Esta é a hora da rotação das carteiras de investimentos?
Algumas vacinas têm se destacado pelo seu alto índice de eficiência no combate ao coronavírus, despontando como soluções para a pandemia e os seus efeitos econômicos…
Algumas vacinas têm se destacado pelo seu alto índice de eficiência no combate ao coronavírus, despontando como soluções para a pandemia e os seus efeitos econômicos adversos.
Com grandes chances de o crescimento mundial ocorrer de forma mais ordenada daqui pra frente, será que chegou a hora de se fazer “trocas” dentro das carteiras de ações, vendendo o que se valorizou bastante para comprar o que ainda vai se recuperar? Essa não é uma dúvida apenas dos investidores brasileiros que migraram em massa para o mercado de ações.
Ao longo de 2020, todas as bolsas do mundo tiveram a sua performance dividida entre as companhias que desempenharam bem enquanto as pessoas estavam em casa (“stay at home trade”) e as demais, que dependiam da normalização da atividade econômica (“recovery trade”). Não por acaso, surgiu uma nova letra para descrever visualmente essa discrepância (a letra “K”).
Isso trouxe uma discussão que promete ainda gerar muita polêmica: onde vale mais a pena investir? Empresas de alto crescimento ou empresas de valor, mais tradicionais e cujos fluxos futuros são mais previsíveis?
Uma volta à normalidade pode ser justamente o gatilho para que os preços se ajustem, retornando à média esperada.
Riscos
Uma verdade incontestável é que o mercado não gosta de incertezas. Apesar da primeira ter sido eliminada com o resultado das eleições norte-americanas, outras ainda permanecem:
- A disponibilidade de uma ou mais vacinas (prazo, quantidade, custo);
- O orçamento público brasileiro de 2021.
Isso em um quadro onde os negócios de natureza digital se encontram em múltiplos elevadíssimos.
Eles ainda se justificariam se as discussões em Brasília trouxerem mais turbulências do que o imaginado? Não seria melhor proteger parte da carteira optando por empresas de alimentos ou de energia? Afinal, muitas delas digitalizaram parte de suas atividades, mesmo que não estejam diretamente ligadas ao setor de tecnologia.
Um outro argumento a favor é o fato desses setores responderem rapidamente a qualquer retomada econômica. Ao já se deter certa exposição, ganha-se com qualquer valorização que possa ocorrer se o Brasil “evitar o precipício”.
Intangíveis
O “value investing”, usado para identificar empresas com bons ativos e preços descontados, ainda é válido em um mundo onde as empresas ganham dinheiro apenas com suas ideias?
Na década de 1930, os negócios eram muito diferentes do que são hoje. O valor de uma companhia era composto pela combinação de:
- Seus ativos;
- Seus fluxos de caixa futuros;
- Seu desempenho histórico.
Dito de outra forma, se Warren Buffett tivesse começado a investir hoje, teria alcançado resultados tão notáveis ao longo do tempo?
Alguns dizem que isso é muito improvável. O motivo não é difícil de entender: quase 30% de tudo o que as empresas investem é considerado intangível, visto tratar-se do uso inteligente dos dados que coletam e que subsidiam uma série de pesquisas quantitativas e qualitativas. Em termos contábeis, considerando as normas internacionais, isso é lançado como uma despesa. Ao contrário do investimento, ela não gera um “ativo” no futuro.
No entanto, nos negócios da “nova economia”, é justamente isso que agrega valor a um negócio. Percebe-se que não é mais o caso de quantos ativos físicos (instalações fabris, prédios corporativos ou centros de distribuição) uma companhia detém.
Em um mundo onde as cadeias globais de valor se especializam em um determinado setor, não há mais sentido para as empresas em possuírem infraestrutura própria. Usando o mercado de produtos de consumo como exemplo, o design de um smartphone (seu aspecto intangível) determina muito mais o seu preço do que a mera soma de seus componentes.
Novos usos
A forma como um intangível é usado também entra nessa avaliação. Diferentemente dos ativos físicos, de uso exclusivo de quem os possui, um intangível está disponível para um grupo mais amplo de pessoas, promovendo o chamado “winner takes all” (quanto maior o uso, maiores as chances de se tornar a tecnologia predominante), pelo qual as empresas de internet são tão conhecidas.
Uma vez que esses intangíveis podem ser misturados e combinados das formas mais criativas possíveis, o resultado final sempre agrega valor à sociedade. O problema é como mensurar esse ganho corretamente. É fato que novas empresas exigem novos métodos de avaliação. A forma como determinadas contas (desenvolvimento de software, por exemplo) são classificadas impacta nos números apresentados nas demonstrações contábeis.
Dado que é bastante comum que uma empresa intensiva em tecnologia passe por vários processos de fusão e aquisição até que se torne uma companhia aberta, essas diferenças só tendem a aumentar, dificultando o trabalho de se encontrar o seu verdadeiro valor.
Spin-off
As fintechs, por mais disruptivas que sejam, são realmente uma ameaça aos grandes bancos? Tal como em outros setores, as instituições financeiras fomentam startups promissoras já há algum tempo.
O problema é que foram impactadas com regulamentações que surgiram por conta das incertezas da pandemia, como as regras mais rígidas para provisões e a impossibilidade de distribuir dividendos (o Conselho Monetário Nacional proibiu a distribuição de dividendos acima dos 25% permitidos pela Lei das SA).
Regras bancárias são um tanto padronizadas (fruto das medidas adotadas depois da crise de 2008), independentemente de quão concentrado é o setor. Dito isso, ações de grandes bancos não são detidas apenas por pessoas físicas, mas também por fundos de pensão e de previdência para prover renda aos que já se aposentaram.
Havendo a interrupção do recebimento dos dividendos, essas entidades são obrigadas a vender suas ações (para honrar os pagamentos mensais) no exato momento em que o mercado mais as penaliza. Isso deixa em segundo plano as inúmeras iniciativas internas dedicadas à tecnologia, cujo valor, pelas dificuldades já mencionadas, não está refletido nos preços das ações.
Evidenciar essa diferença é justamente o objetivo de um spin-off, onde uma atividade dentro do banco se transforma em uma nova empresa, totalmente independente. Nesse tipo de operação, os acionistas “ganham” ações dessa nova entidade, mais dinâmica, podendo então negociá-las livremente em bolsa.
As possibilidades não se limitam ao setor bancário.
Basta que o investidor contemple as novas tendências: o mercado ESG e os mecanismos atrelados a ele como a negociação de créditos de carbono. A forma como a regulamentação será implementada determinará as novas riquezas a serem “garimpadas” entre as produtoras de energia renovável e as exportadoras de celulose, citando apenas alguns exemplos.
Conclusão
A melhor forma de se fazer uma rotação de carteiras é aos poucos. A grande dificuldade do pequeno investidor é se livrar do comportamento “binário”, onde ele aloca 100% em um único ativo ou toma um prejuízo e se desfaz de todas as suas posições.
Isso faz com que ele sempre esteja “atrasado”, entrando em uma rota de valorização apenas depois de quem já estava posicionado e auferiu os maiores ganhos. Para acertar na estratégia, é preciso um mínimo de conhecimento e bom senso.
É verdade que o ambiente de negócios mudou bastante e que avaliar uma empresa de internet requer uma metodologia diferente daquela utilizada para uma fabricante de bebidas. Ainda assim, alguém ficaria confiante em investir em “Magalu”, por exemplo, sabendo que ela negocia ao preço de 170 vezes o seu lucro esperado para 2021 (P/L), quando a média não ultrapassa 54 vezes?
Empresas mais tradicionais e com pouco crescimento podem muito bem conviver com as empresas de tecnologia dentro de uma carteira de ações pois o mundo caminha justamente nessa direção. Quem não estava diretamente ligado ao ecossistema da internet não pode mais se dar ao luxo de permanecer totalmente à margem dele.
Muito mais do que uma mera estratégia de sobrevivência, o que as empresas visam é gerar riqueza a partir daquilo que já possuem, algo mais vantajoso do que apenas pagar um alto valor por um negócio já consolidado. O spin-off é a evidência do chamado “valor oculto” dentro das organizações de pouco apelo entre os investidores mais jovens.
Mesmo que o value investing tenha levantado dúvidas sobre a sua adequação para essa nova realidade, um fato permanece o mesmo: o investimento em ações é para o longo prazo. Os melhores gestores de fundos estão atentos ao avanço das vacinas. Todos deveriam fazer o mesmo:
“Nunca invista em um negócio que você não entende.”
Warren Buffett