Economia

Como conciliar clima, política monetária e endividamento?

Data de publicação:03/01/2024 às 11:57 - Atualizado um ano atrás
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Deveriam os banqueiros centrais entender também sobre o clima?  

Tudo indica que sim, como demonstra um recente estudo do Banco Central Europeu (BCE).  Pelos dados apresentados, a inflação mundial poderia ser de 0,3% a 1,2% maior a cada ano, por pouco mais de uma década, ao se levar em conta um planeta com temperaturas mais altas.

Há um certo consenso em torno dos números, o que afasta qualquer postura alarmista dos europeus, mais radicais na questão climática.  O próprio Brasil já incorpora a questão no mapeamento de riscos da economia local, ainda que não seja devidamente mensurada.

O custo da incerteza

Por mais que as mudanças climáticas sejam observadas e estudadas pelas leis da natureza, pouco se sabe sobre como afetam variáveis como capital e trabalho, fundamentais em qualquer economia.  Na incerteza, é fato que os agentes embutem um grau de risco maior quando transacionam entre si. 

Esse custo adicional é então repassado ao longo de toda a cadeia, o que coloca os preços partindo de um patamar maior, em um movimento parecido ao observado durante a pandemia, quando a falta de insumos e de transportes desorganizaram o mundo dos negócios.

Refazendo os cálculos 

Enquanto se decide qual o melhor mix para endereçar o assunto (mitigação ou adaptação versus a redução de combustíveis fósseis ou a captura do carbono) e seus respectivos custos, não existe qualquer modelo matemático que diga exatamente o que acontece com os preços na economia quando ocorre uma seca, por exemplo.

O problema não ficaria limitado à agricultura.  Imagine uma empresa de transportes tendo que incorporar alguns fatores sujeitos a premissas bastante grosseiras, por pura falta de histórico para mensurar corretamente as probabilidades.

O mesmo aconteceria com o mercado de seguros, que anda de mão dadas com essa atividade e que só sobrevive se administrar com um mínimo de precisão riscos vis-à-vis os prêmios que recolhe.  

A conta que cabe a cada um 

No momento de emitir uma apólice para um navio de contêineres com componentes montados na Ásia, qual rota escolher?  Pelo Canal do Panamá, que sofreu com a seca, ou pelo Canal de Suez, comprometido pelos ataques dos rebeldes Houthi no Mar Vermelho?

Governos, empresas e indivíduos deverão fazer os devidos ajustes.  Aqueles com bolsos mais fundos poderão optar pela mitigação, mas para muitos, a alternativa será tentar se adaptar.  De qualquer forma, a conta será paga por todos. 

Mas, antes de entrar diretamente na questão financeira, um pouco de história econômica.

A década perdida

Entre os anos de 1980 e 1990, vários países emergentes deram o calote em suas respectivas dívidas externas pelas muitas voltas que o câmbio dá.

Com o intuito de se evitar problemas futuros, foi proposto aos organismos internacionais, notadamente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), fomentar as condições para que cada país pudesse emitir dívida na sua própria moeda, a exemplo das economias desenvolvidas do G7.

Isso eliminava alguns contratempos jurídicos, como os impostos pelas cortes internacionais, que determinavam o bloqueio das garantias depositadas no exterior a pedido dos credores.  

Permissão para gastar

A política nem sempre segue o racional financeiro dos mercados.   Os recursos captados via títulos locais deixaram de atender ao propósito de reduzir a dependência do capital externo para financiar uma máquina administrativa cada vez maior.

Os governos passaram a ter permissão para gastar, conforme um mundo de juros baixos estimulava a busca por retornos maiores.  Assim, ao invés de se minimizar o risco de um novo calote por conta de uma desvalorização cambial, ampliou-se os seus efeitos.

Retrocesso

Toda vez que o dólar se valorizava ou os juros subiam no mercado internacional, os investidores estrangeiros se desfaziam da dívida interna primeiro.  O problema caia no colo das instituições financeiras locais, revertendo todo o processo de criação de um “mercado de dinheiro” desenvolvido e eficiente.

Com os papéis valendo menos, os bancos não tinham lastro suficiente para emprestar mais no exato momento em que o governo sequer tinha condições para fazer o básico, como pagar os servidores.

No final das contas, voltava-se ao credor para renegociar a dívida externa, ao invés de impor mais sacrifícios à população.  Nessas circunstâncias, termos como “mitigação” ou “adaptação” ao clima definitivamente são colocados em último plano. 

Conclusão

Enquanto muitos observavam o luxo característico de Dubai, onde foi realizada a COP28, poucos se deram conta da presença em peso da indústria petrolífera no evento.   

Pelo Acordo de Paris, 2023 seria o ano em que os países deveriam apresentar o que fizeram desde 2015 para endereçar a questão climática.  Como ficou bastante claro, os resultados alcançados sequer estão próximos das metas estipuladas.

A verdade é que, independentemente das boas intenções, políticas climáticas não necessariamente são fáceis de serem implementadas, dados os vários interesses envolvidos.  

Apesar de ser um problema global, seus impactos só são percebidos no longo prazo, algo que o calendário político não consegue acomodar, uma vez que impõe custos aos eleitores de hoje.

Não há mágica

Distrações à parte, a mensagem transmitida nas muitas salas de negociação é que não há mágica no combate às alterações climáticas. As tecnologias de energia limpa, incluindo a energia nuclear, requerem financiamento e em grande escala.

Haja vista o custo atual do crédito e os altos níveis de endividamento no mundo, de onde virá o dinheiro?  Da venda de mais petróleo e gás, desde que se desenvolva uma tecnologia menos poluente?  Tudo indica que a escolha do local da COP28 não foi por acaso.  

Além disso, muitos países ricos receiam que o fundo de perdas e danos (o grande destaque da COP27) se transforme em um cheque em branco a ser destinado aos mesmos governos que hoje sequer conseguem resolver a sua dívida interna.

Curva do clima

O desafio para os bancos centrais é deixar de apenas contemplar o horizonte relevante para a política monetária, pois os efeitos climáticos serão sentidos em prazos mais longos.  

Diferentemente de um choque de oferta momentâneo, como o decorrente de uma pandemia ou de uma guerra, os gases responsáveis pelo aquecimento global permanecem na atmosfera.

Para o mercado financeiro de um modo geral, o custo do dinheiro ao longo do tempo (curva de juros) dependerá de variáveis tão diversas como níveis de temperatura e chuvas. 

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.