Economia

Quantative Easing: A Era da abundância de dinheiro

Você, investidor sedente por conhecimento e rendimento, já escutou falar ou soube da existência dos tais Quantitative Easing, também conhecidos como QE? Não? No Brasil isso…

Data de publicação:23/04/2020 às 11:55 - Atualizado 4 anos atrás
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Você, investidor sedente por conhecimento e rendimento, já escutou falar ou soube da existência dos tais Quantitative Easing, também conhecidos como QE?

Não?

No Brasil isso seria chamado de relaxamento quantitativo, mas vou tomar a liberdade de tratar apenas por QE, ok?

Essas duas letrinhas têm influenciado muito nos mercados financeiros do mundo todo desde pelo menos 2008. E não é aquela influêncinha boba não, é para valer. Vamos mergulhar um pouco mais nele.

O que é o Quantative Easing e sua evolução recente

Após a crise financeira de 2008 o mundo se viu em uma situação extremamente difícil, com recessão, aumento do desemprego e o perigo da deflação rodando à porta de todos os países desenvolvidos.

O grande problema é que a situação fiscal dos países também não era lá essas coisas, mas obviamente algo tinha que ser feito.

Foi então que olhando experiências já testadas pelo Japão no começo do século, o Federal Reserve (Banco Central Americano) resolveu utilizar o que foi chamado depois de Política Monetária Não-Convencional. 

Decidiram navegar em águas quase desconhecidas.

Isso acontece em situações em que a taxa de juros básica daquela economia já está muito baixa, por vezes próximas de zero (hoje não tão mais difícil de imaginar), o que dificulta o estímulo da economia por esse instrumento convencional.

Não dá para ir muito além do zero, certo?

Sem querer entrar em detalhes técnicos, operacionalmente no QE (quantitative easing) o Banco Central compra títulos da dívida do governo (e as vezes privados), injetando liquidez ($) na economia e pressionando a taxa de juro de mercado lá para baixo. 

A consequência disso é um aumento de dinheiro circulando na economia, além, claro, desses ativos irem para o balanço do Banco Central, que pode negociá-los depois.

Essa medida, além de reduzir os juros pagos pelo governo, também afeta a taxa dos demais instrumentos do mercado, inclusive no mercado de crédito, ajudando a estimular a economia.

Essa política foi usada à exaustão pelo Banco Central Americano (Fed), Banco Central Europeu (ECB), o Banco da Inglaterra (BoE) e o Banco do Japão (BoJ).

Para não ter que entrar em cada uma das operações, vamos ficar apenas com a situação americana. Abaixo nós temos a evolução do balanço do Federal Reserve. 

Perceba como ele expandiu de forma impressionante nas várias fases dos QEs (quantitative easing).

Isso foi dinheiro na veia jogada na economia americana. O preço do dinheiro (juro) foi lá embaixo, o que fez os investidores (no geral fundos) que venderam seus títulos ao Fed, buscarem outras formas de rendimento.

Naturalmente, um dos destinos foram as bolsas de valores.

Aproveite para ver tudo sobre este tema em versão vídeo também:

Impactos do Quantative Easing nos mercados

Nesse cenário de juros baixíssimos em praticamente todos os vértices das curvas de juros e com muito dinheiro na mão, os investidores também foram buscar as alternativas de maior risco para conseguir algum retorno.

O mercado acionário foi um deles, o boom das startups pode ter sido outro.

O ambiente macroeconômico doméstico e global responderia aos incentivos de preço dos ativos, às prováveis restrições financeiras mais baixas e ao grande fluxo de capital.

Olhe a evolução da bolsa americana durante os períodos de QE (Quantitative Easing). Foram sucessivas valorizações.

Os mercados emergentes também “sofreram” com esse transbordamento de liquidez. Aliás, um estudo bastante interessante publicado aqui no nosso Banco Central em 2015 e de título “Quantitative Easing and United States Investor Portfolio Rebalancing Towards Foreign Assets” mostra justamente isso.

Segundo o estudo, o QE obrigou um rebalanceamento dos portfólios dos fundos americanos, buscando outros ativos, outros mercados. Um deles foi o Brasil.

Considerando os mercados emergentes, entre 55% e 65% de todo o volume que entrou nesses mercados foi oriundo dos QEs, buscando em grande medida o mercado acionário.

O Quantative Easing pode ter criado bolhas?

Essa aqui é uma pergunta de um bilhão de dólares (ou mais, na verdade). Claramente o volume de liquidez aumentou expressivamente no mundo todo, trazendo consigo uma forte valorização nos ativos.

Olhando esse movimento e vendo que não deve parar tão cedo, fica a pergunta: os mercados inflaram uma nova bolha financeira?

Se a resposta for sim, não podemos simplesmente supor que toda essa valorização seria artificial.

Isso, não é verdade, visto que tivemos diversos avanços tecnológicos, novas empresas, avanço no nível de emprego nas principais economias e crescimento do PIB. Nós assistimos melhoras na “economia real”.

Claro, eu posso ter minha opinião sobre o assunto, o analista que você gosta pode ter outra e um gestor famoso pode ter uma terceira.

Acredito que a forma mais justa de tentar responder isso é usando bons instrumentos da literatura financeira e estatística. Saímos da opinião pessoal e vamos para um campo mais testável.

Felizmente alguém já fez isso, inclusive no fim de 2019. A vantagem da data é que os autores do estudo tiveram um amplo tempo para estudar os QEs e informação de sobra para elaborar os resultados.

O estudo “Quantitative Easing and Exuberance in Stock Markets”, de novembro de 2019, foi elaborado com informações de 10 bolsas europeias.

Temos evidências de que o período em que vigorou o QE há um comportamento “exuberante” (essa é a palavra utilizado pelo estudo) dos investidores e que resultou em períodos de forte valorização dos índices do mercado europeu, num comportamento não usual para a dinâmica dos mercados.

Tá, de certa forma você já havia visto isso naqueles gráficos em que a S&P 500 valorizou bastante durante os QEs. Qual informação adicional que já não teria visto ali?

O problema é que mil e uma coisas podem ter ocorrido nesse período e que também pode ter influenciado nesse movimento de valorização, certo?

Pois é, o que esse estudo mostra, a partir de um teste estatístico para detecção de  “bolhas” (GSADF-test, caso alguém tenha curiosidade), é que mesmo após controlarmos todos os efeitos macroeconômicos do período e demais fundamentos, ainda assim os índices de alguns países europeus mostram uma valorização meio, digamos, desproporcional. 

Não são explicados pelos bons fundamentos da economia. É uma bolha? Difícil categorizar precisamente assim. Infelizmente nós só sabemos realmente das bolhas apenas após o seu estouro, mas há indícios de uma valorização exacerbada dos ativos nos últimos anos, segundo o estudo.

Esse é o grande risco. Há uma grande dificuldade em normalização da situação da política monetária no mundo, sendo que o Fed já tentou iniciar em 2018, levando para uma situação bastante estressante ao mercado financeiro.

É como se o paciente já estivesse completamente viciado no remédio.

E a situação atual?

Bom, passado todo esse período acumulando farta liquidez e taxa de juros baixa no mundo todo, parecia que as coisas poderiam tomar um rumo melhor nos próximos anos. Até acontecer uma hecatombe nos mercados em 2020.

Desde meados do mês de março, com a intensa chegada do COVID-19 no lado ocidental do globo, foi necessário medidas de paralisação e quarentena na maior parte das economias, como você já sabe.

A consequência disso, naturalmente e infelizmente, é a recessão e a crise econômica. Mais uma delas.

Desta forma, assim como aconteceu em 2008 e nos anos seguintes, os principais Bancos Centrais se viram obrigados a ligar sua turbina do QE mais uma vez.

Poderia falar que voltamos para a estaca zero, mas na verdade, nós chegamos mesmo à um outro nível de estímulos.

Quão grande é a nova onda?

O ponto aqui é que o volume de compras de títulos é muito maior dessa vez. E eu realmente quero ressaltar o muito maior.

Quer números? O balanço de ativos do Banco Central Americano saltou de US$ 4 trilhões no final de fevereiro de 2020 para US$ 6,3 trilhões na segunda semana de abril. Em pouco mais de um mês, foram mais de US$ 2 trilhões.

Quão muito é isso? Para se ter noção, foram necessários mais de 5 anos (entre novembro 2008 e maio de 2014) para termos esse mesmo salto no balanço durante os QEs anteriores.

Pois é, isso se você considera apenas a situação americana. Os outros Bancos Centrais no mundo todo também estão na mesma toada.

Você acha que essa liquidez toda não transbordaria para o mercado financeiro?

Não por acaso, após acumular um drawdown de mais de 36% entre 19 de fevereiro e 16 de março, a bolsa americana (S&P 500) já avançou 18% até segunda semana de abril. Isso no meio do ápice da crise do vírus.

Nesse período o Fed fez 2 cortes de juro extraordinários, levando virtualmente para zero, além de anunciar e prover esse caminhão de dinheiro para os mercados.

O resultado na bolsa americana não foi por acaso.

A coisa fica ainda mais interessante pois o Banco Central do Brasil também vai entrar na dança.

No momento em que escrevo ele ainda não tem esses poderes, mas em breve ele poderá também comprar títulos públicos e privados, jogando liquidez e estimulando diretamente a economia brasileira.

Ainda que ele tenha esse poder por um período limitado (o do tratamento do vírus), por qual razão o mercado financeiro brasileiro não seria afetado?

Conclusão

Esse assunto deve permanecer nas discussões de mercado por muito tempo ainda. Os QEs mudaram o nível da política monetária e de seu potencial de estímulos para as economias e os mercados financeiros em todo mundo.

A dificuldade em reverter a situação, em lidar com os enormes balanços dos bancos centrais, ainda não se mostrou por completa.

É difícil acreditar que para sempre usaremos esse instrumento para evitar qualquer recessão ou desaceleração da economia nas próximas décadas.

Se isso acontecer, viveremos “para sempre” num cenário de juros baixíssimos, no estilo do que acontece no Japão há décadas. No meio disso tudo, parece que as bolsas de valores se tornam um o front de batalha.

A grande pergunta é: até quando? Isso nem o mais experiente investidor ou economista do mundo ainda sabe responder.

Sobre o autor
Arthur Lula MotaEconomista, já atuou no mercado financeiro e em departamento econômico, com elaboração de cenários macroeconômicos e estudos setoriais. Atualmente é Mestrando em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e dono de um dos maiores sites independentes de economia no Brasil – o Terraço Econômico.
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