Como a retração da economia, aqui e no mundo, afeta a emissão de crédito privado; CDBs e debêntures lideraram no 1º semestre
Combinação de forte recessão global com aumento do risco fiscal no País traria tempestade perfeita para o setor
O mercado de títulos privados, que engatou acelerado crescimento no primeiro semestre, com volumes robustos de emissão de CDBs e debêntures, tende a enfrentar um ambiente mais desafiador na segunda metade do ano. Os riscos, para especialistas, vêm tanto do cenário internacional como doméstico. O risco principal está na perspectiva de redução do ritmo das economias com recessão pelo mundo.
“Há uma expectativa de recessão global, por causa da inflação em alta e do aperto de política monetária pelos bancos centrais”, avalia Leonardo Ozorio, diretor de assuntos institucionais da LUZ Soluções Financeiras.
A origem da possível recessão, contudo, não estaria na inflação e nos juros altos. O risco maior, para Ozorio, “viria de novos lockdowns e como isso pode afetar a economia da China”, principal importador de commodities brasileiras. “Se houver uma redução de compras, as empresas daqui venderiam menos e produziriam menos.”
O giro mais lento da economia, muito dependente de atividade na China, poderia levar o mercado de capitais a pisar no freio. A tendência seria de redução nas emissões, “porque as empresas teriam menos necessidade de se financiar, ampliar projetos de investimento e a produção”.
Ozorio diz que “é preciso ver o quão aguda será a recessão, se houver”, e seu impacto sobre as empresas, para saber se vai afetar o volume de emissões. Ele prevê um aumento de spread ou prêmio se, mesmo em um ambiente de recessão forte, a empresa tiver necessidade de emitir, seja para manter a produção, seja para reforço de caixa.
Além de recessão, eleições podem atrapalhar
O fator doméstico que pode influenciar as emissões e os custos delas para as empresas são as expectativas com a política econômica do presidente eleito nas próximas eleições. “O risco é uma piora na capacidade de se financiar do governo, que pode elevar o custo de financiamento”, avalia.
Um cenário de deterioração fiscal leva ao aumento das taxas de juro, porque os investidores pedem mais prêmio para financiar o governo, o que acaba reverberando no mercado de crédito.
A pressão sobre a Selic e a curva de juros, que reflete expectativas sobre taxas futuras, impacta os juros das empresas que precisam captar emitindo títulos.
Uma tempestade perfeita para o mercado de crédito privado, de acordo com Ozorio, seria uma combinação de uma forte recessão global com uma política fiscal expansionista que piore as condições de financiamento do setor público.
“Seria um cenário em que as empresas também teriam dificuldade de se financiar, por um custo mais alto, já que os investidores vão exigir prêmios maiores”, para correr mais risco. Se a receita piora, diz Ozório, o prêmio aumenta, porque pode piorar a capacidade de pagamento da empresa.
O cenário de dificuldades para as empresas com recessão e juros altos não se estenderia para o setor bancário, portanto, para a emissão de CDB (Certificado de Depósito Bancário). “Os bancos vão continuar emitindo e captando, porque sabem operar muito bem o spread.”
Custos maiores para a captação de empresas, chance de ganhos mais atraentes para os investidores em títulos de dívida privada.
“Os títulos de crédito são oportunidades excelentes, mas é sempre muito bom ser conservador. É só ter os cuidados para evitar aborrecimentos e traumas.”
Leonardo Ozorio - diretor da LUZ Soluções Financeiras
Presume-se que um título de crédito privado oferece risco maior que o emitido pelo Tesouro. Um risco adicional cristalizado em prêmio maior nos papeis privados. É preciso comparar a rentabilidade.
“A conta básica é olhar quanto o título público está pagando”, afirma Ozorio. E comparar com o rendimento do privado. “Uma debênture incentivada, descontado o incentivo (isenção de imposto), deve ter um prêmio adicional em relação ao que o público paga em igual período.”
Uma forma de diluir o risco é distribuir os investimentos da carteira ao longo do tempo, com a compra gradual de um pouco de cada ativo, recomenda. “Sem esquecer de avaliar o rating”, o risco de crédito da empresa emissora do título em relação à capacidade de honrar a dívida.
Os spreads são inversamente proporcionais ao rating. Quanto melhor o rating, menor o risco de calote, portanto menor o prêmio. E vice-versa.
CDBs e debêntures têm emissão recorde no semestre
A emissão de títulos de dívida privados teve um ritmo forte no primeiro semestre. Se 2021 foi bom para o segmento, 2022 tem sido melhor, apontam dados da POP BR – Precificadora Oficial de Preços Brasil, empresa da Luz Soluções Financeiras. Pelo menos nos primeiros seis meses do ano.
Os CDBs e as debêntures foram os destaques no mercado de capitais no primeiro semestre. O volume financeiro negociado com os dois ativos no período é o maior desde 2017.
Evolução das emissões
O volume de CDB emitido nos primeiros seis meses de 2022 é superior ao lançado no mercado a cada ano no período entre 2013 e 2020. O total já alcançou R$ 120,065 bilhões, volume equivalente a 74% da emissão de todo o ano passado, no valor de R$ 162,227 bilhões.
Ano | CDBs R$ bilhões | Debêntures R$ bilhões |
---|---|---|
2013 | 51,799 | 179,658 |
2014 | 34,098 | 200,051 |
2015 | 42,969 | 299,711 |
2016 | 46,731 | 300,078 |
2017 | 42,256 | 568,714 |
2018 | 48,032 | 271,705 |
2019 | 99,728 | 194,623 |
2020 | 85,539 | 231,372 |
2021 | 162,227 | 289,871 |
2022* | 120,065 | 184,839 |
(*) 1º semestre
O ritmo de emissão de debêntures não ficou muito atrás do de emissão bancária. O volume de papeis de dívida nessa modalidade emitidos por companhias privadas chegou a R$ 184,839 bilhões, ou pouco menos de 64% do total emitido, de R$ 289,871 bilhões, ao longo do ano passado.
O volume de debêntures emitidos no semestre foi o maior também desde o de R$ 279 bilhões do segundo semestre de 2017.
Comparação por semestre
Semestre/ano | CDBs R$ bilhões | Debêntures R$ bilhões |
---|---|---|
1S/2017 | 19,077 | 288,868 |
2S/2017 | 23,179 | 279,846 |
1S/2018 | 20,782 | 177,707 |
2S/2018 | 27,249 | 93,998 |
1S/2019 | 24,213 | 73,013 |
2S/2019 | 75,514 | 121,610 |
1S/2020 | 35,692 | 126,613 |
2S/2020 | 49,847 | 104,758 |
1S/2021 | 65,196 | 145,668 |
2S/2021 | 97,030 | 144,203 |
1S/2022 | 120,065 | 184,839 |
As emissões de títulos privados no semestre foram impulsionadas pelas condições favoráveis ao mercado, especialmente de renda fixa. Os juros pegaram carona no ciclo de alta da Selic, a renda variável, representada pela bolsa de valores, perdeu atratividade e espaço entre os investidores e as empresas aproveitaram para reforçar o caixa.