Ibovespa chega ao menor nível do ano; entenda o que levou o índice a cair tanto depois de bater o recorde em junho
Ibovespa já caiu mais de 20% desde o recorde de 130.776 pontos em junho, com cenários econômico, fiscal e polític no radar do mercado
Desde o último dia 7 de junho, quando o Ibovespa registrou o maior nível da história, aos 130.776 pontos, o principal índice da Bolsa de Valores brasileira, a B3, engatou em movimento de forte queda. No último pregão de outubro (sexta-feira, 29), o índice fechou aos 103.501 pontos, o piso do ano. Até aqui, a desvalorização do Ibovespa desde o recorde alcançado em junho ultrapassa os 20%.
São vários os motivos para essa queda tão acentuada, velhos conhecidos do mercado brasileiro. A inflação, que por muito tempo o Banco Central (BC) classificou como transitória, permanece em movimento acelerado e, como consequência, os juros estão subindo e devem chegar ao maior nível desde a crise política que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, quando a Selic chegou a 14,25% ao ano.
Somam-se a este cenário de inflação e juros em alta - decorrente, em grande parte, pelos problemas de oferta e demanda trazidos pela pandemia de covid-19 - a crescente percepção de risco fiscal no Brasil, além dos embates políticos e institucionais entre os três poderes, que se intensificaram, sobretudo, em setembro, com as manifestações antidemocráticas do presidente Jair Bolsonaro.
Não bastasse esse quadro interno deteriorado, fontes de tensão no exterior também ajudaram a derreter o Ibovespa no decorrer desses quatro meses. Entre elas se destacam a crise financeira da Evergrande, gigante do setor imobiliário chinês, e a alta da inflação global, principalmente nos Estados Unidos, reduzindo as perspectivas de crescimento para a economia global.
Ao mesmo tempo, parece cada vez mais próximo o momento em que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deve retirar os estímulos monetários dados para fazer a economia dos EUA girar durante a pandemia. No radar dos investidores, há, também, expectativas em relação a quando a taxa de juros deve começar a subir lá nos EUA.
Inflação
A inflação no Brasil permanece em curva ascendente, e a cada dado divulgado aumenta a frustração do mercado. Na última terça-feira, 26, por exemplo, o IPCA-15 de outubro, prévia oficial da inflação do mês, avançou 1,20%, ante as expectativas de alta de 1,00% dos analistas.
Grande parte da composição da inflação fica por conta dos preços administrados. Ou seja, aqueles bens e serviços que têm os seus preços determinados por contratos, como é o caso das commodities e da energia elétrica.
O valor do petróleo nos mercados internacionais vive um período de forte valorização, uma vez que a demanda pelo produto vem aumentando no mundo inteiro, com a volta das atividades cotidianas pelo avanço da vacinação e o fim das medidas restritivas de circulação. Isso acontece ao mesmo tempo em que a oferta da commodity não acompanha a alta na demanda, devido aos gargalos na produção deixados pela pandemia.
Comportamento que respinga também no mercado interno e inchando os níveis de inflação.
O preço da energia elétrica também contribui para o aumento da inflação. O agravamento da crise hídrica, principalmente durante o pior período do inverno de 2021, entre julho e agosto, resultaram em alta das tarifas de água e luz também foram reajustadas para cima, com a criação da nova bandeira tarifária para representar o estado de emergência.
Ao lado dos preços administrados, os preços livres, como os de serviços em restaurantes e salões de beleza, por exemplo, também estão em trajetória de alta. Reflexo do fim das medidas restritivas e o consequente aumento da demanda.
Juros altos e crescimento econômico
Para tentar desacelerar a inflação dos preços livres, o Banco Central utiliza a alta dos juros como ferramenta de política monetária. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na quarta-feira, 27, o colegiado elevou a Selic em 1,5 ponto percentual, a 7,75% ao ano, e já sinalizou um aumento na mesma magnitude para o próximo e último encontro do colegiado este ano.
Embora não haja convergência entre as projeções de analistas do mercado e opiniões sobre até quando vai durar o ciclo de aperto monetário, há unanimidade na Selic de dois dígitos no ano que vem. O remédio é amargo e pode ter sérios efeitos colaterais, o pior deles é a redução do crescimento econômico do País.
A inflação por si só já é suficiente para derrubar a economia, uma vez que a escalada de preços corrói a renda da população. No entanto, com os juros subindo, levantar crédito e financiamento também se torna mais caro, o que breca o ritmo de produção e também do consumo. Com menos dinheiro girando na economia, há um encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
As perspectivas negativas afetam diretamente as empresas e suas ações que são negociadas na Bolsa. Principalmente as companhias de setores como varejo e construção civil, que dependem diretamente do poder de compra do consumidor. Dessa forma, outros ativos, que ofereçam uma relação entre risco e retorno melhor, tendem a ganhar a preferência dos investidores.
Risco fiscal
Os gastos do governo, já bastante pressionados pelos programas adotados durante a pandemia, devem subir ainda mais com a implementação de novos benefícios sociais. Essa ameaça de estouro do orçamento foi agravado pelo anúncio de que o Auxílio Brasil, programa que substitui o Bolsa Família, deve pagar parcelas de, no mínimo, R$ 400 para as famílias beneficiárias.
Para acomodar estes novos gastos, o governo depende da aprovação da PEC dos Precatórios. A medida propões duas principais mudanças. A primeira delas é o adiamento do pagamento das dívidas do governo para com pessoas físicas e empresas, previstas para 2022. A segunda, e mais controversa, é a reformulação do teto de gastos para o ano que vem.
Caso o Congresso aprove a PEC, o governo terá um espaço extra de pouco mais de R$ 91 bilhões em seu orçamento para implementar os programas sociais. Ao mesmo tempo, com a aprovação dos novos benefícios sociais, a quantidade de dinheiro em circulação aumenta. Receita perfeita para o aumento da inflação.
A votação para a PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados já foi adiada três vezes e a previsão é que aconteça nesta quarta-feira, 03. Bolsonaro já afirmou, no entanto, que tem um "plano B" caso a medida seja rejeitada - ou não seja votada a tempo.