Deflação na China: realidade ou ficção?
No início de agosto, algumas notícias não muito animadoras da China: queda de 14% nas exportações, mais uma construtora com dificuldades para honrar os seus compromissos financeiros, além de um valor negativo para o índice anual de preços.
No início de agosto, algumas notícias não muito animadoras da China: queda de 14% nas exportações, mais uma construtora com dificuldades para honrar os seus compromissos financeiros, além de um valor negativo para o índice anual de preços.
Tendo “saído” mais tarde da pandemia, esperava-se que o país recuperasse rapidamente o terreno perdido, repetindo algo próximo ao desempenho espetacular do início dos anos 2000 (o “superciclo de commodities”), o que inclusive trouxe preocupações de que isso geraria novas pressões inflacionárias no resto do mundo, demandando juros ainda mais altos.
Enquanto EUA e União Europeia (UE) observam índices de inflação anual de 3% e 6,4% respectivamente, a China emplacou uma deflação de 0,3%. Isso não seria algo inédito não fosse a mesma tendência observada no atacado durante 10 meses consecutivos.
A verdade é que os produtos chineses vendidos ao exterior estão mais baratos, com descontos superiores a 10%.
Além disso, o investimento que deixou a China e as medidas tomadas contra as empresas de tecnologia no passado fizeram com que aproximadamente um em cada cinco jovens não encontrasse trabalho.
Deflação
A economia chinesa não escapou da volatilidade nos preços dos alimentos, algo que inevitavelmente se refletiria nos índices. Entretanto, a surpresa ficou por conta do setor de serviços, que não deslanchou, mesmo com a abertura da economia.
O mercado imobiliário também não reagiu, minando as expectativas de aumentos nas vendas não só de unidades residenciais, mas também de produtos para o lar. Nas principais cidades chinesas, vendeu-se 28% menos quando comparado com o mesmo mês de 2022.
Sendo uma economia centralizada, esperava-se mais das autoridades locais conforme os números se tornavam públicos. Entre as medidas adotadas, nenhuma de grande impacto financeiro.
Paliativos
As mudanças se limitam à redução de barreiras de entrada e o respeito aos direitos de propriedade intelectual para as empresas que desejam investir. Outros paliativos incluem o estímulo ao consumo e ao turismo, além de uma certa flexibilidade para que trabalhadores de áreas rurais possam se mudar para as cidades.
Diferentemente de outras ocasiões, a ajuda não virá de fora. Com os juros altos no resto do mundo, a demanda pelas exportações chinesas se reduziu. Como consequência, as empresas estão queimando os seus estoques e, a não ser que haja uma reversão nesse cenário, demitindo os seus funcionários, com impactos significativos no consumo de bens e serviços.
“China mais um”
As tarifas sobre o comércio internacional, inicialmente impostas pelo governo Trump, já mostram os seus efeitos cumulativos. Depois de duas décadas, é a primeira vez que os EUA transacionam mais com a dupla México e Canadá do que com a China.
Entretanto, as estatísticas escondem um fato curioso: países que hoje recebem investimentos antes direcionados à China (Índia, México e Vietnã) continuam dependentes de insumos chineses, ou seja, servem apenas como produtores intermediários.
Eles nada mais são do que locais alternativos de produção para abastecer o ocidente, o que ensejou a criação do termo “China mais um (país)”. O mesmo se aplica a certos países da Europa central, onde o estímulo à utilização de carros elétricos fez com que a China se tornasse a maior fornecedora de autopeças fora da UE.
Considerando a disputa por investimentos e oportunidades, percebe-se que os países não recusam nem o know-how chinês e muito menos uma maior participação no comércio internacional.
“Maquiagem” nos números
Não é de hoje que os números chineses são vistos com um certo ceticismo, pois sempre se desconfiou das estatísticas locais, “maquiadas” para atender aos interesses políticos de Pequim. Nesse sentido, vale destacar alguns achados do Federal Reserve (Fed).
Levando-se em conta que dados oficiais como PIB, inflação e desemprego são publicados com atraso e, ainda assim, são passíveis de revisões, nada melhor do que se amparar em outras fontes, como as redes sociais.
O Twitter (mais recentemente, apenas “X”), por exemplo, tem mostrado o seu valor como ferramenta para se capturar, com pouca defasagem de tempo, tendências e expectativas em relação à economia, dada a grande quantidade de postagens na plataforma.
Índice de sentimento financeiro
Usando como base os tweets relacionados a temas financeiros, os pesquisadores do banco central norte-americano foram capazes de criar um índice (Índice de Sentimento Financeiro do Twitter, em tradução livre). Para cada postagem positiva, um ponto no índice e assim sucessivamente.
Testado exaustivamente, ele não só se move na mesma direção dos spreads (diferenças na taxa) dos títulos privados em relação aos títulos públicos, indicando maior aversão ao risco, como também acompanha os yields (taxas de mercado) dos próprios Treasuries.
Outros dados coletados podem ser bastante reveladores: muitas postagens sobre pessoas perdendo os seus empregos sinalizam as condições do mercado de trabalho, antes da publicação das estatísticas oficiais.
Constata-se dessa forma a sua utilidade para medir os sinais vitais da economia, além de acompanhar a dinâmica das expectativas de seus vários agentes mas, com os esforços para que os usuários paguem pelo uso da plataforma (e recebam mais destaque de suas postagens por isso), existem sérias dúvidas sobre a sua credibilidade no futuro.
Conclusão
Independentemente do que dizem os números, é fato que a população chinesa é conhecida pela sua cautela e, tendo boa parte de sua riqueza na forma de imóveis, dificilmente gastará se os preços apontarem para baixo. Enquanto o mercado imobiliário não melhorar, existe pouca esperança de uma retomada mais consistente.
Tomando como referência episódios semelhantes do passado, esse seria um momento mais do que propício para se implementar alguns conceitos do Keynesianismo, que prega o aumento do gasto público quando os demais agentes da economia se retraem.
Chegou a hora de Pequim pensar em um “Plano B” e chamar o seu banco central para reduzir os juros, haja vista a facilidade de se coordenar essas atividades, um privilégio das economias centralizadas.
Enquanto tenta assimilar os impactos de longo prazo após 3 anos de combate à pandemia, período no qual o dinheiro se tornou mais caro e as regras do comércio global foram alteradas, a China espera e o resto do mundo também.