Fundos de Investimentos

Alta da Selic não é garantia de bom retorno nos fundos de renda fixa; 3 estão negativos em 12 meses

Fundos que estão no vermelho têm alocação em ativos no exterior

Data de publicação:30/09/2022 às 05:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Em um ano em que a taxa básica de juros Selic escalou 77,4% em 12 meses, três fundos de renda fixa que, em tese, se beneficiariam desse movimento, acumulam forte queda, de 6%, 7,6% e até 13%, no mesmo período. São dois fundos do Banco do Brasil (BB) e um do Bradesco, que reúnem mais de 7 mil cotistas e somam patrimônio de R$ 170 milhões. Como isso é possível?

De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, incluindo os gestores desses fundos, isso aconteceu porque, embora eles arrisquem fichas em maior ou menor grau no movimento dos juros, os fundos fazem apostas neste momento olhando para o cavalo errado.

No caso do Bradesco FI RF Dívida Externa Crédito Soberano, que entrega rentabilidade negativa de 13% em 12 meses, até 19 de setembro, a performance do fundo derreteu com a perspectiva de alta dos juros em escala global. Em especial nos Estados Unidos.

“A elevação das taxas dos títulos do Tesouro americano (Treasuries) teve impacto significativo no desempenho negativo do fundo”, avalia o diretor de investimentos da Bradesco Asset, Philipe Biolchini Pessoal.

Outro fator adicional foi o aumento do risco Brasil, o que fez subir os juros dos títulos da dívida brasileira, impactando o valor dos papeis da carteira e desvalorizando a cota do fundo.

Uma mudança de estratégia, com realocação de ativos na carteira, teria sido possível e evitado ou revertido esse mergulho no vermelho? 

Biolchini explica que esse é “um fundo com exposição direcional ao mercado de dívida externa brasileira, sem previsão de uso de derivativos em seu regulamento. Gerenciamos o risco através do encurtamento ou alongamento dos títulos, mas de forma marginal”.

E, ao apontar o sucesso da estratégia nos últimos anos (veja gráfico abaixo), diz que “os resultados negativos recentes não significam prejuízos realizados, e os atuais investidores têm expectativa de retorno de dólar, acrescido de 6,8% em de juros ao ano”.

Desempenho poderia ser melhor

No entanto, para Laís Costa, analista de renda fixa da Empiricus, o regulamento possibilitaria uma mudança de estratégia, embora limitada, para mitigar o prejuízo. Para ele, embora não seja usual, esse é um movimento que os gestores tendem a fazer.

"Já tem gestores comprando prefixado para surfar um fechamento dessas taxas nos próximos meses", diz. “Mas essa prática não é muito comum, porque muda o nível de risco do fundo, dado que o título soberano do Brasil é o menor risco em termos domésticos”, pondera. “É um fundo que deve ser usado para uma parte mais conservadora (baixa volatilidade e alta liquidez) do portfólio do cliente.”

Fundos do BB têm ativos no exterior

Assim como o fundo Bradesco, os dois fundos do BB que estão nesse mesmo pote. Eles fecham 12 meses no vermelho por também terem sido pegos no contrapé com a alta mais acentuada dos juros lá fora.

O BB RF Dívida Externa Mil FI, com patrimônio de R$ 84,5 milhões e 4,9 mil cotistas, acumula rendimento negativo de 7,62%.

O BB RF LP Bonds Globais FX Private CP IE FIC FI, com patrimônio de R$ 72,0 milhões e 1,2 mil cotistas, também ficou no vermelho, com rentabilidade negativa de 3,11%.

O desempenho desses três fundos de, negativo em 12 meses, é um exemplo emblemático da ausência de correlação com o juro básico doméstico, referenciado no CDI, usado no mercado financeiro interno.

É um retorno que destoa totalmente também da poupança, que acumula rentabilidade de 7,21% em 12 meses, superior à de muitos fundos da lista.

A diversidade de ativos que cabem na carteira dessa modalidade de fundo faz com que o investidor imagine um rendimento da aplicação alinhado com a Selic mas encontre outro bem diferente estampado no extrato enviado pelo gestor.

Frederico Monteiro do BB: Alta de juros globais afetou os fundos

Conheça o portfólio dos 3 fundos de renda fixa

Bradesco FI RF Dívida Externa Crédito Soberano

O fundo compra títulos da dívida externa brasileira, emitidos em dólar, explica Philipe Biolchini Pessoal, CIO da Bradesco Asset. Sua estimativa de rentabilidade é equivalente à variação cambial, mais 6,75% ao ano, acima das projeções anteriores, diz Biolchini Pessoal. Mas o que não deu certo no desempenho recente?

O CIO da Bradesco Asset diz, ainda que pesadas, as perdas do fundo não são realizadas e vê perspectivas positivas pela frente. “É um produto que tem uma exposição diferenciada dos títulos corporativos ou bancários emitidos no Brasil”, compara Biolchini Pessoal.

Fundos do BB

Os fundos sob gestão da BB Asset também sofreram com o cenário de alta dos juros globais, principalmente nos Estados Unidos, “embora com ativos distintos em carteira, explica Frederico Monteiro, gestor de fundos offshore e alocação no exterior. 

“São dois produtos parecidos, fundos de renda fixa no exterior, ambos com variação cambial”, diz o gestor “Como não têm hedge (proteção), sofrem muito com as variações cambiais, para o bem e para o mal.”

O investidor dos fundos tem exposição ao dólar. “Quando o real se valoriza e o dólar cai, o efeito dessa variação é negativo na cota”, afirma. O impacto das flutuações está cristalizado na performance negativa dos dois fundos, como consequência da desvalorização das cotas, no período mais recente de apreciação ou valorização do real.

Juros internacionais

O BB RF Dívida Externa Mil investe em títulos prefixados da dívida externa brasileira denominados em dólar.

Já a carteira do BB RF LP Bonds Globais FX Private CP IE FIC FI mira os bonds globais, “títulos e renda fixa, principalmente corporativos, emitidos ao redor do mundo”, explica. “Como os EUA têm uma representatividade muito grande na economia ou no mercado global, predominam os títulos americanos.”

Monteiro explica que o desempenho dos fundos voltados ao exterior, com a carteira fincada basicamente em títulos prefixados dolarizados, está sendo impactado negativamente por dois movimentos.

O primeiro é a oscilação do câmbio, no caso a valorização do real. E outro é a dinâmica de alta dos juros globais, comandada pelos principais bancos centrais, para combater a inflação. A iniciativa dos bancos centrais, segundo o gestor, promove uma reprecificação de todos os ativos de renda fixa negociados no mundo.

Esse movimento, explica Monteiro, “leva à reprecificação dos ativos para baixo, pela marcação a mercado (atualização do valor do papel), e desvaloriza os títulos, em sua maioria prefixados”, negociados no exterior.

Em prazo mais longo, fundos de renda fixa ganham

Em espaço de tempo mais elástico, um pouco mais de 3 anos, a situação se inverte, e os 3 fundos superam com larga vantagem a poupança. O rendimento deles é mais que o dobro da poupança.

Volatilidade também afeta desempenho

Espaço maior da lista levantada pela Mais Retorno é ocupado pelos fundos de renda fixa com a carteira alocada por títulos prefixados e indexados à inflação (IPCA). Papeis sujeitos a forte volatilidade, de acordo com o cenário de expectativas do mercado para a inflação e os juros.

Essa composição de portfólio derruba a crença de parte dos investidores de que, por ser de renda fixa, é possível ter ideia antecipada de qual será o rendimento. Isso poderá valer para ativo indexado à Selic ou ao IPCA, para quem compra um título como o Tesouro IPCA e fica com ele até o vencimento. Nos fundos, não é bem assim.

Quase a totalidade dos fundos de renda fixa que fecham a lista de pesquisa da Mais Retorno têm a carteira formada por títulos públicos indexados ao IPCA, as Notas do Tesouro Nacional da série B (NTNs-B) – conhecidas como Tesouro IPCA, em sua versão no Tesouro Direto.

No zero a zero

Dois deles chegam ao fim de últimos 12 meses com a rentabilidade zerada: o Trend PE VI FIC FI RF Simples e o Vítreo Inflação Longa FI RF. O Vitreo Inflação é um dos que alocam pesadamente em títulos de inflação: pela posição da carteira de maio último, quase 99% do portfólio estava alocado em títulos indexados ao IPCA, as NTN-Bs, de variados vencimentos, dos curtos aos mais longos. 

Victor Zucchi Meneghel, especialista em renda fixa da Valor Investimentos, diz que os ativos ligados à inflação passam pela marcação a mercado, processo que leva à oscilação ou reprecificação do valor do papel conforme a taxa de juro real. Se o juro real subir (seja pela alta dos juros, seja pela queda da inflação ou pela combinação de ambos), o fundo posicionado em títulos com taxas mais baixas terá uma piora de rentabilidade.

Um fundo que atua com uma estratégia mais diversificada de títulos em carteira é o Western Asset RF Ativo. “É um dos fundos mais antigos da casa, existe há 22 anos, e vem performando bem”, afirma Sérgio Evangelista, gestor de portfólio da Western Asset. O ganho acumulado em 12 meses está em 5,09%.

O fundo investe em ativos no mercado doméstico, com proposta de buscar rentabilidade acima do CDI, em títulos públicos prefixados, como a LTN (Letra do Tesouro Nacional), e indexados à inflação, como as NTNs-B, além de títulos de crédito privado.

“O destaque no portfólio são os títulos públicos prefixados e de inflação, mas adicionalmente alocamos parte do patrimônio em títulos de crédito privado, como Letras Financeiras (LFs) e debêntures tradicionais”, pontua Evangelista.

A regulação para a formação de carteiras

A regra que regula a composição da carteira dos fundos de renda fixa tradicionais possibilita a aplicação de até 100% do patrimônio em títulos públicos. 

Ou até 50% dos recursos da carteira em títulos privados: CDBs, debêntures (tradicionais ou incentivadas, isentas de imposto de renda), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e Letras Financeiras (LFs).

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Sobre o autor
Tom MorookaColaborador do Portal Mais Retorno.