Economia

Renda básica universal: conheça os mitos e verdades

Pandemia mostra que programas de auxílio são inevitáveis até que haja a vacinação em massa.

Data de publicação:11/03/2021 às 05:00 - Atualizado 4 anos atrás
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Se tem algo que a pandemia mostrou é que os programas de auxílio são inevitáveis até que haja a vacinação em massa. Apenas no ano de 2020, 1.600 programas foram lançados mundo afora, beneficiando mais de 1 bilhão de pessoas. Isso só foi possível por conta do baixo custo de financiamento para governos de um modo geral.

Entre programas relançados ou prorrogados, economistas e formuladores de políticas públicas agora se deparam com um tema comum: a demanda por uma renda básica universal, principalmente entre os mais jovens.

Rede de proteção social

É fato que os programas destinados a combater o desemprego deixaram de funcionar a partir da globalização. Não por outro motivo, os britânicos votaram pelo Brexit e os norte-americanos permitiram a ascensão de Donald Trump.

Olhando para um período de 20 anos, os dados não são nada animadores. O número de pessoas desempregadas nos EUA (na faixa etária entre 25 e 54 anos) cresceu 25%, totalizando algo em torno de 6 vezes o número de pessoas que recebiam algum tipo de auxílio do governo.

O que essas estatísticas mostram é que, na ausência de oportunidades de trabalho, muitos se tornam informais, ficando à margem de qualquer sistema de amparo. Dito de outra forma, se a natureza do trabalho mudou, não faria mais sentido propor um mecanismo diferente de proteção social?

E que tal um programa de requalificação profissional? A Dinamarca é um dos países que seguiu esse caminho. O problema é que ele não funciona para todo mundo, visto que consome nada menos que 1,9% do PIB.

Mas, entre as mais variadas versões existentes, a verdade é que nenhuma nação no planeta estava pronta para a pandemia.

Moradores da periferia de Curitiba, no Jardim Santos Andrade, são beneficiados com doações; renda básica universal é auxílio, sim, e ajuda a combater o desemprego

Auxílio Emergencial

A tecnologia, representada pela internet e pelas contas digitais, permitiu algo que antes não era possível: a rápida distribuição de recursos. Considerando essa inovação, como garantir a sua sustentabilidade de programas de auxílio ao longo do tempo?

Para se responder à pergunta, é preciso olhar para os modelos mais comuns de welfare state (proteção social), que distribuem de forma distinta os custos entre cada um dos participantes da sociedade (governo, empresas e indivíduos):

  • Inglês: o Estado possui uma participação mínima;
  • Europeu: o Estado e as empresas atuam conjuntamente;
  • Escandinavo: o Estado provê os serviços essenciais.

Em maior ou menor grau, todos eles se baseiam nas seguintes premissas:

  • Atender a camada menos favorecida da população;
  • Atender mediante contrapartidas (parte da renda da população subsidia os programas);
  • Atender mediante condicionantes (critérios para que seja concedido o benefício).

Dada a urgência imposta pelo isolamento social, pode-se dizer que todas foram descartadas. Por conta disso, ao invés de focar no emprego, garantiu-se a subsistência familiar. Como resultado, países como EUA, Canadá, Grã-Bretanha, Japão e Brasil distribuíram o auxílio diretamente às pessoas.

Com o objetivo de amenizar a perda de renda decorrente da freada brusca da economia, percebeu-se que um dos efeitos não previstos dessa iniciativa foi fomentar o empreendedorismo. Nos EUA particularmente, a renda de quem recebeu o benefício aumentou 15,6%, o que explica porque boa parte desses recursos seguiu diretamente para as bolsas de valores.

Renda básica universal

Não é de hoje que os economistas mais liberais do mundo reconhecem os limites do sistema capitalista. Em 1940, Friedrich Hayek já apontava para a renda básica universal como uma forma de se endereçar o desemprego residual, que tende a ser agravado conforme a tecnologia avança sobre as funções com menor qualificação.

Igualmente relevante é a questão da crescente desigualdade entre aqueles que se beneficiaram do ambiente pós-crise de 2008 (que permitiu a grande valorização dos ativos) e os demais (autônomos e informais que ficaram sem trabalho e renda), o que leva ao grande dilema: quanto pode-se distribuir para cada indivíduo, considerando o custo para as finanças públicas?

Os suíços, bastante pragmáticos, já tentaram responder essa pergunta. Em 2016, um plebiscito colocou para votação a implementação de um programa de renda universal de aproximadamente US$ 2.500. O resultado? Reprovação por parte de 80% da população. O motivo não é difícil de entender: receio de um aumento de impostos para bancar o programa.

Em estudo

Ainda assim, o tema tem gerado alguns estudos interessantes. Entre os anos de 2009 e 2019, 16 programas de renda básica foram conduzidos em caráter experimental, tanto em países ricos como nos menos desenvolvidos.

Apesar da disparidade entre eles, as conclusões são semelhantes. Nos locais onde foram aplicados, as pessoas não só não abandonavam as suas atividades profissionais como iam além, investindo em mais qualificação. Adicionalmente, apresentavam uma saúde física e mental melhor.

Porém, como nunca foram utilizados em nível nacional, pouco se sabe sobre os seus efeitos práticos na sociedade de um modo geral. Ainda assim, estudos mais aprofundados podem subsidiar políticas públicas que incorporem alguns de seus elementos, mas sem o seu elevado custo.

A verdade irrefutável é que os mercados têm sido um tanto tolerantes em relação ao nível de endividamento, tanto de governos do G7 como de emergentes. Mas, para que um programa de renda básica universal seja implementado de forma permanente, inevitavelmente haverá a necessidade de se elevar impostos. Os alvos inclusive já são conhecidos: propriedades, emissão de carbono e serviços digitais.

Conclusão

Um ano depois, o cenário permanece o mesmo: governos altamente endividados e as economias na fila de vacinação. Independentemente do tempo necessário para que o vírus seja algo do passado, é fato que o mundo mudou.

Muitos dos programas de proteção social vigentes visam fomentar o emprego. O problema é que esse emprego, na sua visão mais tradicional, já não existe mais. Ele foi substituído por outro, onde cada um determina quando, onde e por quanto tempo deseja trabalhar.

Isso explica porque os programas de auxílio foram direcionados diretamente às pessoas quando a pandemia se instalou. Ao contrário dos programas de welfare state mais comuns, os beneficiários receberam os recursos de forma rápida e sem condicionantes para que pudessem consumir, desenvolver as suas atividades e até mesmo investir.

A tecnologia auxiliou muito nesse processo, mas é pouco provável que esses programas se tornem permanentes. Primeiro, porque existem poucas informações sobre os seus impactos quando implementados em nível nacional. Segundo, porque deve haver um consenso entre a própria sociedade sobre como a renda básica universal será financiada.

Os suíços, carregando uma dívida pública menor que os demais países, ainda não encontraram uma solução. Os jilets jaunes (“coletes amarelos”) franceses, por sua vez, externaram de forma bastante expressiva a sua opinião sobre a taxação de combustíveis fósseis. Já no que diz respeito às grandes empresas de tecnologia, o que não falta é inovação, inclusive na hora de fugir do fisco:

"Devemos explorar ideias como a renda básica universal para nos certificar de que as pessoas possuem alguma segurança para tentar coisas novas."
Mark Zuckerberg

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.