Economia

Índice de normalidade: o que é e como ele afeta seus investimentos

Emergentes terão de conviver com inflação em alta no pós-pandemia e terão de aumentar os juros

Data de publicação:06/07/2021 às 05:00 - Atualizado 3 anos atrás
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O mercado financeiro gira em torno de índices.  Desde os “oficiais” (índice de desemprego, índice de inflação, etc.) até os criados por entidades privadas (bancos e consultorias), eles têm por finalidade mostrar a evolução de determinados segmentos da economia ao longo do tempo.

Levando-se em conta o caos que se instalou desde que a pandemia se espalhou para os quatro cantos do planeta, a revista inglesa The Economist se propôs a fazer o seguinte exercício: elaborar um índice que refletisse o quanto o mundo está em relação ao final de 2019, quando o novo coronavírus foi identificado na China. 

Índice de normalidade considera deslocamento, entretenimento e atividades econômicas

Para construir o “índice de normalidade”, a publicação se baseou em 3 elementos: deslocamento, entretenimento e, por fim, atividade em lojas e escritórios.  Como esperado, cada um apresentou resultados distintos mas, de acordo com a criadora do índice Big Mac, metade do caminho de volta já foi percorrido. 

Apesar do maior movimento nos aeroportos e nas estradas, as pessoas passaram a ficar mais tempo em casa, seja para se divertir ou para trabalhar.  Dito isso, pode-se dizer que a economia global conviverá com o velho e o novo, ao mesmo tempo.  

O velho

Economias emergentes debelando a inflação.  Essa é a realidade de países como o México e o Brasil, por exemplo.  Ambos já elevaram as suas taxas de juros para 4,25% ao ano em 2021.

Apesar de considerarem a alta nos preços como temporária, o passado impede qualquer sinal de complacência.  Ainda que baixo para padrões históricos, no pós-pandemia, esse patamar de juros é representativo quando comparado com o resto do mundo.

Para esse grupo de países, não há tanta margem de manobra, dada a combinação de alto endividamento público e baixos níveis de poupança doméstica.  Portanto, ao se atuar na política monetária (juros), alcança-se uma valorização do câmbio, o que auxilia no combate da inflação.  

Carry trade

Esquecido durante algum tempo, eis que o carry trade ressurge.  Essa operação nada mais é do que o endividamento em uma moeda, pagando-se uma taxa de juros mais baixa, para se aplicar em outra, lucrando com a diferença entre as taxas.  Olhando para trás, é fácil de se lembrar da época em que o Brasil era o destino favorito para se fazer isso.

Porém, a alteração em um trecho de uma ata do COPOM não é suficiente para que os recursos que hoje estão fora entrem em massa no país.  Em um cenário ideal, a curva de juros, representada pelo custo do dinheiro ao longo do tempo, também deve estar mais inclinada. 

Isso quer dizer novos aumentos de juros à vista, o que reduz as chances de um carry trade dar errado, como quando a moeda se desvaloriza pouco tempo depois, eliminando todo o ganho.  No caso do Brasil especificamente, o fato da reforma tributária definir uma tributação única para os investimentos em renda fixa, independentemente do prazo, favorece esse tipo de estratégia.   

Considerando o contexto dos países emergentes, a verdade é que nenhum deles pode se dar ao luxo de estimular a economia indeterminadamente.  Basta que um país comece para que os demais acompanhem. 

Startup

Se a arbitragem entre taxas de juros parece algo que só a geração anterior vivenciou, o velho também está na inovação, por mais contraditório que isso possa parecer.  O fato de uma famosa gestora de private equity da década de 90 (GP Investments) estar financiando startups mostra muito bem o que diz o “índice de normalidade” da The Economist.   

Replicando o mesmo modelo de sempre (comprar, reestruturar e vender), a casa agora busca empresas de tecnologia, mas com uma conduta diferente.  Se antes fazia questão de deter o controle nas investidas, de forma a impor o seu modelo de gestão, agora ela reduz o seu risco nesses empreendimentos, comprando participações menores.

Conclui-se que a filosofia permanece a mesma: investir em negócios que se tornarão valiosos ativos em uma carteira.  Apesar de suas posições na Coinbase e no Mercado Bitcoin, a gestora se recusa a investir em criptomoedas.  Dito de outra forma, ela “vende picaretas para quem quer garimpar”. 

Isso nos leva ao próximo ponto.

O novo

A digitalização, cada vez mais presente na economia, é uma realidade sem volta.  Porém, ela justificaria a ausência dos participantes que hoje garantem, de uma forma ou de outra, o bom funcionamento do mercado financeiro?

As finanças descentralizadas, plataformas mais conhecidas como DeFi, funcionam também a partir da revolucionária tecnologia do blockchain.  Por meio dela, qualquer pessoa poderia deter e negociar diretamente ativos, contratos de financiamento ou cotas de fundos. 

Esse modelo não deixa de ter o seu apelo.  Em vez de se arbitrar preços e taxas, economizar com as tarifas normalmente cobradas pelos intermediários, gerando um efeito semelhante ao causado pela corretora Robinhood.  Os contratos inteligentes (smart contracts) se encarregariam de formalizar as operações, evitando erros nas contratações entre as partes.

Uma plataforma DeFi também se apresenta como solução para outras limitações do sistema tradicional como a necessidade de uma clearing, o acesso restrito, a ineficiência operacional e a dificuldade de se integrar sistemas que “não conversam” entre si.  Entretanto, ela não é desenvolvida o suficiente para evitar fraudes e ataques cibernéticos.

Nesse ínterim, espera-se que parte da tecnologia seja adotada no que já existe.

Conclusão

A pandemia mudou o mundo.  Isso sugere uma volta à normalidade um pouco diferente. 

No que diz respeito ao que já se conhece, juros mais altos nas economias emergentes e o retorno de operações como a arbitragem entre taxas.

Em relação ao desconhecido, cautela na busca por boas oportunidades, mesmo para os setores mais inovadores.  A verdade é que os fundos de venture capital não contam mais com a abundância de recursos de antes, visto que muitas ideias promissoras sucumbiram diante da nova realidade.

Enquanto se navega nesse admirável mundo novo, o ideal é se familiarizar com um outro jeito de se fazer as coisas, lembrando que algo sempre pode dar errado antes de dar certo:

“A coisa nunca é uma linha reta, sempre tem altos e baixos. O importante é aprender com as dificuldades e sempre ver nas dificuldades uma oportunidade.”

Jorge Paulo Lemann

Fundador da GP Investments

*Este artigo não expressa necessariamente a opinião do portal Mais Retorno

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.