Bolsa despenca 11% e dólar sobe mais de 5% em abril; até onde vão esses mercados?
Perspectiva de que juros nos Estados Unidos subam mais agressivamente afetam as ações e a moeda americana
A Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, caiu pelo sétimo pregão consecutivo e escorregou para os 108 mil pontos na véspera - isso depois de iniciar o mês ao nível dos 121 mil pontos.
O que está por trás desse movimento e até onde pode ir o Ibovespa nessa trajetória persistente de baixa? A mesma pergunta atiça quem lança o olhar sobre o dólar, que voltou a flertar com o patamar de R$ 5. Ou até mais.
Para os especialistas, os movimentos recentes da Bolsa, que caiu 11% em abril, e do dólar que subiu 5,27%, refletem mais expectativas conjunturais que fatos concretos.
Uma é a perspectiva de que os juros nos Estados Unidos subam mais agressivamente, aponta Jennie Li, estrategista de ações da XP.
O comportamento do mercado de ações “está muito relacionado com as expectativas sobre a retirada de estímulos monetários pelo Fed (Federal Reserve, banco central americano)”, avalia ela.
O Fed se mostra cada vez mais agressivo, “e tudo indica que na semana que vem (quarta-feira, 4 de maio) aumente 0,50 ponto porcentual os juros”.
Outra é o temor de que a China, que vive novo surto de covid-19, amplie os lockdowns para conter o avanço da pandemia - medidas que tenderiam a prejudicar ainda mais a economia chinesa, com impactos negativos também sobre o conjunto da atividade global.
Desaceleração na China atinge a Bolsa
“Os investidores estão preocupados com uma desaceleração econômica, principalmente vinda da China”.
Jennie Li, da XP
Um temor que aumentou com as discussões sobre uma restrição à mobilidade na capital, Pequim, “agora que estão enfrentando um surto de covid por lá”.
A estrategista de ações da XP diz que os mercados estão um pouco cautelosos ainda com a temporada de resultados dos balanços do 1º trimestre, tanto de companhias domésticas como de americanas.
Lucas Xavier Warren, analista técnico da Warren Investimentos, acredita que a temporada de balanços pode dar alento às bolsas, incluindo a Bolsa brasileira, dependendo dos resultados corporativos. Ele diz que Petrobras e bancos, principalmente, tendem a influenciar bastante o Ibovespa.
O analista continua apostando em uma correlação muito forte entre o que acontece no mercado de ações dos Estados Unidos e os investidores locais.
“Se os índices americanos passarem a indicar um cenário mais pessimista, os investidores adotarão uma posição mais conservadora e buscarão outras opções, em geral na renda fixa".
Lucas Xavier Warren, da Warren Investimentos
Uma política monetária mais apertada, com juros mais altos, como se espera nos EUA, leva o investidor a sair da renda variável, que passa a oferecer mais risco.
Dólar mais inclinado à alta
O analista técnico da Warren vê o dólar mais inclinado à alta do que à baixa, “dado o movimento atual dentro de uma região interessante, após as quedas desde janeiro”, comenta.
Ele explica que com o dólar de novo a R$ 4,60/R$ 4,65, “próximo do patamar em que as cotações andaram em 2018/2019”, o investidor ficou com a ideia de que a moeda ficou barata e voltou a comprar esse ativo de novo.
Lucas comenta que o dólar trafegou em um espaço de preço entre R$ 5,30 e R$ 5,70, no período pós-pandemia, “e a expectativa é que volte a buscar novamente R$ 5,30”, algo que poderia acontecer se os juros americanos subirem além das previsões.
Em sua análise, porém, o movimento no mercado indica que os investidores já se antecipam à possível decisão do Fed.
“Tudo indica que isso (alta de 0,50 ponto) já esteja precificado e os preços ajustados ao que se espera em relação aos juros americanos na próxima semana.”
“O dólar está querendo voltar para R$ 5,00”, reforça Fernanda Consorte, economista-chefe do banco Ourinvest – a moeda americana fechou nesta terça-feira, 26, cotada por R$ 4,99.
Ela diz que predominam fontes de pressão vindas de fora, como a aceleração do ciclo de alta dos juros nos EUA, guerra na Ucrânia e novo surto de covid na China, mas que o dólar tende a se deslocar para cima também com o clima eleitoral.
“Acreditamos que ainda piora mais, para depois melhorar”, com novo ajuste após a eleição de novo governo.
Selic a 14%?
Um dólar mais caro, na esteira de alta mais agressiva dos juros americanos, pode colocar em risco o processo de desinflação conduzido pelo Banco Central no Brasil.
Principalmente nos próximos dois anos (2023 e 2024). O alerta é de economistas do Credit Suisse em relatório assinado por Solange Srour, Lucas Vilela e Rafael Castilho.
Eles estimam que a Selic, que está em 11,75% ao ano, chegue a 14% em agosto. A diferença ampliada em relação aos juros americanos, que atrai capitais para investimentos no País, deve manter o real valorizado e contribuir para conter a inflação.
O relatório destaca, contudo, que uma forte elevação dos juros americanos, como sinaliza o Fed, pode pressionar para cima o dólar por aqui e passar a impactar negativamente a inflação.