Você aplicaria seu dinheiro com dicas pelo Tik Tok?
Seria alívio se a plataforma incentivasse a poupança e usasse dados aprofundados
Há tempos venho observando a relação entre o comportamento do investidor brasileiro e os movimentos inesperados do mercado de capitais. Já mencionei nesta coluna, por exemplo, sobre o efeito manada, isto é, quando as pessoas saem vendendo suas ações sem nenhuma análise prévia, apenas para copiar a maioria depois de uma notícia ruim na imprensa.
Passados um ou dois dias, o mercado reage, os preços dos ativos voltam a subir e os investidores que deixaram suas posições com o medo do fim do mundo amargam suas perdas.
Por que uma expressão tão simples, como “Planejamento Financeiro”, não é praticada na tomada de decisão sobre investimentos? Como explicar o sucesso das consultorias dadas, em menos de 30 segundos, no Tik Tok?
Sim, a plataforma que ficou famosa entre os adolescentes apresentando cenas engraçadas do cotidiano, agora também virou lugar de recomendação de ativos do mercado de capitais pelos mais diferentes perfis de influencers. Juntos, os vídeos de Finanças nessa plataforma já somam cerca de 300 milhões de visualizações.
É claro que, em meio a tantos conteúdos sobre o tema, existem aqueles que usam o espaço para chamar o internauta até o site da empresa onde haverá mais informações sobre o portfólio, principalmente, as que alertam para os riscos do produto.
Contudo, pelo menos à primeira vista, a maioria das postagens quer mesmo apontar o que deve ser feito com o seu dinheiro. Dado ao número de views e curtidas que um vídeo como esse recebe, é possível deduzir que parte dessa audiência realmente escolhe o destino dos seus recursos apenas com base nesses web conselheiros.
Richard Thaler, um dos principais estudiosos da relação entre a psicologia e as decisões econômicas das pessoas, acredita que a sociedade se divide em dois tipos: os Econs (algo como o investidor ideal) e os Humans (os investidores reais).
No primeiro grupo, estariam o investidor racional, que pensa antes de agir e avalia as vantagens e desvantagens de um ativo na hora de aportar seus recursos nele – alguém que, na visão de Thaler, não existe em nenhum lugar do mundo. Para o teórico, todos os indivíduos carregam algum viés ao lidar com o dinheiro. Só os robôs se salvariam.
Por que tantas visualizações no Tik Tok?
Para os seres humanos, restaria a classificação de Humans, isto é, pessoas da economia real, endividadas, que gastam mais do que ganham, não resistem a uma promoção e, vez ou outra, caem no “conto do vigário”. Por aí, a gente entende as 300 milhões de visualizações nos conteúdos de Finanças do Tik Tok.
Seria um alívio se a audiência desta plataforma, pelo menos, usasse a rede como um incentivo à poupança e fosse atrás de consultorias e dados mais aprofundados para confirmar a indicação do influencer. O problema é que, se houve um ganho financeiro em virtude da dica do Tik Tok, o investidor costuma acreditar que está fazendo a coisa certa. E não está.
O ano de 2020 ficou marcado pela entrada maciça de pessoas físicas na Bolsa, mesmo diante das incertezas vindas com a pandemia. É certo que a queda da taxa Selic contribuiu para essa migração, mas quantos desses investidores foram atrás do mercado de capitais sem antes saber quais eram seus objetivos e como o seu perfil reagiria se o mercado despencasse?
O próprio Richard Thaler, que recebeu o prêmio Nobel de Economia em 2017 pelas pesquisas em finanças comportamentais, chegou a estranhar o aumento dos investimentos das pessoas físicas nos Estados Unidos nas Bolsas do país, no ano passado. Sua aposta é que o dinheiro investido veio da quantia economizada pelos norte-americanos, quando deixaram de gastar nas apostas de times esportivos já que estavam presos em casa.
Essa hipótese foi levantada, inclusive, durante sua participação no Congresso brasileiro, realizado pela B3 e ANBIMA, em novembro do ano passado. Na ocasião, o economista lembrou que o setor de tecnologia foi um dos que obteve grande alta, justamente por reunir empresas presentes no dia a dia dos investidores do varejo, tais como Facebook, Amazon, Apple, Microsoft e Google.
Para Thaler, mais importante do que tentar prever os grandes movimentos do mercado é buscar e identificar quais os erros mais comuns que a manada comete nessas ocasiões.
Fica, então, uma proposta de reflexão: entre o Nobel de Economia e o influencer do Tik Tok, qual mereceria sua atenção? Na dúvida, procure consultores financeiros sérios para esclarecer suas dúvidas.
*Este artigo não expressa necessariamente a opinião do portal Mais Retorno