Empresas antecipam captações para se blindar de tensão política e alta de juros
Com receio de alta de inflação e, portanto, dos juros, em ano que antecede as eleições, as companhias estão tratando de encher os caixas
Diante da antecipação das tensões político-eleitorais e da perspectiva de inflação e juros atingirem patamares mais elevados no ano que vem, várias empresas estão captando bilhões em recursos no mercado para reforçar seus caixas e rolar ou alongar dívidas tomadas antes e durante a pandemia.
O mercado de debêntures viu um boom de anúncios de emissões por gigantes como Comgás, 3R Petroleum, Vibra e Hypera, com operações de cerca de R$ 1 bilhão. Embora a taxa Selic tenha saído de 2% em março para 5,25% em agosto, com as expectativas de que chegue a 8% no final do ano, o custo de captação para as empresas ainda é favorável.
Algumas empresas já começaram a acessar também o mercado externo em busca de recursos. Setembro é tradicionalmente a segunda melhor janela do ano para captações no exterior, com investidores voltando do período de férias. Movida e Suzano levantaram na última semana US$ 300 milhões e US$ 500 milhões, respectivamente.
Com as perspectivas de mudança na tendência do juro local e externo, e a incerteza política ameaçando o cenário fiscal e macro, as companhias buscam antecipar operações que eventualmente fariam mais adiante. Especialistas acreditam que várias outras companhias devem acessar o mercado de dívida externa até o final do ano, em montante que pode superar os US$ 3 bilhões somente este mês.
Empresas alongam perfil médio da dívida
Segundo o diretor de renda fixa e produtos estruturados do Itaú BBA, Felipe Wilberg, nos patamares atuais de custo as empresas olham para seus passivos e começam a antecipar renegociações de dívidas e alongar prazos, considerando a perspectiva de as taxas subirem um pouco mais. Segundo ele, as empresas estão voltando a alongar o prazo médio de suas dívidas.
A tendência de uma alta mais acentuada nos juros foi reforçada com a divulgação do índice oficial de inflação (IPCA) de agosto. O dado ficou acima do esperado pelo mercado, no maior patamar em 21 anos, e levou analistas a revisar a previsão da Selic para cima.
"Em 2019, havia um volume enorme de ofertas, e as empresas AAA (de primeira linha) captavam a CDI mais 1% ou 0,80%, ao prazo de cinco anos. Em 2020, esse custo foi para 3%, agora falamos algo em torno de 1,40%", afirmou Wilberg.
O diretor de Mercado de Capitais e Infraestrutura do Santander Brasil, Sandro Marcondes, afirma que algumas empresas também estão motivadas pela retomada, uma vez que a imunização permite maior atividade econômica. "No terceiro trimestre não houve expansão do PIB, mas existe uma retomada em andamento e com a imunização, a expectativa é de que as captações aumentem."
Marcondes nota que de fato as empresas antecipam captações que poderiam fazer no ano que vem, dada a perspectiva de maior volatilidade com as eleições. Um dos fatores que impulsionam o volume das operações, segundo Wilberg, é o impacto da inflação nos custos. Com maior gasto de operação, as empresas são obrigadas a levantar mais recursos do que buscariam há alguns meses.
Apoio
Wilberg cita também que os bancos continuam atuando para dar suporte às emissões de debêntures, mas não com a mesma tônica do ano passado, quando literalmente as empresas dependeram das instituições para emitir esses papéis.
No caso específico do Itaú BBA, Wilberg conta que o banco tem se posicionado para oferecer opções de prazos às empresas emissoras e aos investidores. De um lado, os fundos de investimento buscam mais retorno e, do outro, as empresas também preferem alongar as suas dívidas.
Segundo ele, o banco tem trabalhado com emissões de dívidas em séries - com prazos diferentes - e acaba ficando com os títulos que têm baixa demanda no mercado. "É uma maneira boa e fungível de acessar mais bolsos", afirma Wilberg.