Quando a bolsa sobe, o dólar cai? Não ultimamente; entenda o porquê
A bolsa de valores e o dólar fecharam oito dias, dos 18 úteis de março até agora, com o mesmo sinal, positivo ou negativo – no…
A bolsa de valores e o dólar fecharam oito dias, dos 18 úteis de março até agora, com o mesmo sinal, positivo ou negativo – no total, foram cinco dias de alta de bolsa e dólar e três dias de queda. Mas o que faz os dois mercados caminharem na mesma direção?
Afinal, o fechamento no mesmo compasso desses dois ativos de risco em quase metade dos dias úteis do mês destoa do padrão tradicional desses mercados. Padrão que se traduz na ideia, tradicional e bastante comum, de que quando a bolsa sobe o dólar cai e quando a bolsa cai o dólar sobe.
A ideia vem de muito tempo. Apoiada em certa lógica, ainda que nem sempre comprovada. Presumia-se que a bolsa de valores caía e o dólar subia porque o investidor estrangeiro que vendia ações precisava comprar dólares para levar o dinheiro ao exterior.
Esse tipo de análise convencia porque, historicamente, a participação do capital externo quase sempre deu direção à bolsa. Época em que o investidor doméstico se recolhia do mercado de ações. Era mais lucrativo e fácil surfar na onda fácil de ganho seguro com as altas taxas de juro.
O tempo agora é outro. Ressabiado, o investidor externo está sem apetite pelas ações brasileiras. Seu lugar foi ocupado por investidores locais, boa parte novatos.
Vieram à bolsa migrando da renda fixa, em busca de ganhos que os juros nanicos deixaram de proporcionar. E resistem à queda da bolsa, porque não têm ainda para onde correr. A Selic voltou a subir, mas ainda está em nível insuficiente para vencer a inflação.
Volatilidade alterou o padrão dos mercados
O economista Alexandre Almeida, da CM Capital, diz que não se surpreende com esse comportamento recente de bolsa e dólar. “Um resultado normal se avaliado sob o ponto de vista do dia a dia dos mercados.”
Principalmente em um ambiente permeado por muitas dúvidas e incertezas, políticas, econômicas e sanitárias.
“Março tem sido um mês de grande volatilidade, causada por indicadores econômicos, notícias políticas, avanço da pandemia, preocupações com a questão fiscal”, enumera Almeida.
Inflação em alta, escalada do dólar, queda de atividade, elevação da Selic, decisões de ministros do STF que acirram as críticas contra o tribunal, ruídos políticos de toda ordem. E tantos outros fatores de instabilidade.
Atravessamos um quadro de volatilidade forte, analisa Almeida, que cria certa anomalia na movimentação dos mercados, como a bolsa de valores e o câmbio. “Cenário que desvia o comportamento dos mercados daquilo que é visto como padrão normal de funcionamento.”
Oscilações não explicam tudo. Tem muito mais
Os motivos que levam ao desvio do padrão tradicional de funcionamento dos mercados vão além, segundo especialistas. Um deles tem a ver com uma operação, com polpudos ganhos, feita à margem do mercado à vista de ações e de juros.
O lucro dessas operações, conhecidas como carry-trade, é dado pela diferença entre as taxas de juro internas, mais elevadas, e as do exterior, mais baixas. Em geral, a referência para a comparação, no exterior, são os juros dos títulos americanos. Por aqui é a Selic, mas o que atrai o investidor são os juros futuros, em forte escalada.
Esticão dos juros futuros estimula a carry-trade
O responsável pela mesa de renda variável da Unnião Investimentos, Eduardo Plastino, comenta que fatores locais e internacionais influenciam pontualmente os mercados. E explicam boa parte dos movimentos nesses segmentos. Mas não apenas isso.
“A curva ascendente dos juros futuros tem muita correlação com o comportamento recente do dólar”, relata ele.
Segundo Plastino, a persistente inclinação (elevação) da curva de juros futuros, como reflexo principalmente do agravamento do risco fiscal brasileiro, tem atraído os investidores para as operações carry-trade.
É uma operação que movimenta bilhões de dólares pelo mundo, explica, e consiste em captar recursos baratos no exterior, por juro baixo ou perto de zero, para aplicar em mercados que oferecem taxas mais atraentes.
“São investidores que ignoram o risco em troca de uma rentabilidade maior”, afirma o executivo. A atratividade cresce à medida que o juro futuro ganha alturas. A taxa de referência para comparação é entre a Selic, de 2,75% ao ano, e os juros em torno de zero a 0,25% dos títulos americanos de curto prazo. O lucro, contudo, vem da escalada dos juros futuros negociados em contratos na B3.
O ingresso de capitais atraídos pelas operações de carry-trade é um dos fatores que enfraquecem o dólar quando os juros sobem. “Quanto mais a curva de juros futuros abre, mais atração de capital haverá para aproveitar o diferencial de juros, e mais o dólar cai”, analisa o responsável pela mesa de renda variável da Unnião Investimentos.
Os contratos de juro futuro para vencimento em janeiro de 2023 (DI F 2023) fecharam esta quarta-feira, 24, em 6,59%. Esse porcentual, explica Plastino, corresponde ao total de juros acumulados dia a dia (conta inclui apenas os dias úteis) estimado desde dia 24 até janeiro de 2023. E não o nível onde a Selic, atualmente de 2,75% ao ano, poderia estar em janeiro de 2023, como erroneamente se pensa.
As operações carry-trade levam a uma mudança de trajetória dos mercados que chega a destoar de um cenário, no momento muito fugaz, de otimismo ou pessimismo. Com um efeito poderoso sobre eles.
Como o juro alto derruba o dólar em dia de alta da bolsa
Em 9 de março, o mercado financeiro reagiu à anulação das sentenças condenatórias do ex-presidente Lula em ações relacionadas à Lava-Jato, na véspera. A resposta foi de forte queda da bolsa de valores e firme valorização do dólar.
Em ambiente de renovado pessimismo e mau-humor, a bolsa caiu 3,98% e o dólar avançou 1,67%, no dia. Os dias seguintes foram de recuperação da bolsa, mas o câmbio ficou sem força. O dólar recuou 2,50% no dia 10 e mais 1,94%, dia 11. Pressão de venda de dólares para realização de lucro por quem ganhou com esticão? Em parte, sim.
O agravamento de expectativas com a inflação, causado pela escalada do dólar, pressionou com mais força os juros futuros. Movimento que atraiu o capital estrangeiro, próprio ou captado com juro baixo, para a renda fixa brasileira. Com o aceno de uma remuneração sedutora. Dependendo do vencimento, juros ao redor de 7% ao ano. O juro americano de curto prazo roda em torno de zero a 0,25% ao ano.
Ganho é elevado, mas opção é para poucos
O rendimento das operações de arbitragem, derivado da diferença de taxas de juro local e internacional, tem atraído cada vez mais investidores. Senão por outros motivos, porque, sobra dinheiro nos mercados globais. Políticas públicas de estímulo monetário e fiscal para o combate à pandemia ampliaram a oferta de moeda em um ambiente de juros em torno de zero.
Não à toa esses capitais estão ávidos atrás de remuneração compensadora. As operações carry-trade são essa oportunidade. Único senão é o risco fiscal. Quem parece ignorado pelos investidores pela perspectiva de lucro elevado.
Um ganho, contudo, que não está ao alcance de qualquer investidor. Apenas para os de maior cacife, detentores de grandes volumes de capital, como os que giram bilhões de dólares nessas operações. Não apenas no Brasil, como em todos os mercados. Sobretudo os de países emergentes, que, com fragilidade fiscal, lidam com juros mais altos