Queda do preço do minério de ferro e de outras commodities castiga a Bolsa; entenda por que
Especialistas explicam os movimentos que resultam em alta ou queda do minério de ferro e os impactos para as empresas
Basta dar uma espiada nas maiores baixas no pregão desta sexta-feira, 17, para entender por que a Bolsa de Valores escorregou para o nível de 111 mil pontos como reflexo da queda no preço das commodities no exterior. A queda é generalizada entre as empresas exportadoras ligadas a esses setores: de mineradoras, siderúrgicas, e petroleiras a papel e celulose.
As ações da Vale caíram 2,02%, porque a companhia que exporta o produto é diretamente afetada pelo recuo dos preços do minério de ferro no mercado internacional. Nessa mesma maré negativa são arrastadas as ações das siderúrgicas, que dependem da commodity na produção. Entre as maiores quedas do Ibovespa, Gerdau tem duas de suas ações, a GGBR4 caiu 6,82% e GOAU4, 5,59%, enquanto CSN recuou 4,73% e Usiminas, 5,31%.
A força desse movimento de baixa das commodities atinge também o petróleo: a Petrobras recuou 4,49% e a PetroRio, 3,93%. O setor de papel e celulose, em que o Brasil é o segundo maior produtor do mundo, também não escapou e as ações da Suzano e da Klabin caíram 3,96% e 2,65% no pregão, respectivamente.
Entenda o que acontece
Após um longo período de alta, atingindo os níveis mais elevados da história com a recuperação econômica e aumento da demanda global depois de um certo controle da pandemia de covid-19, o preço do minério de ferro e de outras commodities voltou a cair. As perspectivas de uma economia mundial mais empacada e as novas regras impostas pelo governo chinês para preservação ambiental estão entre os principais motivos para essa queda.
O Brasil, com um alto nível de exportações, sente os impactos dessa desvalorização, principalmente nas empresas mineradoras e siderúrgicas.
O auge no preço das commodities
A diminuição de casos de coronavírus, associada ao avanço da vacinação pelo mundo, possibilitou uma flexibilização das medidas restritivas de circulação, fazendo com que as pessoas voltassem a sair de casa, trabalhar e consumir mais.
Além disso, os países adotaram políticas monetárias para estimular a economia e permitir uma retomada consistente das atividades. Destaque para os Estados Unidos, onde o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tem um programa de compra de títulos por US$ 120 bilhões mensais. É dinheiro que está sendo injetado nos mercados.
Embora os dirigentes do Fed estejam discutindo o momento para reduzir e finalizar estes estímulos, é certo que, alinhado a um recuo da pandemia, o programa fez com que a demanda do país por commodities aumentasse substancialmente. E não apenas nos Estado Unidos: essa é uma realidade global.
De acordo com Pietra Guerra, especialista em ações da Clear Corretora, a retomada econômica pelo mundo - principalmente entre os países mais ricos - foi muito "rápida e súbita". O mesmo se aplica à demanda do minério de ferro e outras commodities, ela cresceu muito em pouco tempo.
Para Marcio Sette Fortes, economista, professor de Relações Internacionais do Ibmec e conselheiro da Associação de Comércio Exterior do Brasil, o que o mundo acompanhou foi "uma demanda aquecida por um lado e, por outro, uma oferta mundial de metais limitada".
O especialista destaca, inclusive, que a Vale, uma das maiores exportadoras de minério de ferro do mundo, está com os níveis de produção abaixo de sua capacidade máxima. A própria companhia informou, em relatório apresentado na última semana, que as novas orientações de produção para os próximos anos prevê redução de alguns números, além de deixar a retomada para um volume de produção de 400 milhões de toneladas por ano (Mtpa) para um prazo indefinido.
Esse volume já estava projetado para 2022. No entanto, a mineradora reduziu as estimativas para 370 Mtpa para o próximo ano. As expectativas de produção da companhia até o fim de 2021 estão em 343 Mtpa. Atrasos no licenciamento do Sistema Norte são a principal razão para essa redução dos números da Vale.
Somam-se à alta demanda e uma oferta não suficiente os problemas logísticos trazidos pela pandemia. A principal forma de transporte entre os países é pelo mar e, com a grande procura por espaços em navios para exportar produtos com o "boom" da retomada econômica, o preço do frete marítimo disparou.
Fortes explica que o encarecimento do transporte, além das barreiras sanitárias encontradas no caminho - muitos portos foram e ainda são fechados com indícios de casos de covid - também contribui para o aumento expressivo do valor das commodities. O minério de ferro, por exemplo, foi um dos produtos que mais subiu. Os contratos futuros do produto registraram máximas históricas de mais de US$ 200 entre abril e julho deste ano.
Desaceleração, novas regulamentações e queda
"Depois de um dia de muito sol, vem a chuva", afirma o professor do Ibmec, para explicar o atual movimento do minério de ferro no mercado global: de queda acentuada. Para o economista, há um conjunto de fatores puxando o preço desta e de outras commodities para baixo.
O primeiro deles listado por Fortes e reafirmado por Pietra Guerra, da Clear, é a desaceleração da economia global. Depois de um grande salto, os países passaram a observar uma redução no crescimento, o que gera também uma menor demanda por parte dos consumidores.
A desaceleração é percebida também na China, maior demandante de minério de ferro. O professor explica que o país asiático "estava com uma inflação observada nos preços de imóveis e, com isso, o investimento no setor teve uma retraída, o que também reduziu a demanda por aço (que é feito a partir do minério). Tudo isso, na perspectiva chinesa, derruba o contrato futuro do minério de ferro para baixo."
Simultaneamente, os especialistas ressaltam que o país asiático vem adotando medidas restritivas para a produção de aço, com os órgãos regulatórios atuando na proteção ambiental. Essas novas regras estão levando o preço da commodity a despencar nas últimas semanas. No fechamento da última terça-feira, 14, o contrato futuro do minério já era cotado a US$ 120,65.
Mesmo com a queda, o preço do produto ainda está bem acima do patamar observado antes da disparada da demanda com a retomada econômica. Há um ano, em setembro de 2020, o contrato futuro do minério de ferro era negociado próximo dos US$ 90.
Com essas perspectivas no radar, Marcio Sette Fortes explica que as siderúrgicas chinesas, que são os principais usuários do minério de ferro, estão segurando as compras para esperar os preços caírem ainda mais.
Se há alguns meses a baixa oferta da commodity encareceu a sua negociação, agora as projeções do especialista são de que os estoques portuários devam chegar no fim de 2021 com um volume de 5% a 15% maior que no anterior, ajudando a derreter os preços.
Perspectivas futuras para o minério de ferro
Para a especialista em ações da Clear Corretora, "é difícil precisar se a tendência (para o preço do minério de ferro) é de queda, mas o cenário deve continuar pressionando para baixo e dificilmente (a commodity) vai chegar às máximas históricas vistas há alguns meses." Ela destaca que o governo chinês deve continuar com as medidas para transformar a produção de aço na região.
Fortes também ressalta que a "manutenção de ímpeto da economia pelos estímulos monetários nos países provavelmente vai acabar, o que leva a uma contínua perspectiva de desaceleração econômica. Então, o preço das commodities minerais metálicas deve continuar caindo até se estabilizar, um fator acomodatício para os preços."
No entanto, o economista pondera que o mercado é muito volátil e, qualquer evento pode alterar as percepções para valor dos produtos.
Já os analistas do BTG Pactual Digital, em relatório divulgado nesta semana, apontam que, "apesar das ações intervencionistas da China no mercado de minério de ferro seguirem contratando viés baixista para os preços", o "panorama de preços estruturalmente em patamar elevado deve ser visto nas hard commodities" nos próximos meses.
Como as empresas reagem com a queda do minério de ferro
A principal companhia brasileira e uma das mais importantes do mundo quando o assunto é minério de ferro, a Vale viveu um primeiro semestre muito positivo, avaliam os analistas. A especialista em ações da Clear afirma que houve uma forte geração de caixa da mineradora neste período.
Marcio Sette Fortes explica que a boa performance da empresa, no entanto, está atrelada principalmente ao aumento do preço do minério de ferro no mercado. "A Vale performou muito bem quando a gente olha para o desempenho dos papéis. Agora, os níveis de produção estão muito abaixo do que poderia ser". Assim, o economista acredita que a companhia deve estar atenta a outros fatores além de somente o preço das commodities.
Para Pietra Guerra, o investidor tem que observar se, nos patamares atuais do preço do minério, a geração de caixa da mineradora vai ser boa, uma vez que, com a recente desvalorização, as ações da companhia já "sentem na pele" o impacto.
A capitalização de mercado da Vale há 10 anos girava em torno de US$ 150 bilhões. Mesmo com a disparada do minério nos últimos meses, entretanto, a companhia não observa essa valor há um bom tempo. Hoje, a capitalização de mercado da mineradora está em US$ 92 bilhões. Fortes considera que, com essa visão atual, a empresa tem bastante espaço para valorização. Desde que observe seus pontos de melhoria, como produção e pauta ambiental.
Outras empresas do ramo de mineração e siderurgia também acompanham o mesmo movimento de baixa da Vale. No mês, enquanto os papéis da mineradora já caíram 10,89%, Usiminas e CSN recuaram 15,59% e 10,27%, respectivamente. Todas entre as 10 maiores baixas de setembro até aqui. A Gerdau também caiu, com variação negativa de 6,78%.
O economista afirma que "o encolhimento da economia de forma global tende a puxar tudo para baixo". Mas há também as empresas que podem se beneficiar do momento que o mundo vive, com uma tendência maior entre diferentes países de adotar políticas de proteção ambiental, como a China.
Neste sentido, Fortes considera que as companhias que trabalham com minerais ligados à preservação do meio ambiente, como o lítio, que é usado em baterias de carros elétricos, "podem viver um momento de respiro", mesmo com a desaceleração econômica. Ele cita como exemplo a empresa canadense Sigma Lithium que, em um ano, teve um avanço de 361,71% em suas ações, de acordo com informações do site Investing.
Impactos para o mercado brasileiro
O professor do Ibmec considera que o Brasil "aproveitou muito bem e foi muito bem remunerado pelo preço do minério de ferro no período da valorização, principalmente no primeiro quadrimestre". Fortes explica que o exportador brasileiro ganhou tanto pelo aumento no preço das commodities quanto pela apreciação do dólar frente ao real, uma vez que as negociações dos produtos são feitas com base na moeda americana.
No relatório do BTG Pactual, os analistas destacam que embora os preços de algumas commodities, em particular de minério de ferro, estejam caindo, eles continuam em patamar muito acima do que foi observado em anos anteriores, sem levar a uma desaceleração das exportações destes produtos.
Dessa forma, os especialistas consideram que o cenário de exportação de commodities no Brasil para os próximos meses segue positivo "devido à expectativa de superação da variante Delta, busca pela recomposição de estoques ao redor dos mercados globais e taxa de câmbio em patamares favoráveis ao setor exportador".
Entretanto, conforme afirma Pietra Guerra, a alta do preços das commodities é em boa dose responsável pelo avanço da inflação no mundo, e o Brasil não fica imune a esse movimento.
"A tendência das moedas dos países exportadores é se valorizar com a maior demanda pelos produtos. Porém, houve um descolamento e o real não apresentou nenhuma tendência maior de valorização com a alta das commodities", explica Marcio Sette Fortes. Ele ressalta ainda que o dólar mais caro também influencia muito a escalada de preços internamente, uma vez que o Brasil também depende de produtos importados.
O economista finaliza dizendo que "ano passado, com a pandemia, caiu a produção das commodities, o que afetou o real, que se desvalorizou mais do que os especialistas consideravam o adequado. Isso ajudou os exportadores a ter melhor remuneração, mas o câmbio também impacta a inflação e temos que pensar nisso".