Juros elevados no crédito complicam a vida do endividado; especialistas indicam 6 passos para sair do caos financeiro
É preciso cortar os gastos, aumentar a renda ou as duas providências juntas
A escalada dos juros e a sua manutenção em níveis elevados por um bom tempo, até que a inflação esteja sob controle e em queda como avisa o Banco Central, dificulta ainda mais a vida de quem precisa de crédito ou já está endividado. Os juros comem a maior parte da prestação e sobra pouco para amortizar a dívida. É como enxugar gelo. Mas há saídas, especialistas em finanças apontam aqui quais são.
O juro médio bancário está acima de 50% ao ano (3,44% ao mês), de acordo com o Banco Central, mas dependendo da linha de financiamento, a taxa chega a 130% ao ano (7,19% ao mês) no cheque especial ou em exorbitantes 369% ao ano (14% ao mês) no rotativo do cartão de crédito. "São os juros mais altos do mundo, não apenas do Brasil", diz o economista e professor de macroeconomia do Ibmec, Ricardo Hammoud.
Trata-se de crédito de fácil acesso, que está à mão do consumidor, e por isso é mais caro, para cobrir os riscos de inadimplência da operação. São modalidades, portanto, que devem ser evitadas ao máximo.
Considerando essas taxas, e o fato de que a redução da saldo devedor é feita a conta-gotas por causa dos juros elevados, fica fácil entender os números do endividamento e da inadimplência no País.
Em cada 10 brasileiros, praticamente 8 têm dívidas a pagar, de acordo com o último levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O endividamento no País chegou a 79% em agosto. Consequentemente, os números da inadimplência são elevados: 66,8 milhões de pessoas deixaram de pagar seus compromissos e estão com o 'nome sujo' na praça, de acordo com dados da Serasa.
A planejadora financeira da plataforma SuperRico, Paula Bazzo, faz uma conta rápida, mas esclarecedora: em um empréstimo de R$ 150 mil com juros de 5% ao mês para pagamento em 48 meses, a prestação será de R$ 8.297. Mas desse total, R$ 7.500 são pagar os juros da primeira parcela e somente R$ 797 vão abater a dívida.
Lembrando ainda que na concessão de crédito há outras despesas como taxa de cadastro, de seguro e impostos que compõem o Custo Efetivo Total (CET) e elevam ainda mais a despesa final.
O que pesa muito para o tomador de crédito, segundo o professor de finanças do Insper, Alexandre Chaia, são as incertezas em relação
e redução de renda. O mercado ainda se ressente dos efeitos da pandemia, que elevaram os níveis de desemprego no País e, em consequência, a perda de renda. Tanto é que mesmo quando os juros chegaram à mínima histórica, o endividamento e a inadimplência estavam em níveis elevados, lembra ele.
O planejamento financeiro
Quem entra por esse redemoinho de dívidas tem dificuldades para se livrar, mas algumas providências são essenciais para reequilibrar a situação. Um bom planejamento financeiro deve ser feito, adequando não apenas o orçamento como indo atrás dos credores para renegociar ou trocar a dívida. Acompanhe as etapas:
1 - Conheça a dívida
Convém iniciar investigando a origem, a causa, da dívida. Paula alerta que a oferta de crédito é hoje muito ampla. Está no cartão de crédito oferecido pela companhia aérea, pelo supermercado, pelo posto de combustível e por aí vai. E recorrer a eles para comprar algo sem a capacidade de pagar o saldo depois é sinal de "desestruturação financeira", segundo ela. A pessoa gasta mais do que ganha.
Nesse caso, será preciso cortar despesas, aumentar a capacidade de geração de renda, ou as duas providências juntas, para retomar o equilíbrio financeiro, afirma a planejadora.
2 - Corte as despesas
A famosa separação entre gastos essenciais e surpérfluos deve ser o pontapé inicial. Chaia diz que despesas com alimentação, saúde e educação devem ser preservados para promover o corte em itens mais supérfluos, como o lazer.
A planejadora, no entanto, diz que mesmo os gastos com alimentação podem ser cortados. "É possível preparar a própria comida, providenciar marmita, em vez de comer fora todos os dias, onde estarão embutidos todos os gastos do restaurante, do IPTU ao serviço de entrega". Trocar de produtos ou marcas dos alimentos é também uma opção.
Vale observar ainda, orienta Paula, os gastos com plano de saúde e verificar se um mais barato não supre as necessidades. Com o aluguel, analisando a possibilidade de mudar de bairro para pagar menos. Ou ainda do pacote de TV paga. São despesas que podem gerar economias expressivas a cada mês.
E uma dica importante: não se deve cortar algo que seja importante ainda que supérfluo no orçamento: "Não se pode abrir mão de pequenos prazeres, a educação financeira não pode estar associada à dor, ao sacrifício", afirma a consultora.
3 - Aumente a renda
Há iniciativas bem práticas para aumentar a renda. Uma delas é fazer um inventário de coisas que estão enconstadas em casa, sem utilidade, como uma bicicleta, roupas, eletrodomésticos, etc. Tudo pode gerar dinheiro. E isso não deve ser considerado como uma redução de patrimônio, mas uma oportunidade para gerar caixa e equilibrar a situação, afirma Paula.
Outra opção, segundo ela, é descobrir ou pôr à prova as habilidades de cada um, como ensinar a tocar um instrumento, dar aulas particulares em alguma modalidade, escrever conteúdo para sites e veículo de comunicação para obter uma renda extra.
4 - Troque de dívida
Uma forma de aliviar o orçamento é trocar uma dívida mais cara por uma mais barata. Os três especialistas foram unânimes em indicar esse caminho. Ele permite reduzir o desembolso de cada mês, é como se fosse um corte de despesas.
Vale a pena levantar um empréstimo consignado ou até um crédito pessoal, que contam com juros mais baixos, para liquidar o saldo devedor do cheque especial ou do cartão de crédito que são imbatíveis quando o assunto é juro alto. "De preferência ao crédito parcelado em vez do rotativo que é mais caro e imprevisível", recomenda Chaia do Insper.
Oferecer o imóvel ou o carro em garantia é outra possibilidade de levantar um dinheiro mais barato. Por reduzir consideravelmente os riscos de inadimplência, já que o bem é dado como garantia, os juros costumam ser mais baixos.
Nesse caso, entretanto, é preciso ver se realmente vale a pena, alerta a planejadora. É necessario entender e estar ciente de dois aspectos, o prazo para pagamento poderá ser esticado e o devedor ficará mais tempo amarrado ao compromisso, além disso, o patrimônio estará sendo colocado em risco, porque caso não seja capaz de pagar o empréstimo, o devedor poderá perder o imóvel ou o carro.
5 - Renegocie a dívida
Hammoud, do Ibmec, considera fundamental procurar o credor para renegociar as bases da dívida. Para o professor, com o nível de inadimplência elevado, existe uma disposição dos bancos em aceitarem descontos ou rever as condições.
Com a proximidade do fim do ano, acontecem as chamadas feiras para acertar as dívidas que estão em atraso e com reduções expressivas para o consumidor 'limpar o nome'.
6 - Evite novas dívidas
Ao promover esses ajustes no orçamento não é hora de assumir novas dívidas, afirmam Paula e Hammoud. Principalmente as que cobram os juros mais altos, afirma o professor.
Uma vez que você se reorganizou financeiramente, você não está pronto para gastar novamente, você está num processo de reconstrução da saúde das suas finanças. O fato de ter estabilizado e colocado a dívida em um patamar adequado de gastos, não significa que pode começar a gastar de novo. O fator comportamento é primordial nesse processo.
Paula Bazzos, da SuperRico