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'Estou cético com Brasil e pessimista com EUA', diz Marcos Mollica, do Opportunity

Gestor do principal fundo do Opportunity está comprado na alta dos juros americanos e, depois das recentes declarações de Jerome Powell, ampliou a aposta

Data de publicação:14/03/2023 às 08:00 - Atualizado 2 anos atrás
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O fundo macro multimercado do Opportunity não está animado com a economia dos Estados Unidos. Tampouco com a do Brasil. Na verdade, as apostas dos Opportunity Total Fic FIM, que tem retorno acumulado em 12,50% nos últimos 12 meses, são todas para uma recessão nos próximos meses.

Na opinião de Marcos Mollica, responsável pela estratégia de gestão da casa, os cenário de curto prazo (até o começo do ano que vem, pelo menos) são de um mandato duro do Federal Reserve (FED, o banco central americano), que deverá levar os juros da maior economia do mundo para 6% ao ano. E de uma briga entre o governo Lula e o Banco Central de Roberto Campos que, na prática, produzirá ao menos um grande perdedor: a economia brasileira.

Marcos Mollica: arcabouço fiscal pode não trazer credibilidade para a trajetória da dívida píblica - Foto: Divulgação

"Eu acho que as decisões do governo continuam sendo negativas para o mercado", diz ele, em entrevista exclusiva à Mais Retorno. "Acho que estou cético em relação à possibilidade de a gente ter um arcabouço fiscal que traga credibilidade na trajetória da dívida pública", diz.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista


Mais Retorno: Jerome Powell conseguiu surpreender boa parte dos analistas e investidores com um recado mais duro sobre a taxa de juros dos EUA. Você também se surpreendeu com o tom do presidente do banco central americano?

Marcos Mollica: Na verdade, eu acho que a gente estava lá na ponta, estava um pouco isolado nisso. A gente achava que o ‘50 pontos’ estava mais na mesa do que o mercado entendia. Então a gente achava que esse testemunho semianual seria muito importante para entender o framework que ele estava trabalhando, principalmente como ele ia enxergar os dados importantes que estão para sair, os dados de mercado, de trabalho, de inflação, como o Fed reagiria a eles e se de fato esse ‘50 pontos’ estava na mesa ou não. Eu acho que essa foi a mensagem relevante, então não foi grande surpresa para a gente.

Eu acho que a mensagem relevante foi justamente essa. Foi dizer primeiro que os dados foram suficientemente fortes para alterar a expectativa dele de taxa terminal. Além disso, ele comentou sobre as revisões dos dados de inflação. Isso mudou o quadro para o Fed. Antes dessa revisão, você tinha um quadro de inflação arrefecendo. Quando você revisou, na verdade não teve nenhum arrefecimento e o dado da margem voltou a acelerar. Então, pinta um quadro completamente diferente depois que você olha a reavaliação. Especialmente depois do dado de mercado de trabalho que você viu ainda muito forte em janeiro. Então, eu acho que aí o Fed reagindo a essa nova informação, fez questão de colocar ontem no discurso que ele está preparado para retomar o passo de 50 bases points, caso os dados se confirmem.

Na verdade, ele colocou na nossa avaliação uma barra baixa para os dados indicarem uma nova subida de 50 bases points. Do jeito que ele colocou, em minha avaliação. Se os dados vierem em torno do consenso, eu acho que vai ser 0,50% na próxima. O ônus da prova virou para o outro lado. Serão precisos dados muito fracos para que o Fed desista de acelerar para 0,50%.

MR: Se o Fed elevar os juros em 0,50 ponto em março, isso significa que esse será o ritmo de altas também para as reuniões do Fomc em maio e em junho?

Mollica: Eu acho que não significa, o Fed continuará ‘data dependent’, mas eu acho que a gente entendeu a função de reação do banco central americano. O que será preciso para retorno para os 25 pontos será um arrefecimento dos dados, tanto de mercado de trabalho quanto de inflação, que dê confiança pra ele, o Fed, de que a economia americana está caminhando na direção correta.

Mas ai tem uma outra questão. Quando Jerome Powell decide acelerar o passo, coloca na mesa a alta de 50 pontos, isso quer dizer também que a taxa terminal é significativamente mais alta do que ele estava trabalhando. Então, eu imagino, estamos discutindo agora uma taxa de juros terminal perto de 6%. Por quê? Porque não faz sentido ele dar 50 bases points para parar na próxima reunião, entendeu? Se ele dá 50, é porque, na verdade, ele tem um orçamento total de alta de juros maior agora. Então, ele só está dando um ‘front load’ nesse orçamento maior.

MR: Quais as mensagens, então, que o Fed enviou ao mercado nesta última semana?

Mollica: As mensagens como um todo são bastante ‘hawkish e os dois pontos principais são esses: o Fed está disposto a reacelerar as altas para 50 bases points. A barra para ele fazer isso parece baixa. Além disso, a taxa terminal vai mudar significativamente para cima. Antes, era pouco abaixo de 5,5%, agora eu acho que vai ficar ali perto de 6%. E a gente entende como o Fed está pensando agora. O Fed está muito comprometido com esse objetivo de trazer a inflação de volta para a meta e não vai recuar enquanto não tiver sucesso nessa empreitada.

MR: Isso muda alguma coisa na estratégia dos fundos do Opportunity, como o Total Master?

Mollica: A gente já estava pessimista com o cenário americano. Depois que os dados que saíram, a gente viu o mercado de trabalho mais apertado e que a inflação está mostrando uma resiliência muito grande por lá, apesar de toda a alta de juros.

A gente está um pouco tomado na parte curta da curva de juros americana, na expectativa de que a gente vá convergir para uma taxa terminal mais alta ainda esse ano. Então, a gente está em um juro bem curto, de setembro de 2023, um contrato que tenta operar essa trajetória da política monetária.  Estamos short (vendidos) na bolsa americana. A gente acha que a bolsa ainda não reflete esse cenário de maior aperto monetário e a gente acha que essa, digamos, agressividade do Fed em comprometimento em trazer a inflação pra baixo vai acabar machucando a economia. A gente vai ver uma desaceleração mais forte da atividade econômica, acho, em meados deste ano. Então, vai ser uma combinação ruim pra bolsa, em que a inflação ainda se mostra resiliente, o Fed não vai poder sinalizar cortes de juro tão cedo e você vai começar a ver a economia desacelerar mais fortemente. Então a gente acha que a bolsa não está preparada ainda para esse cenário. Por isso, a gente tem uma posição short na bolsa americana.

MR: As declarações da semana passada mudaram de alguma forma esse cenário?

Mollica: A gente aumentou um pouco nossa posição short em bolsa e comprada em juros curtos dos Estados Unidos. Aumentamos uns 30% essas posições.

MR: Essas são as posições majoritárias dos fundos?

Mollica: A gente tem isso internacionalmente, sim. Localmente, a gente tem outras posições. Hoje estamos um pouco aplicados na parte curta de juros do Brasil, mas tomado na parte um pouco mais longa dos juros. Temos ainda um pouco de NTN-B e estamos comprados em dólar aqui no Brasil frete o real, estamos apostando contra o real.

Em nossa última conversa, antes das eleições, você tinha zerado os investimentos no Brasil e mantinham apenas uma posição tática aqui no País. 
Pois, de um mês para cá a gente passou as ter posições mais significativas aqui no Brasil.

MR: E o que mudou no cenário a ponto de promover essa mudança?

Mollica: Eu acho que as decisões do governo continuam sendo negativas para o mercado. Acho que estou cético em relação à possibilidade de a gente ter um arcabouço fiscal que traga credibilidade na trajetória da dívida pública. Eu acho que vai ser mais uma carta de compromisso do que um arcabouço com metas e ‘enforcement’.

MR: Como assim?

Mollica: Como no teto de gastos, você tem uma meta de despesa, um limite de despesa. E quem ultrapassar aquilo sofre punições automáticas, ‘triguers’, com não poder dar reajuste do funcionalismo, não poder contratar. Tem até, no limite, implicações penais ao gestor. Eu acho que o que vamos ver aí do governo, pelo que eu estou vendo, vai ser um conjunto de compromisso, de ter uma trajetória fiscal sustentável, sem nenhuma grande punição se saírem dessa trajetória. Isso reduz a credibilidade do arcabouço fiscal.

MR: Como vê a pressão do governo sobre o Banco Central em torno da taxa de juros?

Mollica: Eu acho que o que está acontecendo em cima do Banco Central é contraproducente. Essa pressão acaba implicando numa elevação das expectativas de inflação e dificultando o trabalho do Banco Central. Então, é por isso que a gente tem essa posição na curva de juros do Brasil. A taxa curta a gente acha que o risco é realmente de cair os juros. O Brasil está com a atividade econômica desacelerando. Achamos que a queda não vem tão cedo, mas o risco vai para esse lado.

MR: Para quando é essa aposta de queda de juros?

Mollica: (Contrato) Janeiro de 2024.

MR: Esse ano não vai acontecer nada?

Mollica: Eu acho que o mercado vai precificar corte no segundo semestre. Tem até uma chance de ter algum corte. Mas essa combinação de uma maior pressão sobre o Banco Central e até possível troca de diretores, e o arcabouço fiscal que vai ficar aquém do desejado, eu acho que continua mantendo os prêmios de risco no Brasil elevados. Então, essa curva longa de juros, de janeiro de 2027 para frente, é um setor que a gente gosta de ficar tomado.

MR: E o dólar acompanha, é isso?

Mollica: Ele combina as duas coisas que a gente está vendo. É um cenário mais desafiador no exterior, pelo aperto de política monetária americana. Quando a gente começar a sentir os impactos desse aperto na atividade econômica global e principalmente americana, os países emergentes vão sofrer com o cenário. Foi assim em todos os episódios da história e não acho que vai ser diferente agora. E também com esse ceticismo que tenho em relação ao conjunto de política econômica no Brasil. Eu acho que faz sentido estar comprado no dólar, contra o real.  

MR: Vocês também tinham uma posição importante em commodities no ano passado, via mercado internacional. Como está isso hoje, principalmente quando se começa a falar do crescimento da China?

Mollica: Tem ainda uma pequena posição comprada em petróleo. A gente acha que estruturalmente existe um déficit de petróleo, que é uma posição reduzida nesse momento, por conta de toda essa incerteza em relação à atividade global. Eu acho que a reabertura de China é positiva para esses trade. Eu acho que a abertura vai ser no sentido de aumentar a mobilidade e  estimular o consumo. Então ela é mais benéfica para o petróleo e vai ser menos focada na parte de investimento em housing e infraestrutura. Então a gente não gosta de aço, minério, que estão mais ligados a esse ciclo de investimento chinês, que eu acho que vai continuar bem contido dessa vez. Que será uma grande novidade pra gente. A gente está acostumado com o crescimento chinês ser puxado por esse lado de investimento. A gente acha que a diretriz agora é um pouco diferente. Por isso que estamos comprados em petróleo, mas não estamos com uma posição grande no momento. É preciso ter uma definição da taxa terminal americana, onde vai ser, qual o impacto na economia. Estamos num momento de muita incerteza.

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Sobre o autor
Renato JakitasEditor-chefe do Portal Mais Retorno.