Balanços do 4° tri: caso Americanas lança desconfiança sobre os dados; saiba por que
Números devem ser bons para exportadoras de commodites, mas devem mostrar impacto dos juros altos no varejo
Em meio à divulgação da safra de balanços do 4° trimestre de 2022, os olhares do mercado lançam um grau maior de desconfiança sobre os dados, depois que a Americanas, tida como uma empresa saudável e de números sólidos, anunciou uma dívida de R$ 43 bilhões e pediu recuperação judicial em janeiro.
É comum que as empresas tenham dívidas, mas até que ponto o investidor deve confiar que os números apresentados no balanço refletem a real situação da companhia? Além do caso de AMER3, a Light (LIGT3) também surpreendeu o mercado com uma dívida de R$ 3,1 bilhões a ser paga neste e no próximo ano para um caixa de R$ 4 bilhões.
Onde está o problema
O registro de algumas operações de crédito pode tomar caminhos diferentes dentro de um balanço, explica o advogado e especialista em recuperação judicial, Edemilson Wirthmann Vicente. “A captura de crédito junto a bancos e Fidcs (fundos de crédito), apresenta-se como expediente corriqueiro e na maioria das vezes necessário, ao regular encaminhamento de negócios”, diz ele, ressaltando que há, no entanto, diferenças na forma de captura do crédito e no posicionamento dos players.
É comum que fornecedores, no papel de credores da companhia, antecipem o pagamento junto a um banco ou Fidc, dentro de operações conhecidas como de ‘risco sacado’ ou ‘forfait’, esclareve o especialista. Na prática, há uma troca de credor (do fornecedor para o banco), com registro da dívida como passivo bancário. Pelo menos, é assim que deveria ter sido, mas não foi feito pela Americanas.
“Com base em informações divulgadas na mídia, a AMER3 não registrou tais trocas de credores em seu passivo, mantendo esses lançamentos em seu capital de giro”, destaca o advogado. Além disso, os juros deveriam ser contabilizados como despesa e, portanto, reduzidos da conta fornecedores.
Com essas distorções, a empresa teve condições de levantar bilhões junto a acionistas, bancos, Fidcs, fornecedores, todos, obtidos com base em balanços ‘incompletos’, que durante anos mantiveram a companhia “saudável”, pagando bônus aos seus executivos e distribuindo dividendos, relata Vicente.
Importante destacar que ‘risco sacado’ e demais tipos de operações ‘off balance’ (não lançadas no balanço) são operações legais, praticadas pela maioria das grandes companhias. “Mas informar apenas o que interessa à empresa, dentro do ‘off balance parcial’ é uma conduta completamente diferente, que, normalmente, busca escamotear uma operação deficiente em porto seguro para o capital”, afirma Wirthmann.
Como virão os balanços
De maneira geral, os analistas acreditam que 2022 foi um bom ano para empresas exportadoras e de commodities. Mas para as empresas de consumo cíclico como varejo, por exemplo, o ano foi mais difícil, e é nestes casos que o investidor deve ficar atento às dívidas.
Varejo
Para o setor de varejo, o cenário de inflação alta e juro básico em 13,75% deve ser bem sentido no balanço do último trimestre do ano passado. Fabiano Vaz, sócio e analista de ações da Nord Research, citou a inadimplência crescente das famílias e o impacto disso em empresas como Magazine Luiza.
Em 2022, o endividamento atingiu 77,9% das famílias brasileiras, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor divulgada em 19 de janeiro pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).
Mas não para por aí, o varejo de moda também pode estar com dívidas maiores a pagar. A Lojas Marisa, que está com o caixa apertado e vencimentos próximos, se já está em processo de renegociar e conversar com os bancos credores para tentar reescalonar dívidas que somam cerca de R$ 600 milhões.
No resultado financeiro de uma companhia, a dívida líquida sobre o EBITDA são fatores importantes para se atentar, segundo Vitorio Galindo, analista de investimentos CNPI e head de análise fundamentalista da Quantzed.
“Principalmente em empresas endividadas, onde esses indicadores acabam subindo, a medida que a geração de caixa não acompanha a dívida, como no caso Americanas”, afirma Galindo.
Bancos
No setor de bancos, Fabiano Vaz, sócio e analista de ações da Nord Research, destaca que no 4º trimestre, é necessário ficar atendo ao nível de inadimplência dos bancos. “Banco do Brasil pode se sair melhor, pela menor exposição ao crédito, enquanto Bradesco e Santander pode sofrer mais. O Itaú tem uma carteira mais segura neste sentido”, aponta.
Santander, Banco ABC e Itaú Unibanco, são bancos credores da Americanas e já reportaram seus resultados do 4º trimestre de 2022. O Santander havia emprestado entre R$ 3 e 4 bilhões de reais à companhia. Carlos André Vieira, analista-chefe da casa de análises do TC, afirmou que houve queda significativa no balanço da companhia.
Isso por que a margem financeira gerencial (diferença entre a receita financeira e despesas financeiras das operações de crédito) pós-provisão somou R$ 443,3 milhões no quarto trimestre de 2022, um aumento de 17,5% na comparação com igual etapa de 2021.
O lucro líquido de R$ 1,689 bilhão no quarto trimestre de 2022, representa queda de 45,9% na comparação com o terceiro trimestre e de 56,5% frente ao mesmo período de 2021.
Já em relação ao Itaú, a Americanas tem dívidas da ordem de R$ 2,9 bilhões. O ABC, que tem um dívida entre R$ 300 e 400 milhões com a Americanas apresentou resultados ruins também, de acordo com Vieira, e o impacto pode ser sentido ainda nos próximos trimestres.
Bradesco credor de R$ 4,8 bilhões da Americanas, reportou resultados de lucro líquido recorrente de R$ 1,595 bilhão no quarto trimestre de 2022, uma queda de 75,9% em relação ao mesmo período de 2021, e de 69,5% em relação ao trimestre imediatamente anterior.
O resultado do banco foi fortemente afetado por um cliente de atacado, que não teve o nome citado. Mas, como esse cliente teve todo o crédito provisionado - pelo movimento, é possível que trata-se da Americanas.
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