Covid-19: Qual a visão dos gestores sobre o futuro da economia mundial?
Por mais que as plataformas de investimentos tenham disponibilizado fundos que antes só eram acessíveis aos grandes investidores, a verdade é que poucos tinham o privilégio…
Por mais que as plataformas de investimentos tenham disponibilizado fundos que antes só eram acessíveis aos grandes investidores, a verdade é que poucos tinham o privilégio de ouvir alguns dos mais respeitados gestores do país.
Durante a quarentena, muitos deles, que antes evitavam se expor a todo custo, toparam participar de lives, explicando o que observavam na dinâmica da pandemia como também as alterações realizadas nos fundos de investimentos.
Para quem precisa decidir o que fazer com os seus recursos, dados os riscos, eis aqui o que as mentes mais brilhantes do mercado financeiro citaram como elementos que podem moldar o mundo.
China e Covid-19
A China é o grande tema. Não só pelo peso na economia global, mas também por ter sido o primeiro país a enfrentar a pandemia.
Saíndo da quarentena, os setores que estão trabalhando à plena capacidade são:
- “Factory China”: como é chamado o seu setor produtivo, que abastece o mundo inteiro;
- Construção: o setor de infraestrutura.
O resto do país trabalha em um ritmo classificado como de 90% do normal, sendo que os setores de serviços (hotéis e restaurantes) ainda estão operando de forma restrita. Os chineses, culturalmente mais cautelosos, temem uma segunda onda de contágio. Isso explica porque as escolas ainda estão fechadas.
As autoridades chinesas estão cientes dessa possibilidade, de forma que reservaram recursos públicos para gastar ainda nesse e no próximo ano.
O fato é que muito ainda será decidido com base em novos dados, de forma que a reunião anual da cúpula do governo chinês, um dos eventos mais importantes do país, deixou de impor uma meta de crescimento para o PIB, algo inédito nos últimos 25 anos.
Sinais vitais no Covid-19
Considerando a covid-19, alguns fatores mostram quais países sofrerão menos.
Primeiro, a dependência de mão de obra, como o turismo, por exemplo. Se as pessoas precisam evitar o contato físico, esse é um aspecto importante, que define com que rapidez a economia irá se recuperar.
O país possui um grande número de empresas que podem operar remotamente? Esse é um outro fator. Nações com a predominância do setor financeiro ou de serviços entregues digitalmente, que continuaram ininterruptamente durante as quarentenas, são resilientes o suficiente, independentemente de novas ondas de contágio.
Um terceiro fator é o setor corporativo. Empresas de menor porte enfrentam várias dificuldades para acessar as linhas de crédito, sendo que mal possuem recursos para rupturas de escala global. As companhias abertas, por outro lado, são favorecidas pelo aumento da liquidez dos programas implementados pelos bancos centrais, seja via o mercado de títulos, seja via a bolsa de valores.
Isso é complementado pelo apoio governamental. A facilidade com que países como os EUA captam recursos, sem ver os seus custos de financiamento subirem, explica porque conseguem prover ajuda governamental às familias mais vulneráveis.
A estratégia inclusive se mostra melhor que os programas de proteção ao emprego, dado que mantém setores ineficientes trabalhando, o que impede a recuperação.
Isso nos leva ao próximo ponto.
Setor de tecnologia
As 5 maiores empresas de tecnologia (Microsoft, Apple, Amazon, Facebook e Alphabet) representam, sozinhas, 20% do índice S&P 500.
Elas são as maiores beneficiárias das quarentenas por conta do Covid-19 mundo afora. Pela experiência da China, nada indica que as pessoas retornarão às ruas imediatamente, sem mencionar que alguma forma de trabalho a partir de casa (home office) se tornará permanente.
Entrentanto, o mesmo não pode ser dito sobre o futuro dos chamados “unicórnios”, startups avaliadas acima de US$ 1 bilhão. Como antes o dinheiro buscava altos retornos, visto que os preços dos ativos já se encontravam bastante esticados, o crescimento a todo custo desse tipo de modelo de negócio ainda se justificava. Agora, poucos estão dispostos a ser tão generosos.
Assim, as apostas ficam com as companhias bem capitalizadas, com poder de fogo para comprar outras empresas e novas tecnologias.
Europa e o covid-19
O Banco Central Europeu (BCE) estava passando por algumas mudanças quando o vírus Covid-19 chegou. Diferentemente do caso do Fed, os programas de compra de ativos (como também as taxas de juros negativas) são controversos entre alguns países da Europa.
Pelas regras do BCE, as compras de títulos governamentais são decididas de acordo com o peso de cada país no bloco econômico. Não por acaso, os mais afetados pelo vírus são a Itália e a Espanha, altamente endividados e com menor participação econômica.
Os investidores então começaram a exigir juros maiores para manter os títulos desses países e um programa de compra de ativos mais ambicioso pelo BCE tornou-se necessário para acalmar os ânimos. Contendo 750 bilhões de euros, ele tem por finalidade evitar que o mercado europeu “trave” à medida que os investidores trocam títulos mais arriscados para outros mais seguros.
O problema da Europa é que o seu projeto de integração ainda está em andamento. Como muitos estados membros se recusam a emitir títulos europeus conjuntamente, o novo programa terá flexibilidade suficiente para evitar uma crise anunciada, a exemplo do que ocorreu com a Grécia há pouco mais de uma década atrás.
Novas tendências
Tentando olhar um pouco além, surgem as seguintes tendências, que podem virar investimentos:
Factory Asia
China, Japão, Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura continuarão a representar um grupo importante para a economia global. Afinal, os componentes para computadores e celulares são essencialmente produzidos ali.
Petróleo
A China é o maior importador de petróleo do mundo ao mesmo tempo que os EUA possuem todo o interesse em negociar com a Arábia Saudita e até mesmo com a Rússia. É fato que, se o preço não se estabilizar, muitos produtores de petróleo norte-americanos vão simplesmente quebrar, dado o maior custo de extração do petróleo derivado do xisto.
É pouco provável que o presidente Trump arrisque a sua reeleição, vendo o número de desempregados no setor aumentar por conta do Covid-19.
Regionalização
Os países se voltarão para dentro, limitando o movimento de pessoas e buscando a auto-suficiência.
Isso quer dizer que o investimento direto, de longo prazo, no exterior diminuirá. O mesmo ocorrerá com os fundos de investimentos, que terão mais restrições ao diversificar. De acordo com a revista inglesa The Economist, atualmente, 59% do PIB mundial já conta com regras mais rígidas para investimentos vindos de fora.
Conclusão
Diante do ineditismo da pandemia do Covid-19, muitos gestores de fundos se mostram humildes e atentos.
Procurando por uma referência, buscam nos indicadores da China pistas para o tipo de futuro que teremos. No primeiro país a lidar com o vírus, a produção industrial e o setor de construção estão funcionando à plena carga, apesar do consumo ainda se limitar ao essencial.
Por mais que os chineses contem com uma forma centralizada de governo, é fato que a China encontrou menos dificuldades em trancar todo mundo em casa do que retomar as atividades. Isso quer dizer que a recuperação será lenta, com um excesso de capacidade produtiva que não encontrará a sua respectiva demanda tão cedo.
Ela provavelmente surgirá nos países que concentram poucos setores altamente demandantes de mão de obra, priorizando grandes grupos econômicos cujas atividades não foram interrompidas durante as quarentenas e cujos governos se endividam com relativa facilidade.
Isso nos leva diretamente ao setor de tecnologia.
A Europa não representa nenhuma ameaça de crise iminente, como aconteceu nos anos seguintes à crise de 2008. Algumas medidas que não foram tomadas na época, dado que o projeto europeu ainda é recente, podem ser acomodadas agora, a exemplo do programa financeiro de combate à pandemia.
Não havendo nenhum grande contratempo no meio do caminho, provavelmente 3 grandes teses de investimento vão prevalecer.
A primeira diz respeito à importância da Ásia como fornecedora do mundo de componentes para computadores e celulares, dois objetos dos quais não conseguimos nos desvencilhar. Para os fundos que não conseguem acessar esse mercado diretamente, essa estratégia é via fundo de fundos (FOF) ou índices que possuem alguma exposição à região.
Já a segunda está relacionada ao mercado de petróleo. Sendo uma das referências de crescimento do PIB global, os seus principais produtores evitarão extremos como o visto no mês de abril, quando os contratos de petróleo foram negociados a preços negativos no mercado de futuros. Portanto, as petroleiras continuarão no páreo, mesmo que tenham que acomodar a mudança climática de alguma forma.
Por fim, a globalização vai perder a sua importância, conforme países se voltam para os seus próprios interesses. Isso quer dizer que as melhores oportunidades estarão nos territórios onde o governo implementa políticas de inovação, as empresas facilmente captam recursos e a população de um modo geral guarda mais da sua renda.
Nessa situação ambígua onde todo mundo corre pro risco, dados os juros menores, mas também foge do risco, dadas as incertezas com a pandemia, deixo aqui algo para reflexão:
“Nunca tive um mercado predileto, nem uma direção preferida para operar.”
Márcio Appel