Fundos de Investimentos

Entre 4 mil fundos de ações, só 5 usam CDI como referência; entenda

Nos últimos 12 meses, nenhum desses fundos de ações bateu seu benchmark CDI, que acumula alta de 12,72%

Data de publicação:08/02/2023 às 08:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Numa seleção de 4.058 fundos de ações, feita com a base de dados da Mais Retorno, apenas 7 perseguem um referencial fora da renda variável. Em vez disso, 5 deles usam o CDI, uma taxa que anda lado a lado com a Selic, e os outros 2, o IPCA que mede a inflação. A constatação é, no mínimo, curiosa, e a reportagem conversou com analistas que deram suas opiniões sobre o assunto. 

Por que um investimento de alta volatilidade na renda variável teria como referencial de rentabilidade (benchmark) uma taxa como o CDI, que é da renda fixa, e não um índice como o Ibovespa que reflete a média do mercado de ações? 

CDI como benchmark em fundo de ações: o que explica essa prática? | FOTO: Reprodução

No levantamento, foram identificados 5 fundos de ações que utilizam CDI como benchmark e 2 que utilizam o IPCA. O Itaú, o Santander Asset e o BB Asset, casas de investimentos de grandes bancos, têm alguns desses fundos. 

Na seleção, três estão com a rentabilidade negativa nos últimos 12 meses e outros três sobem menos de 4%.

Fundo de açõesGestorBenchmarkRend. nos últimos 12 mesesTaxa de performance
Sharp Long Biased Seleção FIC FIAItaúCDI11,83%Não há
IP Value Hedge BDR Nivel I Selecao FIC FIAItaúCDI-3,95%Não há
Nucleo CSHG Ações FIC FIANucleo CapitalCDI-8,60%15% do que exceder 100% do CDI. 
Sharp Long Biased PVT FIC FIAItaú CDI12,00%Não há
BB Ações Long Bias Private FIC FIBB AssetCDI1,28%10% do que exceder 100% o CDI
Acesso Sharp Equity Value Ações FC FISantanderIPCA3,34%Não há
Santander Alocação Long Biased Ações FIC FISantanderIPCA2,81%10% sobre o que exceder o
IPCA + 6% a.a
Fonte: Mais Retorno 

Nos últimos 12 meses, estes fundos de ações não bateram sua taxa de referência, o CDI, que acumula alta de 12,72%. O Ibovespa sobe 1,39%.

Índices de referência para fundos

ÍndiceRend. últimos 12 meses
CDI12,72%
IPCA 5,78%
Ibovespa1,39%
IMAB5,97%
IBXX-2,22

 

O Sharp Long Biased PVT FIC FIA e o Sharp Long Biased Seleção FIC FIA do Itaú, são os fundos que chegam mais próximos ao benchmark, com alta de 12,00% e 11,83% no período, respectivamente. 

Já em relação ao IPCA, que acumula alta de 5,78% nos últimos 12 meses, é usado pelos fundos de ações do Santander como benchmark e também destoam muito na volatilidade, como é possível observar no gráfico abaixo. 

Fonte: Comparador de Ativos Mais Retorno

Visão de analistas

Nícolas Merola, chefe da análise da Inv, indica que um índice de carteira de renda variável é mais apropriado para este tipo de fundo e que se fosse para seguir outro parâmetro como o CDI, a gestora poderia optar por um fundo multimercado.

Luiz Felippo, sócio e analista de fundos da Nord Research, avalia que geralmente esse tipo de escolha de benchmark ocorre em fundos Long Biased ou Total Return, onde em muitos casos o risco é principalmente de ações, mas não necessariamente só ações, podendo operar outros ativos. Ou seja, a volatilidade pode ser menor. 

“Dito isso, pode-se pensar que é um mandato de retorno absoluto onde o retorno real, acima da inflação, se torna o mais importante”, diz Felippo. 

Ainda de acordo com ele, esse movimento, em si, não é necessariamente ruim, mas é preciso que o cotista esteja ciente dos riscos que está correndo.

O analista da SVN Investimentos, Pedro Tiezzi, avalia que alguns fundos mais antigos começaram utilizando CDI como referência e não fizeram transição para outro benchmark. Tiezzi reitera que fundos que utilizam Ibovespa ou IPCA+ como referência são fundos mais novos de lançamento. Ele afirmou que o CDI voltará a penalizar muito a Bolsa e será difícil entregar performance nestes fundos sem tomar muito risco. 

Por que os gestores escolhem essa estratégia?

Nícolas Merola, chefe da análise da Inv, pontua que lutar contra o Ibovespa deixa o gestor preso ou dependente da movimentação de empresas que podem não ser as preferidas dele, como estatais, por exemplo. Mas ainda assim, ele não acredita que essa seja uma boa justificativa para não usar um índice de renda variável como benchmark no caso de um fundo de ações.

Para essa pergunta, não existe uma única resposta. Luiz Felippo, sócio e analista de fundos da Nord Research, considera que ter benchmark CDI traz mais liberdade de alocação ao gestor. 

“Por muitas vezes, se o benchmark fosse Ibovespa, os gestores talvez fossem levados a carregar percentuais maiores de alocações em Bolsa do que desejariam para não ficar atrás do índice”, aponta.

BB Asset

A BB Asset, gestora do Banco do Brasil e responsável pelo BB Ações Long Bias Private FIC FI comunicou à Mais Retorno que a escolha por essa estratégia diz respeito à proteção em momentos de risco, mesmo se beneficiando de movimentos de alta do mercado. 

"O fundo busca estratégias que se proponham a superar o CDI, com viés comprado em Bolsa Doméstica e volatilidade mais controlada, ou seja, protegendo a carteira em momentos de aversão ao risco por meio da venda de derivativos futuros."
BB Asset

Itaú

A área de Fund of Funds do Itaú reiterou, em nota à Mais Retorno, que os fundos citados são espelho das gestoras Sharp Capital e IP Capital Partners.

“Esses fundos replicam estratégias de terceiros selecionadas pela área de Fund of Funds do Itaú e são distribuídos diretamente aos nossos clientes (Private e/ou Varejo). Vale ressaltar que esse tipo de estratégia replica as mesmas condições comerciais definidas pelas casas parceiras e não apresentam nenhum custo adicional por parte do Itaú”, diz a nota da área.

A instituição também pontuou que esses produtos constroem seus porfólios com exposição majoritária em renda variável, mas combinada com outros ativos. Assim, o objetivo é obter retorno atrelado ao CDI ao longo do tempo.

"Dessa forma, boa parte de suas operações são de valor relativo (Long & Short) e muitas vezes o net direcional do fundo pode ficar perto do neutro ou até vendido em bolsa", afirma. 

Neste caso, o Itaú argumenta que com essa característica, esses fundos específicos não podem ser comparados diretamente com os fundos tradicionais de renda variável que têm uma relação direta com os movimentos do mercado de bolsa.

Procurados, Santander, Núcleo Capital e Sharp Capital não se pronunciaram sobre a adoção diferenciada de benchmark em seus fundos. Já a IP Capital Partners afirmou que o fundo IP Value Hedge FIC FIM é um Equity Hedge, que investe em ações, mas também em ativos de proteção e outros instrumentos.

Fundo de ações: o que a lei permite?

Fundos dessa classe devem possuir, no mínimo, 67% da carteira em ações à vista, bônus ou recibos de subscrição, certificados de depósito de ações, cotas de fundos de ações, cotas dos fundos de índice de ações e BDRs, de acordo com a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros de Capitais). O hedge cambial da parcela de ativos no exterior é facultativo ao gestor.

Apesar de ser um fundo de ações, o portfólio não necessariamente precisa ter somente ações, mas existe uma proporção obrigatória. Esse tipo de ativo deve ter, no mínimo, 67% do seu valor total aplicado em títulos de ações.

Os outros 33% podem ser aplicados em investimentos de renda fixa, como Tesouro Direto, CDB, LCI ou LCA, entre outros.

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Sobre o autor
Mari GalvãoRepórter de economia na Mais Retorno