Mercado Financeiro

O investidor-fã e o mundo das startups

Para o investidor-fã, mais importante que a análise técnica ou fundamentalista, é acreditar e admirar a empresa de onde está comprando ações

Data de publicação:03/08/2021 às 05:00 - Atualizado 3 anos atrás
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Algo bastante comum no mundo das finanças é o “investidor-fã”, ou seja, aquele que investe porque gosta dos produtos ou serviços que uma empresa oferece. Para ele, mais importante que a análise fundamentalista ou técnica, a crença de que está fazendo um bom negócio simplesmente adquirindo ações de um negócio que admira. 

Companhias abertas como Apple e Facebook alcançaram valores de mercado astronômicos muito por conta dessa mentalidade. Conforme mais usuários se encantavam com a tecnologia e as novas funcionalidades, mais investidores individuais apostavam nos seus papéis, independentemente dos efeitos da globalização ou dos impactos da política monetária (juros) nos preços dos ativos.

Foto: Envato

Olhando mais recentemente para o mundo das startups, é possível perceber uma lógica semelhante?

Robinhood

A abertura de capital (IPO) da corretora Robinhood na Nasdaq no dia 29 de julho é um bom exemplo. Não faria sentido uma empresa que promete acesso fácil ao mundo dos investimentos não oferecer as suas próprias ações aos seus usuários. 

Diferentemente da prática utilizada pelos bancos de investimento, que preenchem os pedidos de reserva de acordo com a capacidade financeira dos investidores institucionais (fundos, seguradoras e family offices) contatados durante o roadshow, nesse caso optou-se por dar a mesma oportunidade a todos.

Para participar, bastava assistir à apresentação de 40 minutos colocada no ar em pleno sábado e reservar a quantidade mínima de uma ação. Entre os principais atrativos, investir em uma fintech avaliada em US$ 32 bilhões e que cresceu exponencialmente no início do ano passado, quando as pessoas se viram em casa, recebendo auxílio do Tio Sam. 

Como podia se imaginar, a expectativa era grande mas, no dia de sua estreia, o preço das ações caiu 8,4%. 

Fluxo de ordens

A grande sacada dos fundadores foi perceber que a gratuidade na negociação de ações era possível desde que a corretora recebesse pelas ordens que direcionava aos market makers que operam via algoritmos de alta frequência.

O resultado não poderia ter sido outro: metade das contas de investimento abertas nos últimos 6 anos eram junto à Robinhood, o que lhe trouxe ao centro dos acontecimentos com o caso GameStop

Responsável por boa parte do fluxo de ordens dos investidores de varejo ativos em fóruns de discussão na internet, a corretora se viu forçada a suspender os negócios quando foi incapaz de manter as atividades no curto período de tempo em que dinheiro e ações trocam de mãos (o que o mercado descreve como D+2).

Indignados, muitos partiram para alternativas mais arriscadas como derivativos e criptomoedas, justamente aquelas pelas quais a startup recebe as maiores margens. Tudo em prol da oportunidade de se investir, como defende um de seus fundadores.

Porém, como uma pessoa comum faz isso é o que tem causado tanta polêmica. É fato que a corretora continuou abrindo novas contas, chamando a atenção dos reguladores.

Regulamentação

Um dos riscos que os investidores de um modo geral desconhecem.

A China ganhou as manchetes depois que proibiu o IPO de uma das empresas de Jack Ma, impôs leis antitruste às gigantes de internet locais (Alibaba e Tencent) e “jogou areia” nos negócios da Didi logo após a sua listagem nos EUA. 

O seu mais recente alvo é um setor inteiro: novas startups de ensino à distância não podem abrir o capital, ter investidores estrangeiros ou gerar lucro após a vigência das novas normas do governo chinês.

As que estavam em um estágio mais avançado perderam mais de 60% do seu valor de mercado, arrastando outras empresas de tecnologia listadas na Nasdaq e evidenciando o risco regulatório ao qual todas as empresas inovadoras estão expostas. 

Constatado o “balde de água fria” no empreendedorismo chinês, é fato que as autoridades locais querem que as suas empresas mais promissoras permaneçam sob o seu controle, excluindo todos os demais investidores.

Unicórnio

Talvez o caso mais extremo seja o da Nigéria. Local que já há algum tempo possui fintechs que oferecem contas digitais e pagamentos via celular, o país acabou de ganhar o seu próprio unicórnio (Interswitch, uma processadora de pagamentos).

O curioso é que ali 95% das transações financeiras são feitas em espécie. Não bastasse isso, a infraestrutura de energia e telecomunicações é bastante precária. É nesse ambiente hostil que muitas se arriscam, em uma região do mundo onde 40% da população recebe menos de US$ 1,90 por dia.   

Os órgãos do governo são pouco aparelhados para regular o setor. Na dúvida, vetam outros modelos de negócios como os empréstimos online e as plataformas de negociação de ações estrangeiras. Recentemente, o banco central local proibiu a negociação de criptomoedas, dando pouca margem de manobra para que as pessoas possam se proteger da desvalorização cambial e de uma inflação que já alcança 18%.

Dito isso, percebe-se que os altos valores se baseiam praticamente no tamanho da população nigeriana (quase 200 milhões) e na possível expansão no resto do continente africano. Tal como no caso das empresas chinesas, basta que um punhado delas encontre dificuldades para que todo um ecossistema vá pelos ares.

Conclusão

É difícil imaginar o dia-a-dia sem a conveniência e a praticidade da tecnologia. Muito do que fazemos hoje é fruto de ideias que se somaram ao longo das décadas e que propiciaram o crescimento de empresas revolucionárias e altamente lucrativas.

Porém, investir em uma companhia apenas por preferência pessoal está longe de ser uma estratégia vencedora, como evidenciam os casos apresentados. Uma corretora que oferece a negociação gratuita de ações não tornará ninguém milionário, por mais que o seu crescente número de usuários acredite o contrário.

A verdade é que até mesmo empresas que já ganharam porte e se listaram no exterior estão expostas à mão forte do Estado, seja por orientação ideológica, desejo de maior controle ou até mesmo falta de conhecimento.

Conclui-se que nos dias de hoje, a empolgação com as empresas de tecnologia pode ocorrer até nos locais mais inusitados. Nessas situações, o melhor mesmo é voltar no tempo. Qualquer um com um pouco mais de “bagagem” com certeza conhece essa frase:  

“Caveat emptor.”

Do latim, que significa “tome cuidado, comprador.”

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.