Economia

Ouro e crises: uma relação para a vida

O ouro e as crises econômicas possuem uma relação muito antiga. É só explodir uma possível recessão que os investidores voltam a olhar para essa classe…

Data de publicação:28/04/2022 às 09:00 - Atualizado 3 anos atrás
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O ouro e as crises econômicas possuem uma relação muito antiga. É só explodir uma possível recessão que os investidores voltam a olhar para essa classe de ativos com muita atenção.

Apesar de parecer muito distante no nosso dia a dia atualmente, principalmente no Brasil, este metal ainda tem um papel fundamental nas carteiras dos investidores e gestores mais experientes — especialmente pelo seu caráter de proteção de um patrimônio.

No artigo de hoje, nós vamos te explicar melhor essa relação entre o ouro e as crises globais, assim como mostrar como você pode investir nessa classe de ativos.

As principais características do ouro

Antes de falarmos sobre recessões e o comportamento do ouro, por que esse metal é visto como tão importante no mundo dos investimentos? Em primeiro lugar, ele é uma proteção clássica contra a inflação. Vale lembrar que a inflação corrói o poder de compra da moeda, mas o ouro tem conseguido, ao longo das décadas, preservar esse poder.

O ouro também é uma commodity. Ou seja, pode servir de matéria-prima para algumas indústrias. Seu preço tem bastante influência da oferta (que é finita) e demanda desses segmentos, mas o seu histórico de reserva de valor modificou ao longo das décadas o seu caráter dentro da classe de ativos.

Você já escutou alguém falar em comprar alguns grãos para se proteger de alguma adversidade no mercado? Mesmo na forma física? Usualmente, não né. Aliás, é bem raro recomendar exposição a esse tipo específico de commodities quando estamos falando de composição de carteira para um investidor tradicional.

A própria característica do material abre essa diferença. No limite, você poderia guardar um colar de ouro por décadas e preservar seu valor. Certamente essa realidade é diferente com o caso da soja ou do milho, por exemplo, para citar outros tipos de mercadorias.

Outro ponto de divergência é que as demais commodities tendem a ter forte queda nos preços em momentos de crise, justamente sinalizando a queda do consumo mundial. Já o ouro tende a ir no sentido contrário, não raro se valorizando bastante durante as inúmeras crises que o mercado passa.

O ouro em crises

Existem poucos ativos mais descorrelacionados do que o ouro. Tempo ruim é com ele mesmo. Chega a ser impressionante como ele raramente se desvaloriza mesmo em um cenário extremamente negativo para o sistema financeiro global. É um ativo com propriedades "anti-crises".

A ideia, entretanto, é provar o que é dito em teoria. Portanto, vamos acompanhar a evolução do preço do ouro desde 1960, apontando também as principais crises globais até os dias atuais — incluindo a mais recente, da pandemia causada pelo surto da COVID-19.

O gráfico abaixo apresenta essa curva ao longo do tempo.

Note como, em muitas dessas crises, o ouro apresentou um cenário de ciclo de alta. Isso fica muito claro durante a Crise do Subprime, em 2008, uma das mais impactantes da história para o sistema financeiro global. Se nem mesmo o gigantesco banco Lehman Brothers sobreviveu ao período turbulento, o preço do ouro apresentou forte valorização.

O mesmo aconteceu em 2020. O ano foi marcado por problemas para a renda variável em função da pandemia, mas o ouro foi um dos poucos ativos que tiveram destaque no período, com rentabilidade anual de 55,9% (em reais) — bem acima do dólar (+29,3%), câmbio que costuma atrair investimentos em crises pela segurança de ser a moeda do maior PIB global.

O ouro e os juros americanos

Falando em Estados Unidos, outro bom comparativo para o ouro é com os juros americanos. Isso porque, quando o governo opta pela elevação da taxa, isso atrai os investidores (o motivo é uma melhor remuneração para investir em um país considerado como seguro).

Apenas a título de comparação, a correlação entre o preço do ouro e o juro longo de 10 anos dos bonds americanos era de -0,76 considerando os dados diários de 2017 até a metade de maio de 2020. Em outras palavras, são ativos fortemente inversamente relacionados (como o gráfico sugere).

Isso fica ainda mais fácil de entender quando olhamos o preço dos ativos mais importantes da nossa economia em paralelo. No gráfico abaixo, temos a oscilação do valor do ouro (primeiro gráfico) em comparação com os títulos americanos de 10 anos e o próprio dólar.

Observe como o ouro apresenta uma correlação negativa com os demais ativos, apresentando até mesmo uma boa valorização enquanto que os outros produtos tiveram quedas significativas.

A importância da diversificação de investimentos

Encontrar ativos desse tipo é essencial para a carteira de qualquer investidor. Dessa forma, sempre que a curva de juros americana começarem a declinar, como vinha acontecendo desde 2018, a tendência é justamente o preço do ouro ir no sentido contrário.

Por mais que você não consiga traçar muito bem um cenário para a tendência do preço do ouro, a alternativa é traçar para o bond americano, baseado nas expectativas de mercado quanto as principais variáveis macroeconômicas que ditam esse ativo.

Inflação, atividade econômica e situação fiscal costumam ser um bom começo de conjuntura dos Estados Unidos. Feito isso você consegue ter uma noção melhor do que vai acontecer com o ouro sem necessariamente traçar um cenário direto para ele.

Eu posso investir em ouro no Brasil?

Quando falamos de investir em ouro pensando na diversificação dos seus investimentos, isso não significa que você deva ir atrás de barras de ouro — como aquelas prometidas pelo apresentador Silvio Santos em seus programas de televisão.

Na realidade, existem diversas formas de expor uma parcela do seu patrimônio ao ouro no Brasil de uma maneira bem mais simples. E a melhor delas é utilizar de um fundo de investimentos que ofereça esse tipo de alocação estratégica, aportando o capital dos seus cotistas em ativos atrelados ao ouro.

Existem diversos fundos que permitem essa abordagem, o que é uma boa notícia. A maioria deles tem "ouro" no nome, facilitando a identificação. Abaixo, podemos ver a rentabilidade de três exemplos de fundos que buscam replicar o desempenho desse ativo: um da XP Investimentos, um do Itaú e outro do BTG Pactual.

Ao observar essa comparação de, aproximadamente, dois anos, observe como os três fundos têm um desempenho muito parecido (a diferença pode se originar das taxas cobradas por cada produto). 

Além disso, embora não seja a análise temporal ideal, o período já mostra como o ouro é uma boa opção de longo prazo — vencendo não apenas o CDI, como também o IPCA, nosso principal indicador de inflação. No entanto, alertamos: esse tipo de conclusão exige uma análise de, ao menos, cinco anos.

O ouro é um investimento seguro?

O ouro vem para aumentar a diversificação da sua carteira e servir como proteção também, não tendo objetivo único de te fazer rico ou de superar com folga qualquer benchmark.

Para quem tiver mais curiosidade, há um estudo bastante interessante chamado “Gold - Fundamental Drivers and Asset Allocation”, que além de mostrar as variáveis que fundamentam o preço do ouro, ainda examina o papel do ouro na alocação de ativos e mostra que ele aumenta significativamente a relação de risco-retorno em uma carteira com ações, títulos e cash.

Quer dizer que é só sair comprando uma parcela de ouro para sua carteira e tá tudo certo?

Óbvio que não. O fato dele ser usado como hedge não quer dizer que ele é um ativo altamente seguro. Pelo contrário, ele tem uma volatilidade bastante elevada, inclusive.

A questão é mais profunda. Você precisa olhar sua carteira como um todo (considerando renda variável, renda fixa, moedas, ativos imobiliários etc.) e verificar se a adição de um ativo como o ouro vai aumentar ou reduzir a volatilidade da sua carteira.

Sim, por mais que ele seja volátil, caso tenha algum ativo bastante negativamente correlacionado com ele, você pode inclusive reduzir a volatilidade da sua carteira ao incluí-lo.

Estranho né? Pois é, esse é o poder da diversificação e correlação. Às vezes adicionar um ativo individualmente volátil pode reduzir a volatilidade da carteira de uma forma geral.

O Bitcoin pode ser uma reserva de valor como o ouro?

No período recente, ganhou destaque uma corrente que defende o Bitcoin como uma nova reserva de valor, assim como o ouro e o dólar. No entanto, ao menos por enquanto, não somos muito adeptos dessa teoria.

Vale lembrar que o Bitcoin é uma criptomoeda e, como tal, possui uma volatilidade bem superior a qualquer outra classe de ativo — inclusive o mercado de ações. Além disso, por ser uma novidade, o seu comportamento em períodos de crise ainda oferece certa imprevisibilidade.

Por fim, vale mencionar que os ativos digitais não possuem lastro. É diferente do ouro ou do dólar, que são produtos que podem sim ser lastreados. Portanto, se o objetivo é uma proteção contra crises, ainda não recomendamos o uso do Bitcoin como substituto ao uso do ouro, ok?

Agora é a hora de comprar ouro?

Devo comprar ouro agora? Devo comprar dólar? É o tipo de pergunta que sempre aparece em momentos de incerteza no mercado. Fique tranquilo, se você está nessa agora, não é o primeiro e provavelmente não será o último.

A gente sempre vê o ativo individualmente, sendo bem mais difícil pensar nele como parte de uma carteira (ou avaliar a sua função para além da rentabilidade em um período de tempo isolado). Há um preço por se pensar nele como alternativa sempre em momentos de stress, onde exatamente a maioria também está no mesmo barco.

Por outro lado, há diversos gestores de carteira que recomendam sempre ter uma parcela da sua carteira alocada nesse tipo de ativo. As recomendações costumam variar de 5% até 10%, dependendo do seu perfil e da sua composição atual, mas em geral nunca mais do que isso.

Talvez isso tire um pouco da sua performance naquele bull market maravilhoso, mas te poupa também o trabalho de ter que correr para ele tão logo uma crise ou uma situação global bastante adversa apareça.

Nessas horas, com sua parcela de ouro valorizando é possível inclusive reduzir sua posição nele e alocar em outros ativos que possivelmente estarão com preços mais “atrativos”.

Vale destacar que, idealmente, a nossa carteira deve ter essa parte de proteção definida em períodos positivos da economia. Muitos investidores só se lembram dela quando uma crise estoura (e acabam pagando caro, literalmente, para comprar ouro no auge do desespero).

Conclusão

A maior parte dos investidores brasileiros ainda está começando a sua jornada no mundo financeiro, onde sempre esteve muito presente em ativos com baixo risco, mas numa época em que os juros eram suficientemente altos para o acúmulo de patrimônio ao longo dos anos, né?

Agora a tendência do jogo mudou e todos nós estamos desafiados a começar a estudar melhor nossa carteira, a descer do conforto do juro alto e procurar novas classes de ativos para inclusive controlar o risco adicional que provavelmente iremos correr.

Com uma leva enorme de novos investidores “entrando na bolsa” nos últimos meses, é preciso que o máximo de classes de ativos seja apresentado para eles. O ponto é justamente compreender que não existe apenas “bolsa brasileira” ou “juros” como alternativas para sua carteira.

É aqui que surgem novas realidades (de ativos já muito antigos) como o ouro ou o próprio dólar. É uma pena que eles começam a surgir como alternativa apenas durante momentos de crise, mas talvez seja a única forma de “chamar atenção” de mais de 1 milhão de pessoas que começaram a cuidar melhor do seu dinheiro nos últimos anos.

Sobre o autor
Stéfano BozzaFormado em Administração pela PUC-SP. Trabalhou em empresas do segmento financeiro (Itaú BBA) e varejo (BRMALLS) até 2016, quando iniciou a jornada de produção de conteúdo para a internet com foco em finanças.