‘ESG não é filantropia, é a forma de ganhar mais dinheiro, com menos risco’, diz Fabio Alperowitch
O conceito é ainda mal compreendido por empresas, gestoras e investidores, mas ESG avança no País
O gestor Fabio Alperowitch, cofundador da Fama Investimentos, hoje uma das principais autoridades nas temáticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) do País, diz que o movimento que valoriza impacto das empresas no Brasil foi entendido de forma errada, como filantropia. "As pessoas ainda não perceberam que essa é a forma de ganhar ainda mais dinheiro, porém correndo menos risco", afirma ele.
Alperowtich critica o uso indiscriminado e marqueteiro do ESG por empresas e pelo mercado financeiro que, até há bem pouco tempo menosprezava os valores apregoadas pela sigla. E também a falta de posicionamento dos gestores sobre esse universo.
"O mercado fala muito de ESG, mas tem pouca prática e muito pouco compromisso", diz ele, para quem o baixo nível de conhecimento do investidor sobre o tema também facilita essas distorções.
Apesar das críticas, o especialista diz já identificar iniciativas autênticas de ESG, como é o caso da Magalu e da Natura. Ao mesmo tempo, questiona como uma das 'queridinhas da Bolsa', a Vale, não conseguiu cuidar de critérios básicos como segurança de seus funcionários e comunidades onde atua.
"A Vale precisa resolver a questão da segurança no trabalho para se tornar, de fato, aderente às práticas ESG", afirma.
Mais Retorno: Por que o critério ESG ganhou relevância no mundo empresarial?
Fabio Alperowitch: Uma sucessão de fatos propiciou esse movimento. O ESG está relativamente maduro e avançado na Europa há algum tempo. Nos Estados Unidos, até bem pouco tempo atrás, o conceito ainda não estava muito desenvolvido. Com a eleição do ex-presidente Donald Trump, em 2016, em cima de um discurso muito anti-ESG, os investidores que se ligavam nessas questões passaram a querer ser mais vocais e menos discretos, defendendo esses valores. A partir de 2017, com o fortalecimento do ESG nos Estados Unidos, os europeus enxergaram nisso uma oportunidade de fazer mais barulho sobre o assunto, tornando o conceito mais relevante. A mídia também ajudou e o negócio começou a escalar.
MR: Como e quando o ESG chegou ao País
F.A.: No ano seguinte, em 2018, os primeiros sinais da disseminação do ESG começaram a surgir no Brasil, com o País vivendo um processo semelhante ao do país americano. A eleição do presidente Jair Bolsonaro veio com a mesma tônica da eleição de Trump, na qual os aspectos ambientais eram muito difíceis. O fato de os brasileiros terem eleito um governo que é uma antítese do ESG gerou um efeito contrário, porque começou a fortalecer suas práticas, com a mídia trazendo um pouco desse contraponto. Os assuntos ambientais, por exemplo, a sustentabilidade, não faziam parte da pauta mainstream até então. O acidente com a barragem na cidade de Mariana (MG) trouxe luz ao assunto, mas foi somente um evento, e não um debate contínuo.
MR: E qual foi a evolução no País?
F.A.: Em 2019, mais três eventos relevantes colocaram o assunto em destaque. Um deles foi o acidente em Brumadinho, que trouxe muito forte essa questão do ESG. A Vale é uma empresa que é considerada um símbolo no Brasil. Como uma empresa que ocupa uma posição dessas, é uma das mais importantes da Bolsa brasileira, causa tudo aquilo? Isso só aumentou o combustível do debate sobre o assunto. Depois vieram as queimadas da Amazônia, que bateram recordes, e em seguida o vazamento de óleo no Nordeste, trazendo luz às questões ambientais.
MR: 2020 colocou o assunto na pauta da sociedade?
F.A.: Foi mesmo em 2020 que o assunto esquentou de fato, com o Fórum Econômico de Davos, que, naquele ano, apontou vários riscos mundiais, sendo todos ambientais. A carta do presidente da Black Rock, Larry Fink – que todo mundo coloca como o estopim do ESG, mas isso não é verdadeiro, pois ele já falava do assunto anteriormente – encontrou esse contexto e o ESG explodiu no mundo. Um mês depois veio a pandemia da covid-19, as empresas passaram a rediscutir seus papéis na sociedade, questionando se elas só tinham que vender produtos ou serviço, mas também olhar os colaboradores e a comunidade. Após o assunto sair um pouco da atenção, o ESG passou a dominar totalmente a pauta do mercado.
MR: O ESG é uma onda? Estão querendo surfar nela?
F.A.: O ESG não tem nada de novo, eu sou prova disso, pois sou praticamente ESG há 28 anos. Existem fundos ESG desde a década de 1960 na Europa – eles só não tinham esse nome, mas a prática é a mesma. Se entendermos ESG como algo novo, isso pode dar a percepção para as pessoas de que isso é apenas uma moda que vai passar, e por isso não chama a atenção de fato.
ESG não é onda porque vem na esteira de mudanças econômica e de comportamento de gerações
MR: E por que não é uma onda?
F.A.: A filosofia ESG já está presente há muito tempo, mas se tornou popular por algumas razões. A primeira delas é porque ganhou uma roupagem diferente – desde 2005 o ESG tem esse acrônimo, antes se chamava investimento responsável, algo muito abstrato. E estamos no meio de três processos muito relevantes. Um deles é a mudança de modelo econômico, de um capitalismo extremamente hostil, que passava por cima de princípios em favor do lucro, para um capitalismo de stakeholders. O ESG é um movimento expressivo, longe de ser um fogo de palha. Não é uniforme, sob o ponto de vista geográfico, está cheio de idas e vindas, e contradições, mas está avançando com o tempo.
MR: Quais outros fatores sinalizam vida longa ao ESG?
F.A.: Eu vejo uma mudança geracional bastante relevante. Eu sou de uma geração que não liga para o meio ambiente e nem para os direitos humanos, pois está voltada somente para o próprio umbigo. A geração Z já pensa diferente, com foco no coletivo e em questões importantes como inclusão, diversidade, crueldade, maus tratos com os animais, racismo, homofobia, entre outras. Ela ainda não é relevante no mercado de trabalho, mas suas conversas e a disseminação do tema nas redes sociais começaram a ganhar mais materialidade.
MR: Mais algum ponto relevante?
F.A.: Sim, um terceiro ponto é que a sociedade como um todo empurrou com a barriga problemas urgentes, como, por exemplo, as mudanças climáticas. Os cientistas alertaram sobre o assunto há 40 anos e não fizemos nada. E agora chegou no ponto em que estamos na beira do precipício, e as pessoas entenderam que se não fizermos nada, o caminho será sem volta.
MR: Isso tudo botou pressão sobre as questões ESG?
F.A.: Sim, governos, corporações, reguladores, etc, estão muito em cima desse tema. Muitas coisas foram mudando, inclusive sob o ponto de vista regulatório, e aí aumenta a pressão sobre as questões ESG. Se avaliarmos, têm outros pontos que a gente vem empurrando com a barriga, como a desigualdade social - até o momento em que teremos uma percepção mais coletiva de que estamos em um precipício que pode virar caos social, assim como o racismo e a homofobia. Isso fortalece um pouco a visão ESG.
MR: Maior exigência por ESG vem da sociedade ou do mercado?
F.A.: Não existe uma origem específica, eu acredito que é uma soma de fatores. Vou exemplificar: imagine uma empresa que, hipoteticamente, questiona o modelo capitalista mais hostil e passa a ter uma visão mais holística. Ela passa a chamar a atenção de seus pares, que querem entender o que ela está fazendo e passam a seguir o mesmo comportamento.
MR: Quais são essas empresas?
F.A.: Há várias empresas que são referência em ESG que performam muito bem – esquece o desempenho de suas ações na Bolsa, isso é só um reflexo. A Natura, WEG, Magalu, Lojas Renner e Fleury têm um crescimento muito positivo. Isso passa a chamar a atenção, pois como essas empresas mais humanizadas estão obtendo resultados superiores? Isso acaba servindo um pouco como referência. Soma-se a isso também o posicionamento de consumidores e investidores que têm essa percepção ESG. A gente está somente no começo do processo.
MR: A criação do PRI(Principle for Responsible Investments, em inglês) em 2005 foi importante para fortalecer o ESG?
F.A.: Eu acho que é muito difícil isolarmos fatores para chegar em um cenário de causa e efeito. O fato é que, do lado acadêmico existem muitos papers que mostram que empresas sustentáveis performam operacionalmente melhor, assim como há pesquisas acadêmicas que mostram que fundos ESG têm um melhor desempenho sobre os fundos tradicionais. Mas para esses papers serem produzidos, foi preciso ter um pouco de massa crítica. O mercado começou a evoluir, as pessoas começaram a experimentar o ESG, entre outros.
MR: Quais fatores foram relevantes para o fortalecimento do ESG?
F.A. - Há dois ângulos importantes: dos investidores, na questão dos fundos, e do lado corporativo, as empresas. Tudo é uma questão de observação. Quanto mais se fala disso, mais se chama a atenção. Há também a questão dos paradoxos de Bolsonaro e Trump, que fizeram muitos terem vontade de ‘gritar’ a respeito do ESG. Isso levou a imprensa a retratar o assunto e as empresas a assumir compromissos. Poxa, se nos Estados Unidos o governo está saindo do acordo de Paris, então eu vou fazer a minha compensação de crédito de carbono. Se o governo está querendo expulsar os estrangeiros, eu vou fazer um programa de inclusão racial.
MR: Como a gente faz para identificar o verdadeiro ESG? Muitas vezes é só marketing...
F.A.: Essa é a minha maior angústia nesse momento. Dos 28 anos que eu tenho a minha empresa, eu passei 26 sendo chamado de comunista e de todos os ‘istas’ que você pode imaginar. Tudo isso porque eu trazia esse debate para o mercado – e o mercado pensava que era uma discussão ideológica, o que não era verdade. A gente saiu do marco zero para um debate totalmente reducionista, pasteurizado, simplificado e superficial. Sinceramente, eu não sei o que é pior. O fato é que, até dois anos atrás, ser sustentável não valia dinheiro. Quando uma empresa mostrava uma faceta mais sustentável, ela estava dialogando com os seus fornecedores, clientes, mas não com a ‘Faria Lima’. A ‘Faria Lima’ não queria nem saber disso. Porém, de um tempo para cá, a ‘Faria Lima’ mudou de opinião. As empresas que não se mostram sustentáveis são deletadas dos portfólios. Já o contrário, as que são sustentáveis ganham muito mais atenção de todo mundo.
MR: Você comentou que há uma intencionalidade muito grande das empresas se mostrarem como sustentáveis...
F.A.: Essa intencionalidade não existia antes. Hoje, ela está aí e integra um cenário no qual o público investidor é despreparado, pois não debateu aspectos ligados aos direitos humanos e meio ambiente durante 30 anos. São questões complexas e profundas, que não serão incorporadas de uma hora para outra, pois não fazem parte do cotidiano da grande maioria das pessoas. Há pouca capacidade crítica no mercado e grande parte das empresas com a intenção de enganar. É óbvio que a empresa vai saber muito mais sobre ela própria do que o mercado, o que faz com que ela controle a narrativa do assunto. E, por isso, é muito fácil entrar no jogo do greenwashing.
MR: Você diz que nenhuma empresa é 100% boa ou 100% ruim. Isso complica o diagnóstico?
F.A.: Sim, isso piora a situação. Todas as empresas têm algo de bacana do lado da sustentabilidade. Por mais áspero que o tema seja para elas, sempre haverá algum ponto de acordo. Pode ser que a companhia emita 500 milhões de toneladas de carbono na atmosfera, mas tenha um programa para salvar uma determinada espécie de tartaruga. Nada contra essa ação, mas a empresa vai destacar essa iniciativa e adotar o discurso de que ela salva tartarugas, doa anualmente R$ 1 milhão para escolas públicas do interior de Pernambuco e tem três mulheres em seu conselho de administração. Pronto, está feito o pacote e o mercado compra esse discurso. No final das contas, vira tudo ESG. Então se tudo vira ESG, nada é ESG.
MR: Como reconhecer uma empresa autêntica em ESG?
F.A.: Esse processo não é fácil, pois, como falei, o público em geral está despreparado em relação a isso. Eu acho fundamental avaliar duas coisas importantes em uma empresa.
MR: Quais são?
F.A.: A primeira é a coerência. Por exemplo, como estamos no mês do Orgulho LGBT+, a empresa vai lá e coloca uma bandeirinha da causa em suas redes sociais. Mas o que ela fez no ano passado e retrasado sobre o assunto? Como ela se posicionou em relação à situação da morte do americano George Floyd? E em relação ao problema ocorrido com o Carrefour? Ela assinou algum manifesto? Colocar a bandeirinha é bacana, mas é um ato vazio. Quando vem a Natura e inclui o Thammy Miranda como garoto-propaganda do Dia dos Pais, é uma ação totalmente coerente com a história da empresa, assim como a criação de um programa de trainees para negros pelo Magazine Luiza. Agora, eventualmente, vão ter empresas que vão usar do mesmo expediente, mas que não cabe em seu contexto.
MR: Qual é a segunda?
F.A.: A segunda coisa é olhar a materialidade, pois cada empresa ou setor tem um ponto que é mais crítico. Por exemplo, se a Vale anunciar que a partir de agora toda a sua diretoria é composta por mulheres, incluindo negras, eu vou achar maravilhoso, mas vou questionar sobre a segurança do trabalho. Como fica isso? Não estou minimizando o empoderamento feminino e nem a questão racial – sou muito aderente a essas pautas. Mas enquanto a Vale não cuidar da segurança do trabalho, o resto, entre aspas, quase que não interessa. É muito mais fácil para a Vale trazer diversidade para dentro do seu conselho de administração do que excluir as barragens a úmido.
Mais do que o perfil dos fundos, investidor deve analisar a essência do gestor
MR: O que consumidores e investidores devem analisar para saber se empresas valorizam o ESG?
F.A. - O mercado e os consumidores precisam olhar para cada uma das empresas e, ao invés de olhar o mérito da questão, ver o quanto isso dialoga com o ponto de risco de cada uma delas. Novamente, coloco a Vale como exemplo. A mineradora pode ter uma diretoria inteira composta por mulheres, mas isso não faz dela uma empresa aderente às boas práticas ESG. Para isso, ela teria que resolver primeiramente o problema da segurança no trabalho. Após isso é ótimo ter uma diretoria com esse perfil.
MR: E o que olhar para saber se é greenwashing?
F.A.: O fato de um banco digital anunciar que é carbono neutro, por exemplo, é irrelevante. Se a instituição financeira quer mesmo ser amiga do clima, então precisa parar de financiar combustíveis fósseis e de investir em empresas de carvão. Falar somente não adianta nada. Cada empresa deve ter essa reflexão, denominada matriz de materialidade e nós, consumidores e investidores, precisamos estar atentos a isso.
O greenwashing nunca é mentira, raramente é mentira. É quase que como um mágico ilusionista, ele cria uma distração. Usando o exemplo das tartarugas e escolas: é superbacana ajudar na preservação das tartarugas e estimular o ensino nas escolas públicas do interior de Pernambuco. Nada disso é mentira, mas cria uma distração e o investidor deixa de questionar sobre as toneladas de CO2 que estão sendo despejadas na atmosfera.
MR: E a questão da regulamentação do ESG no Brasil?
F.A.: Na Europa a regulação do ESG é bem mais avançada. A região tem uma lei nova chamada Lei da Taxonomia, bastante densa, que tenta regular algo que é difícil de regulamentar. Mas, basicamente, ela determina o que é ou não sustentável, justamente para proteger esses discursos vazios, o greenwashing, etc. No Brasil, nós não temos praticamente uma regulamentação, apenas muitas consultas sobre o tema.
MR: A falta de definições facilita às empresas se autodenominarem ESG?
F.A.: Esse ambiente facilita para as empresas falarem o que quiserem. A adesão ao PRI é auto declaratória. A empresa firma um determinado compromisso, que não é fiscalizado pelo PRI, paga anuidade e já tem o direito de estampar o logo dela em seu material promocional. Para quem não tem conhecimento sobre o assunto, vê uma determinada gestora com o logo PRI e acha que já é ESG, passando uma falta sensação de segurança. O Sistema B é o único que oferece essa chancela ESG de verdade. (Nota da Redação: Sistema B é um movimento global que mede ações de impacto socioambiental de uma empresa)
MR: Em relação aos fundos, como separar o joio do trigo em ESG?
F.A.: O ESG tem muito a ver com essência. Eu acho muito difícil uma pessoa que não tem isso dentro de si fazer um trabalho razoável em ESG, porque é um mundo abstrato, qualitativo, que envolve análise sistêmica, empatia, capacidade de sentir a dor do outro e inclui questões ambientais. Eu acredito muito mais nas pessoas do que em instituições. A instituição tem a cultura, mas as pessoas são muito relevantes. Os gestores que contam essa essência jamais conseguiriam investir em uma empresa transgressora dos direitos humanos ou meio ambiente. Mas não é a grande maioria do mercado, que trabalha o assunto mais de forma comercial.
MR: Os fundos verdes ainda são incipientes no mercado?
F.A.: O mercado de fundos verde não representa nem um 1% do setor de fundos. Acho que são considerados produtos autodeclaratórios, mas é preciso fazer uma bela limpeza neles em relação a isso. É uma fatia ainda irrelevante, pois ainda temos muito pouca demanda por fundos ESG.
MR: E por que essa baixa demanda?
F.A.: Eu acho que o ESG foi incorporado pelos investidores brasileiros de uma maneira errônea, pois foi passado para eles como algo ligado à filantropia. As empresas sabem que precisam preservar a natureza, que têm de incluir minorias, mas elas já fazem doação para os institutos A, B ou C, e com o dinheiro delas elas querem fazer virar mais dinheiro. As pessoas ainda não perceberam que essa é a forma de ganhar ainda mais dinheiro, porém correndo menos risco.
MR: Quais fundos podem ser considerados ESG no Brasil?
F.A.: Eu não conheço os fundos com profundidade, mas eu vejo evolução em algumas casas. Algumas ainda abrem mão facilmente de um fundo ESG para olhar para um fundo de criptomoeda. Notadamente, acaba virando um lado mais comercial. Mas isso tudo faz parte de um processo evolutivo. Há pessoas que, de fato, estão querendo evoluir no mundo ESG, mas há outras que acham que já têm o template pronto, achando que é muito fácil, pois envolvem casas que já são admiradas pelos investidores. E aí é só colocar mais um fundo na prateleira chamado ESG. Por ter a confiança dos investidores, as casas prestigiam o fundo, então não precisam se qualificar, pois está muito fácil captar dessa forma. Mas não vai evoluir. Infelizmente, eu acho que os fundos com lado mais comercial têm recebido mais recursos, porque eles já dominam um pouco a preferência dos investidores.
MR: Há métricas para o investidor identificar os fundos ESG?
F.A.: Não existe ninguém – e eu espero que não tenha – que faz um estudo de métricas sobre isso. É muito difícil, pois no ESG a gente tem que fugir das questões binárias, não tem muito essa coisa de ‘ser’ ou ‘não ser’. O ponto mais crítico que deveria ser olhado não são os fundos, mas sim as gestoras. Quem tem que ser ESG são as gestoras. Infelizmente são pouquíssimas as gestoras que assumem compromissos com esses princípios. Hoje somente nós somos chancelados pelo Sistema B. Cadê as demais? Nós fundamos com outras 29 gestoras internacionais um movimento chamado Net Zero Asset Managers, que hoje tem US$ 37 trilhões em ativos. Nós fomos uma das fundadoras – única gestora da América Latina. Após seis meses, a única empresa brasileira que entrou foi a JGP, mais nenhuma outra. Então, cadê os compromissos que as gestoras deveriam assumir em relação às pautas ESG? Em várias pautas sociais, como desmatamento da Amazônia, movimento Não Demita, nós estávamos lá.
MR: O que mais é preciso olhar?
F.A.: Quando vemos a governança corporativa sendo lesada em empresas, vejo muito pouco posicionamento do mercado sobre isso, inclusive nas cartas de gestores ESG. Quando, por exemplo, a Vale traz uma proposta de assembleia controversa, não vejo sequer os bancos e analistas que são pagos para isso, trazer essa reflexão, ou ao menos dizer se concorda ou não. Mais importante do que saber se a gestora é signatária do PRI é saber se isso foi feito antes de 2019. Se for para frente, pode ser considerado suspeito, já que o PRI existe desde 2006. Onde estava essa gestora que antes não trouxe o PRI para sua filosofia? Onde estava o tema ESG na gestora?
MR: Há outros indicadores?
F.A.: Sim, outro ponto é se a gestora tem dois fundos, um ESG e outro não ESG, faz sentido manter o fundo que não é ESG? Se a gestora entendeu de fato que o ESG é um filtro de qualidade, que empresas que praticam os princípios performam melhor, que tem risco reduzido, que quer realmente ter um compromisso com a sociedade e o planeta, por que o fundo que não é ESG ainda existe? Por que não converteu em ESG o fundo que já existia? Isso acontece porque pode ser que a gestora não acredite na essência do negócio e esteja só querendo explorar o lado comercial. E, para concluir, um outro aspecto importante é olhar as cartas trimestrais. Qual foi a primeira vez que apareceu a palavra ESG nelas e de que forma? Uma citação, na discussão das teses de investimento, na essência ou de forma periférica?
MR: Qual a participação dos fundos ESG nas corretoras?
F.A.: Zero. Em julho do ano passado, a XP lançou um fundo (fundo de fundos) ESG. Até falava que o fundo teve um seed money de R$ 100 milhões para fomentar gestores de ESG. Além do debate forte sobre o assunto e a mídia dando espaço para o tema, a próxima XP fez um megaevento sobre o tema, investiu em uma força comercial gigantesca, mas hoje o fundo tem somente R$ 40 milhões em ativos. Claro que esse montante é considerado um bom dinheiro, mas sob o ponto de vista de mercado, o valor é irrelevante. Qualquer fundo tem, no mínimo, R$ 1 bilhão em ativos.
A XP tem feito um trabalho bom, contratou gente que realmente entende de ESG com essência, tem um marketing forte em cima do assunto, mesmo assim o fundo não deslanchou.
MR: Como você avalia o futuro do ESG no Brasil?
F.A.: Eu acho que tem uma questão temporal relevante. No longo prazo, eu estou tranquilo, pois haverá o amadurecimento de todo esse debate. Os gestores brasileiros são cultos e inteligentes, mas só estão despreparados no tema ESG. Com o tempo, as questões evoluem. Há também o aspecto geracional. As pessoas que já têm ESG em essência, daqui a 8 ou 10 anos, se tornarão analistas ou gestores de portfólio. Além disso, a visão das empresas automaticamente irá incorporar ações ESG, porque o olhar dos profissionais também muda. Para mim, o curto prazo é o que se mostra mais nebuloso. Ainda vivemos um mercado pouco maduro, não regulado, com muita intencionalidade de greenwashing, muito discurso e pouca prática, e muito pouco compromisso. Tudo isso enfraquece o arcabouço ESG. / com Júlia Zillig