Perspectiva de redução de incentivos à economia dos EUA pode seguir afetando o mercado financeiro
Redução de estímulos monetários diminui a liquidez nos mercados, e isso afeta a Bolsa
O mercado financeiro pode continuar repercutindo negativamente à revelação trazida pela ata da última reunião do Fed (Federal Reserve, banco central americano) de que os integrantes do Comitê de Mercado Aberto (FOMC) discutiram a possibilidade de iniciar ainda este ano a redução do ritmo de compra de títulos.
A compra de títulos, que injeta cerca de US$ 120 bilhões mensais no sistema financeiro americano, é parte do programa de estímulos monetários do Fed para auxiliar a retomada da economia americana. Parcela desse dinheiro transita por mercados financeiro de outros países, entre eles, o Brasil.
O temor de que esses recursos deixem de fluir para o País estressou o mercado financeiro após a divulgação da ata. A Bolsa de Valores acentuou a trajetória de queda e o dólar reforçou a marcha batida de alta, embora o Fed tenha indicado que a redução da compra de ativos não seja a senha para a elevação antecipada das taxas de juros nos EUA.
Ressabiado, o mercado reagiu com mal humor à ata. A B3 fechou com queda de 1,07%, a terceira consecutiva, que ampliou a desvalorização acumulada em três dias da semana para 3,76%. O dólar, que subiu 1,99% ontem, acumula valorização de 2,48%.
Cenário doméstico também é negativo para o mercado financeiro
Especialistas atribuem também a baixa das ações e a alta do dólar ao cenário de incertezas domésticas ligada à instabilidade política, gerada sobretudo pelo embate entre os Poderes, e à insegurança com o equilíbrio fiscal. Nesse ambiente, afirmam especialistas, o investidor estaria procurando o mercado de dólar como proteção ao patrimônio.
A escalada dos juros futuros, empurrada pelo temor com a crise política e com o ajuste das contas públicas, também têm contribuído para deprimir o mercado de ações.
Juros de alguns contratos de vencimentos mais longos, como os de janeiro de 2027, já embicaram acima de 10% ao ano e, de acordo com especialistas, têm atraído investidores da renda variável para a renda fixa. Em meio a tantas incertezas, dizem gestores, é uma forma de assegurar a cada ano um rendimento acima de 10%, praticamente o dobro da Selic atual de 5,25%, com baixo risco, fora de um ambiente mais volátil do mercado de ações.
Risco político e fiscal
No ambiente doméstico, as atenções do mercado se voltam à confecção da peça orçamentária de 2022, em meio ao imbróglio envolvendo o pagamento dos precatórios e ao desejo do presidente Jair Bolsonaro de expandir o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, para tentar recuperar a popularidade. Bolsonaro aparece atrás do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto.
"O governo já não consegue ancorar mais as expectativas. O presidente perdeu muito do seu capital político e existe o risco de que ele jogue o fiscal pela janela para tentar se reeleger", afirma o head de câmbio da Acqua-Vero Investimentos, Alexandre Netto.
Em audiência no Congresso Nacional, o secretário do Orçamento Federal, Ariosto Culau, disse que, sem o parcelamento dos precatórios, todos os programas do governo em 2022 estarão comprometidos.
Culau argumentou que a PEC dos precatórios é uma forma de manter o teto de gastos sem sacrificar programas meritórios. "Não estamos propondo que o teto seja rompido, parcelar precatórios torna a regra efetiva", afirmou.
O head de Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, afirmou que, embora o Brasil já tenha estado à beira do abismo em certas ocasiões, sempre houve um recuo por parte da classe política na direção de preservar uma racionalidade mínima na condução das contas públicas.
"É difícil acreditar que vão seguir nessa linha de burlar o teto de gastos. Essa piora dos ativos domésticos faz parte da pressão do mercado para um ajuste na rota", diz o tesoureiro do Travelex, ressaltando que o nível de incerteza é hoje muito grande. "Eu geralmente tenho uma convicção da direção dos ativos, mas neste momento está muito difícil".
A consultoria Eurásia divulgou na véspera um relatório rebaixando a trajetória de longo prazo do Brasil de neutra para negativa, com a avaliação de que a preocupação fiscal e a inflação persistente devem piorar as expectativas para o desempenho da economia em 2022.
A empresa também afirma que as tensões institucionais devem piorar a qualidade da pauta no Congresso e que o ambiente econômico ruim enfraquece Bolsonaro, o que incentiva o presidente a tentar deslegitimar as eleições.
CPI da Covid
No dia anterior, o colegiado da CPI ouviu o advogado da Precisa Medicamentos, Túlio Silveira. O depoente foi ao Senado na condição de testemunha, mas saiu da comissão integrando a lista de investigados.
A decisão inicialmente partiu do relator, Renan Calheiros, e depois foi chancelada pelo colegiado da CPI, que também aprovou incluir o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, nessa lista.
Para justificar a decisão sobre Silveira, Renan afirmou que o "silêncio constrangedor do depoente", como classificou, "ecoava indícios de participação em prováveis negociações".
Alegando respeito ao sigilo profissional de sua relação de advogado da Precisa, Silveira não respondeu perguntas sobre o processo de compra pelo governo federal da vacina indiana Covaxin, intermediada pela Precisa.
"Meu cliente goza do princípio da presunção da inocência, e repudia qualquer acusação de imputação que seja feita a ele neste momento", declarou o defensor de Silveira, Eduardo de Vilhena Toledo, ao fim do depoimento.
NY: futuros em queda
Nos Estados Unidos, os futuros negociados nas bolsas de Nova York operam em baixa com os investidores preocupados com o fato de que o Fed possa começar a reduzir estímulos ainda este ano, por conta da ata do Fomc.
Eles estão se preparando para a retirada da liquidez sem precedentes nos mercados globais, à medida que o mundo desenvolvido busca vacinações em massa para manter a recuperação econômica no caminho certo.
No entanto, a disseminação persistente do coronavírus e a desaceleração do crescimento da China levantam questões sobre como a economia global poderá absorver o choque desta nova variante.
O próximo momento importante para os investidores é a conferência do Fed em Jackson Hole, que acontecerá entre os dias 26 e 28 de agosto, na qual os dirigentes podem trazer um detalhamento maior sobre a redução do estímulo.
Bolsas asiáticas fecham em baixa
As bolsas asiáticas fecharam em baixa nesta quinta-feira, com o Fed, em meio a preocupações sobre possível aperto regulatório na China e o avanço da variante delta do coronavírus pelo mundo.
O índice acionário japonês Nikkei caiu 1,10% em Tóquio hoje, aos 27.281,17 pontos, enquanto o chinês Xangai Composto recuou 0,57%, aos 3.465,55 pontos e o Hang Seng teve queda de 2,13% em Hong Kong, aos 25.316,33 pontos.
O sul-coreano Kospi se desvalorizou 1,93% em Seul, aos 3.097,83 pontos, seu menor nível em quatro meses, e o Taiex registrou expressiva perda de 2,68% em Taiwan, aos 16.375,40 pontos.
A rápida disseminação da delta e outras variantes do coronavírus prejudica o apetite por risco. Na ata, o Fed ressaltou que esse fator reforça as incertezas sobre o cenário econômico global.
Há também temores de que o governo chinês torne ainda mais severa a regulação contra empresas de tecnologia derrubou hoje as ações de gigantes do setor.
Exceção nesta quinta, o índice chinês de menor abrangência Shenzhen Composto teve alta de 0,20%, aos 2.417,23 pontos.
Na Oceania, a bolsa australiana seguiu o tom majoritariamente negativo da Ásia, pressionado por mineradoras e petrolíferas, que sentiram os efeitos de quedas nos preços do minério de ferro e do petróleo. O S&P/ASX 200 caiu 0,50% em Sydney, aos 7.464,60 pontos. / com Júlia Zillig e Agência Estado