Entenda o que é e como o risco fiscal impacta os investimentos
Risco fiscal não é novidade no Brasil, e sempre que surge traz preocupações para todo o mercado
A Bolsa vem derretendo desde julho e caiu de forma mais acentuada em agosto. Na última quinta-feira, 12, o Ibovespa fechou no patamar dos 120 mil pontos pela primeira vez em três meses. Entre as preocupações dos investidores, um dos principais motivos que justificam o desempenho negativo do mercado de ações é o risco fiscal brasileiro.
Este é um dos principais fatores que o mercado precifica na hora de investir em ativos no País, que vai da renda fixa ao preço do dólar, alcançando outros segmentos, inclusive a Bolsa de Valores. Em uma explicação bem didática, a chefe de economia da Rico, Rachel de Sá, expõe como o risco fiscal afeta os investimentos do Brasil.
A situação fiscal brasileira sempre foi marcada por volatilidade, e o risco fiscal já esteve presente em diversos momentos de crise econômica, impactando, também, o mercado. Rachel comenta que, nos anos 80 e 90, várias dessas crises aconteceram, culminando no período da hiperinflação. Foi neste contexto - e para resolver a situação - que surgiu o Plano Real.
"Teve também aquela crise que deu a maior dor de cabeça entre 2014 e 2016: que derrubou o PIB, levou os juros ao infinito e além junto com a inflação e bagunçou todo o mercado – e os nossos investimentos", ressalta.
A economista chama a atenção para o fato de que, antes da pandemia, a situação fiscal estava caminhando em uma boa direção. Porém, com o avanço do coronavírus, o governo teve de gastar mais para tentar controlar os efeitos colaterais na sociedade e na economia.
No começo do ano, o início de uma retomada, com uma volta da atividade, além de "uma ajudinha da inflação", fizeram as contas públicas melhorarem de novo. Mas os recentes ruídos políticos com a questão do aumento do Auxílio Brasil (o novo Bolsa Família), precatórios, gastos com eleições e orçamento de 2022 trouxeram, mais uma vez, o risco fiscal à tona.
O que é o risco fiscal?
"Uma maneira prática e simplificada de entender o risco fiscal é pensar em um orçamento familiar. Se uma família gasta mais do que ganha ou já tem de renda, ela pode pedir um empréstimo em uma instituição financeira, ou seja, se endividar", explica Rachel.
Rachel considera que a lógica para o governo é a mesma, tendo em conta que o "orçamento da família", neste caso, seriam as contas públicas. A forma do governo de arrecadar dinheiro é por meio de tributos pagos por toda a população. No entanto, se o valor angariado não é o suficiente para arcar com as despesas, ele pode, também, emitir uma dívida.
Enquanto o empréstimo da família vem de instituições financeiras, como os bancos, aquele que vai para o governo vem por meio de oferta de investimentos: as pessoas podem comprar um título da dívida pública pelo Tesouro Nacional, financiando as contas do governo.
"Assim, podemos dizer que o risco fiscal é o risco envolvido nessa transação de empréstimo de investidores ao governo. Ou seja, os agentes de mercado acham que o governo brasileiro é um bom pagador? O risco é menor. Do contrário, o risco é maior", afirma a especialista em sua análise.
A situação fiscal do país não impacta somente os títulos públicos, mas toda a cadeia de investimentos.
"Quando falamos de risco fiscal, ele engloba todo o risco que agentes de mercado precificam para emprestar dinheiro ao Brasil. E isso vale tanto para um título público, quanto para ativos com origem no capital privado. Assim, mesmo que uma empresa que emitiu uma debênture ou que tenha capital aberto não esteja gastando mais do que pode, o risco soberano servirá de base para a precificação de todos os outros", analisa ela.
Inflação
Diferentemente de uma família, o governo tem o poder de emitir mais dinheiro para pagar sua dívida. Porém, a própria história e a teoria econômica mostram que essa não é a melhor alternativa. Isso porque, bem como qualquer produto na lei de oferta e demanda, quanto mais dinheiro há em circulação, menor o valor dele.
"Se todos estão procurando a mesma coisa, essa coisa fica mais cara. Então, se tem muito dinheiro na praça, os comerciantes vão aumentar os preços; afinal, por que eles cobrariam menos, se soubessem que todo mundo tem dinheiro de sobra, quer o produto, e pode pagar mais?", considera Rachel.
O que aconteceria, na prática, é que a oferta de produtos seria reduzida, porque a maior quantidade e circulação de dinheiro aumentaria a demanda. Desse modo, há o aumento do preço daquilo que há disponível no mercado. Considerando o alto nível de inflação que o Brasil enfrenta hoje, esse processo de escalda dos preços seria ainda mais veloz.
Com a inflação acelerada no Brasil, a tendência é que o real valha cada vez menos, principalmente em comparação a moedas fortes, como o dólar. A economista explica que a expectativa do valor do dinheiro no futuro também influencia no risco fiscal. Afinal, ninguém quer investir com base em uma moeda que sofre um processo de desvalorização.
"Por que? Pois como o governo emite sua própria moeda, ele pode decidir aumentar a emissão para pagar sua dívida (especialmente dado que a nossa dívida soberana hoje é quase toda em real), causando um aumento de inflação que afetará toda a economia. Nesse caso, quando o investidor receber o retorno do seu investimento (seja do governo ou do setor privado), ele valerá muito menos", explica a especialista da Rico.
Como o risco afeta os investimentos?
De acordo com Rachel, os agentes do mercado - sejam eles o investidor pessoa física, institucionais ou estrangeiros - vivem de antecipar movimentos. E, tendo em conta todas as discussões sobre gastos, orçamento e regras fiscais, além do risco de que gastos excessivos acabem em "pizza inflacionária", os investidores se antecipam e precificam os ativos.
"Quanto maior o risco, mais descontados ficam os ativos brasileiros: tipo nossa moeda, nossas ações, ou os próprios títulos do governo", diz a analista.
Ela ainda ressalta que "desse modo, questões como o quanto iremos gastar ano que vem, que regras fiscais vão ser criadas ou desfeitas, e para onde vai nosso nível de endividamento, impactam muito os mercados. Conseguimos ver tudo isso no preço do dólar, na famosa curva de juros (que precifica os ativos de renda fixa), e na própria movimentação do Ibovespa."
O preço do dólar, por exemplo, varia de acordo com o quanto vale a moeda brasileira no mercado global. Com o cenário de alta na Selic, a taxa básica de juros, a tendência é que os investidores estrangeiros coloquem seu capital nos títulos de renda fixa do país, principalmente os títulos públicos, por oferecer uma rentabilidade mais atraente, mas também com mais segurança.
Entretanto, o movimento observado nos últimos pregões é de uma valorização da moeda americana ante o real, mesmo com a Selic mais alta. Na última semana, o preço do dólar avançou 0,32%, refletindo o risco fiscal e cenário político instável interno.