Economia

Economia internacional: o que pode influenciar 2023?

A atenção ao xadrez da geopolítica ajuda a identificar as mudanças e os potenciais riscos aos investimentos

Data de publicação:03/01/2023 às 08:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Eventos do outro lado do mundo afetam o nosso dia a dia, como a invasão da Ucrânia pela Rússia evidenciou. Obviamente que não se pode prever tudo, mas se atentar ao xadrez da geopolítica ajuda a identificar os potenciais riscos.  

De um modo geral, pode-se dizer que países que hoje sentem-se ameaçados por potências mundiais buscarão:

  1. Alguma forma de proteção da OTAN, no caso das nações europeias;
  2. Maior aproximação com a China, no âmbito da “Nova Rota da Seda”, no caso das nações asiáticas que dependem de financiamento externo para desenvolver a sua infraestrutura.

Em um contexto em que Rússia e Irã, cada vez mais isolados, defenderiam os seus interesses conjuntamente, seja por conta de um aprofundamento de suas relações de comércio, seja pela representatividade que possuem no Conselho de Segurança da ONU.

Diplomacia à venda

Nesse ínterim, países do Golfo Pérsico (especificamente o Qatar) aumentarão o seu raio de influência, costurando novos acordos de suprimento de energia com países que preferem não se expor ao alto custo de um volátil mercado de commodities (a difícil escolha entre bancar a conta ou ser destituído do poder).

Para qualquer um que tente vislumbrar o que aconteceria caso a China atacasse Taiwan, o exemplo da Turquia é bastante ilustrativo de quanto a diplomacia, apesar de sua lógica econômica, pode ser imprevisível.

Oportunista, ela espera ganhar de ambos os lados, garantindo o suprimento energético da Rússia ao receber de braços abertos os seus rublos e turistas, ao mesmo tempo em que acessa o mercado financeiro internacional (em função de sua alta dependência de financiamento externo) sem sofrer sanções, haja vista o seu controle do Estreito de Bósforo, que faz a ligação entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo.

Desdobramentos nesse quesito levarão ao próximo ponto.

Mercado de energia

Nas principais economias do mundo, o aumento no custo de energia, seis meses depois da invasão da Ucrânia, foi responsável por algo em torno de um terço da inflação mensurada.

Dado que a Rússia fornecia 36% do gás consumido pela Europa, substitui-la por outros países exportadores de GNL não será tarefa fácil.

Novos players

Há praticamente 50 anos atrás, quando houve o primeiro choque do petróleo da década de 70, decorrente de um boicote imposto pela OPEP, o resultado foi uma grande leva de investimentos, tanto para explorar combustíveis fósseis em novas localidades, como para prover novas alternativas energéticas.

Poderia o mesmo ocorrer agora?  Difícil dizer, considerando que as empresas foram chacoalhadas por dois eventos de grandes proporções (a pandemia e a guerra), sendo que ainda estão assimilando a transição energética.

A verdade é que foi colocada de lado a ideia de um mercado de energia baseado em eficiência (cadeias globais de valor para o fornecimento de componentes como baterias e painéis solares) e nos incentivos econômicos corretos (preço e taxação do carbono).

Dito isso, pode-se observar:

O retorno de opções mais poluentes no curto prazo (carvão);
O foco na política industrial no longo prazo, como ficou evidente no pacote de US$ 400 bilhões em subsídios nos EUA, também conhecido como “Inflation Reduction Act”.

Como consequência de mais gastos públicos, a inflação mundial permanecerá alta, o que manterá a tendência de elevação dos juros pelos principais banqueiros centrais, trazendo o risco mais temido de todos.

O risco de recessão

O ano passado foi dominado pela sequência de aumentos de juros promovida pelo Federal Reserve (Fed), cujas repercussões são:

Internas: menor preço dos ativos, crédito mais caro e maior desemprego, o que desestimula o consumo;
Externas: a desvalorização de outras moedas, a inflação importada e o aumento dos custos de financiamento em dólar.

As demais economias acompanharam, exceto pelo Japão.

A vez do BOJ

No apagar das luzes de 2022, o banco central japonês (BOJ, na sigla em inglês) flexibilizou o yield de seus títulos de 10 anos.

Desde 2016 que a autoridade monetária faz o controle da curva de juros (“yield-curve control”), mecanismo pelo qual permite uma leve variação ao redor da taxa de 0%, efetivamente estabelecendo um limite aplicável a todos os contratos de crédito de longo prazo.

O quanto que o BOJ terá que fazer para endereçar a crescente diferença entre a taxa de juros de seus títulos e a dos demais negociados globalmente é a dúvida de trilhões de dólares, considerando que o Japão possui o mais alto índice de endividamento público dentro do G7.

Ao aumentar os juros, continuará tendo credibilidade suficiente para se financiar de forma sustentável ou serão os investidores forçados a vender os seus títulos, causando uma reprecificação nos ativos negociados dentro do país?

Maior país credor do mundo, seu peso dentro do sistema financeiro internacional é muito grande para ser ignorado, o que pode também fazer de 2023 um ano memorável (e não pelos motivos desejados).

Nem mesmo a China, incansável no seu ímpeto de estimular a economia, poderá ajudar.

A populosa Índia

De acordo com estimativas da ONU, a população da Índia ultrapassará a da China em algum momento em 2023.  Isso quer dizer que contará com a maior quantidade de pessoas em idade produtiva do planeta.

Tendo se iniciado na década passada, o bônus demográfico indiano deve durar até 2050.  Tal como ocorreu na China, que se transformou na fábrica do mundo, a Índia agora tenta o mesmo (o que explica as intenções da Apple em produzir seus Iphones ali).

Porém, como obstáculos ao crescimento, o setor informal, que representa 90% do mercado de trabalho, a baixa participação feminina (20% da força de trabalho) e a infraestrutura precária.

A Índia levará um certo tempo para impor um ritmo chinês à economia (a China cresceu 36 vezes em apenas 30 anos), dada a necessidade de um ambiente de negócios mais promissor.  Enquanto isso, qual locomotiva puxará a economia mundial?

Conclusão

Passados alguns anos do início da pandemia, a instabilidade tornou-se regra e não mais exceção.

A formação de novas alianças diplomáticas, as mudanças na dinâmica do mercado de energia, os efeitos colaterais dos aumentos de juros no mundo e as mudanças demográficas são elementos que impactarão a todos, inclusive o Brasil, independentemente de quaisquer medidas impostas pelo novo governo.

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Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.