Mercado Financeiro

Sell in May and go away: Quais os riscos a sua carteira pode enfrentar?

Sell in May and go away. Quem está há alguns anos no mercado financeiro conhece bem essa frase. É em maio que os investidores estrangeiros reduzem…

Data de publicação:14/05/2020 às 09:00 - Atualizado 4 anos atrás
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Sell in May and go away. Quem está há alguns anos no mercado financeiro conhece bem essa frase. É em maio que os investidores estrangeiros reduzem as suas posições e podem correr riscos, dada a chegada do verão nos meses seguintes no hemisfério norte.

Excepcionalmente esse ano, as férias serão mais próximas de casa, mas nem por isso o investidor poderá relaxar. Isso se deve a alguns fatores locais que podem chacoalhar a carteira, por mais bem estruturada que seja.

Contexto sobre os riscos em sua carteira

Toda crise tem as suas peculiaridades, sendo que crises passadas não servem de referência para as incertezas que estamos vivendo agora. No passado, seja por conta das limitações dos países emergentes durante a década de 80 ou dos vários ataques especulativos que se tornaram comuns depois, bastava elevar o juro.

Hoje, é pouco provável que alguém ganhará dinheiro voltando para a renda fixa. O juro não vai subir, muito pelo contrário, pois já está oficialmente em 3% ao ano. Dessa vez, trata-se de um cenário composto por vários fatores, que não pode ser simplesmente combatido via choque de juros.

Começando pela ajuda governamental. Ao mesmo tempo em que temos uma grande quantidade de recursos sendo direcionada ao suporte da economia, existe o problema desse dinheiro não chegar à pessoa física e às pequenas empresas quando se leva em conta a estrutura de varejo das instituições financeiras.

Além disso, é fato que nessa crise as pessoas se deram conta de quão vulneráveis estão em relação a fatores de grandes proporções (um sentimento coletivo semelhante ao sentido na época dos ataques terroristas às torres gêmeas nos EUA).

Diante das circunstâncias, a volta à normalidade é a chave para um mínimo de previsibilidade. Sem ela, não temos como dar uma referência aos preços dos ativos. Isso explica porque existe tanta volatilidade na bolsa. Entrar nela porque o índice subiu 10% na semana é a pior estratégia que alguém poderia usar nesse momento.

Isso porque pouco se sabe sobre as pesquisas conduzidas para a produção de uma vacina e os dados macroeconômicos que se seguirão (com quedas inéditas nos indicadores), sem nos esquecer que a briga entre os EUA e a China ganhou uma nova dinâmica, mais perigosa.

Dado o contexto, os ativos mundo afora não estão baratos pois respondem essencialmente aos estímulos em grande escala adotados até o momento e não às perspectivas econômicas em si, que hoje não passam de uma grande incógnita, apesar das estimativas negativas.

Dito de outra forma, é como se existissem dois mundos com dinâmicas distintas: o mercado financeiro e a economia real.

Riscos em relação à doença

Alguma forma de isolamento social vai permanecer. Os casos estão aumentando, sendo o pico de contágio esperado para os próximos meses, quando as temperaturas estarão mais baixas. Observar o que está sendo adotado em outros países pode dar algum norte, apesar da discricionaridade e dos fatores culturais de cada nação.

Um estudo do departamento de economia do Massachusetts Institute of Technology (MIT) sugere que isolar apenas os idosos pode trazer resultados satisfatórios em termos de fatalidades com aproximadamente metade dos custos econômicos.

O trabalho, conduzido por Daron Acemoglu, cujo nome sempre é cogitado para o Nobel de Economia, poderia ser contemplado para uma economia como a brasileira, que conta com um alto grau de trabalhadores por conta própria.

Riscos em relação à economia

Dada a grande participação de informais na economia, é provável que os programas de auxílio precisarão ser estendidos para além dos 3 meses inicialmente previstos. A grande dúvida é como fica o lado fiscal do país.

Um bom paralelo para essa situação é o que ocorreu com as economias mundiais na década de 40, quando os efeitos da Grande Depressão de 1929 e da Segunda Guerra Mundial foram combatidos com um alto endividamento público, como o que está acontecendo agora.

Em um momento seguinte, todas partiram para o acerto das contas públicas via medidas de austeridade, o que causou resultados desastrosos. A economia não crescia, impedindo um alívio no peso da dívida. Inevitavelmente, os países davam calote ou reestruturavam a dívida.

Repressão financeira

Isso trouxe uma mudança de estratégia e os governos passaram a impor as taxas de juros nas quais se endividavam ao invés de deixar a cargo dos mercados. Isso era feito via:

  • Autoridade monetária, que comprava títulos para balizar as taxas;
  • Bancos comerciais, que tinham os juros de suas operações previamente fixados;
  • Controle de capitais, que evitava que os investidores buscassem alternativas melhores no exterior.

A dívida gerava inflação, mas o controle sobre a taxa de juros fazia com que ela fosse negativa em termos reais, o que ajudava os governos a reduzir a relação dívida/PIB para níveis bastante baixos. Isso prevaleceu até os anos 70, sendo esse movimento revertido na década seguinte, com a desregulamentação financeira e o livre movimento de capitais.

Se considerarmos algo parecido hoje, é muito provável que o Brasil se endivide bastante, dando pouca margem para manobra no futuro. Afinal, as pessoas vivem mais e a previdência social já é o maior gasto do governo. Adicionalmente, dada a reversão do processo de globalização, a sociedade exige ações concretas do Estado, principalmente no que diz respeito à educação e o emprego.

O pacote de socorro a Estados e municípios, já altamente endividados, aprovado no Congresso sem o congelamento de salários de policiais, professores e profissionais da saúde, justamente aqueles que causam os maiores impactos nas contas dos entes federativos, mostra muito das dificuldades que ainda podem surgir.

Levando-se em conta que não pode haver a emissão de dívida para o financiamento de despesas públicas correntes, o caminho mais provável é o aumento da tributação.

Isso ocorreria principalmente via impostos sobre o consumo (inclusive o comércio eletrônico, setor que abrange toda a atividade econômica) e a riqueza (o Núcleo de Tributação do Insper identificou 37 propostas em tramitação no Congresso, além de iniciativas estaduais próprias para elevar o ITCMD, o imposto sobre heranças).

Resumindo, as aplicações financeiras não só trabalharão menos para o investidor como também ele terá a sua capacidade de poupar reduzida no futuro.

Riscos em relação à política

Apesar do chamado “orçamento de guerra” mostrar que existe um entendimento de que os gastos com       a pandemia são temporários, é a coordenação dentro do governo que vai definir o sucesso no combate à doença e, consequentemente, na economia.

Como fica a governabilidade diante de uma expectativa bastante negativa de queda do PIB? Os números estão longe de ser exatos, mas o impacto na economia vai ser maior do que os dois piores anos da gestão da presidente Dilma Rousseff juntos (2015 e 2016).

Trocas de comando em ministérios importantes trazem mais incertezas a um cenário já bastante conturbado. Economias consideradas emergentes sofrem de deficiências estruturais, então ninguém pode achar que basta sair comprando qualquer ativo porque, quando a volatilidade vem, a porta de saída fica bastante estreita.

Conclusão

O mês de maio é um mês onde os investidores estrangeiros resistem em carregar grandes posições em suas carteiras. Apesar de haver uma certa superstição, a verdade é que eles se preparam para as férias mais longas do ano com poucos ativos, visto que qualquer evento inesperado pode mover os preços na direção contrária, conforme o mercado financeiro se defronta com os resultados da economia real.

A crise que estamos vivendo eleva o nível de cautela global. Governos e bancos centrais não estão medindo esforços, mas um mínimo de previsibilidade é fundamental para que a atividade econômica possa retornar com uma certa normalidade.

Isso depende essencialmente de políticas de isolamento e pesquisas para o tratamento e a cura, não fosse por um elemento adicional indesejável: o nacionalismo, que dificulta a cooperação entre países, como observado no conflito entre os EUA e a China.

Esse é o grande desafio para quem faz a avaliação e a seleção de ativos, visto que esses fatores ainda não estão refletidos nos dados contábeis das empresas.

No caso do Brasil especificamente, os componentes que podem impactar os preços dos ativos dependem de três variáveis: a doença, a economia e a política. Diferentemente de outros países, entramos na pandemia com pouco crescimento econômico e muito barulho vindo de Brasília.

Isso dificulta o trabalho de levantar recursos necessários hoje sem criar problemas maiores no futuro. A história nos mostra erros que deveríamos a todo custo evitar, haja vista os danos permanentes na economia.

Não se trata de um momento fácil. Portanto, deve-se manter uma reserva de emergência maior e o mínimo de risco possível.

Prudência, liquidez reforçada e diversificação internacional. Nada de especular baseando-se em uma droga milagrosa ou uma vacina até o final do ano. O foco deve ser no longo prazo. Vamos superar as dificuldades e, quem sabe, crescer com elas.

“Somos como sonâmbulos, caminhando em um quarto escuro.”

Gustavo Franco
Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.
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