da transição energética
O segundo fator a alimentar a inflação é a própria transição energética, que exige altos investimentos. Para se eletrificar a economia moderna, a infraestrutura atual precisará não só um upgrade para suportar a carga adicional, mas também de tecnologias inteligentes para fazer tudo funcionar da forma mais harmoniosa possível.
Agentes privados do setor de energia, por sua vez, já colocam na conta o preço da imprevisibilidade. É fato que obter uma licença para se operar uma usina é um processo longo e, nesse ínterim, os custos de materiais e de financiamento podem subir substancialmente.
Salários e imigração
Por fim, existe a questão imigratória, que não necessariamente precisa de uma nova guerra para ganhar os holofotes. Caso os governos passem a sofrer uma pressão maior para barrar a entrada de imigrantes, sejam eles refugiados ou não, o custo de mão de obra, principalmente em sociedades mais “velhas”, será evidentemente maior.
Envelhecimento global
Ainda que a pandemia tenha cobrado o seu preço em termos de vidas, desde o início do século que a taxa de filhos/mulher no mundo vem caindo de 2,7 para 2,3, já muito próxima da taxa de reposição de 2,1.
Estados Unidos, China e Índia inclusive compartilham de uma estatística comum: todos já apresentam valores inferiores à taxa de reposição. Dito isso, os idosos, como percentual representativo da população, não são mais uma exclusividade do Japão, haja vista que o mesmo pode ser observado em países relativamente jovens, como o Brasil.
Desconsiderando a África, a população mundial deve atingir o pico em meados de 2050. As consequências representam novos desafios, com menos jovens para produzir e arcar com o sistema de aposentadorias.
Uma questão matemática
Essa matemática desfavorável tende a gerar impostos mais altos e a levar as pessoas a trabalharem por mais tempo sem ao menos garantir um mínimo de controle sobre as contas públicas. Entretanto, pouco se fala de outros fatores, não menos importantes.
O primeiro deles diz respeito à queda na produtividade. Pessoas mais jovens são mais propensas a pensarem de forma criativa e a inovarem com mais frequência. Alguns números inclusive apontam que as patentes mais revolucionárias são as de inventores com menos idade.
Além disso, populações mais idosas tendem a se beneficiar do status quo, abrindo mão de mudanças que poderiam gerar mais crescimento.
A fórmula implacável
Mas, o mais importante em termos econômicos ainda não foi totalmente assimilado.
Em uma população que envelhece, ou pior, encolhe, pode ocorrer o seguinte cenário: tomadores de crédito podem ter o seu passivo (dívida) crescendo a uma velocidade superior à remuneração do seu ativo, seja ele na forma de imposto (governo), receita (empresa) ou salário (pessoa).
A fórmula para ilustrá-lo até existe: j > c, onde os “juros” seriam superiores ao “crescimento”, ainda que ela não tenha sido observada na década passada. No que diz respeito à economia global, desde a crise de 2008 que o crescimento do PIB superou a taxa de juros.
Todavia, olhando pra frente, gastos do passado tornaram a inflação mais resistente aos juros altos e, no longo prazo, o juro real (acima da inflação) tende a ser maior.
Conclusão
Para qualquer um que queira entender como será a próxima década, basta olhar para o Japão.
Ao longo dos anos 80, o país cresceu a um ritmo acelerado por conta do seu setor exportador. Crédito barato e a desregulamentação financeira alimentaram a super valorização dos ativos e dos imóveis japoneses.
Dez anos depois, a bolha estourou. Voltando a fórmula citada anteriormente (j > c), o passivo continuou existindo, com as dívidas que precisavam ser honradas, mas os ativos foram perdendo valor, conforme eram colocados à venda.
Depois de alguns experimentos macroeconômicos, chegou-se ao modelo implementado por Shinzo Abe, baseado em 3 pontos: uma política monetária expansionista, sob a responsabilidade do banco central japonês, uma política fiscal mais flexível, inclusive com o mandato para conter os gastos, além de reformas para alavancar a produtividade.
Diante de todos os elementos apontados, percebe-se que nenhum deles será capaz de levar o pêndulo para o lado certo.