Percepção de aumento do risco fiscal e juros fazem Bolsa cair; dólar sobe a R$ 5,64
A Bolsa chegou a subir durante o dia, acompanhando o movimento das bolsas americanas, mas o cenário interno segurou o avanço
Um dia depois de o Comitê de Política Monetária (Copom) elevar a Selic em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano, a Bolsa de valores fechou em queda de 0,62% nesta quinta-feira, 28, aos 1,05.704,96 pontos.
Além dos efeitos de aumento dos juros, considerado pelo mercado insuficiente para conter a inflação, o mercado refletiu também mais um atraso na votação da PEC dos precatórios, que acomodaria o Auxílio Brasil a R$ 400, e os rumores sobre a continuidade do pagamento dos benefícios emergenciais a partir de dezembro, mesmo sem definição de fontes de custeio. Fatores que aumentam as incertezas em relação à situação fiscal do País.
A votação da PEC, essencial para abrir espaço no orçamento para o custeio do programa social, estava prevista para acontecer na véspera, mas foi adiada por falta de quórum. Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil afirmou que a apreciação do texto ficou para a próxima quarta-feira (3/11), após o feriado.
O Ministro da Cidadania, João Roma, fez um apelo ao Congresso para que aprove o texto da PEC dos precatórios o quanto antes.
"Nós estamos sensibilizando o Parlamento para que seja aprovada o quanto antes. Se não até o dia 15 de novembro, caso antes porque o 15 é uma segunda-feira, feriado, então, o nosso apelo é para que até a segunda semana de novembro essa medida possa ser aprovada, porque, senão, terão dificuldades operacionais inclusive para fazer chegar o recurso a essa população", disse Roma em entrevista ao G1.
O ministro se disse, ainda, "determinado a atender os mais vulneráveis", sem mencionar as fontes de custeio para o programa social. "Nós estamos trabalhando de forma assertiva para aprovação dessa PEC, e tenho muita esperança e confiança de que o Congresso Nacional some esforços para atender esses brasileiros mais necessitados. Mas o governo federal está determinado a assistir os brasileiros mais necessitados", afirmou.
Para que uma PEC seja aprovada na Câmara dos Deputados, são necessários, no mínimo, 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação. Por isso, governistas calculam que, por segurança, o ideal é ter 490 votantes no plenário. Na véspera, o quórum não chegou a 450 parlamentares.
Cenário externo
O Ibovespa chegou a operar no positivo em alguns momentos do dia, acompanhando o cenário externo. Nos Estados Unidos, novos dados econômicos abaixo do esperado indicam uma desaceleração na economia e aumentam as expectativas de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) manterá as taxas de juros em níveis historicamente baixos, o que favorece a renda variável.
Por serem considerados os ativos mais seguros do mundo, quando os juros sobem nos Estados Unidos, elevando o rendimento dos títulos públicos, as Treasuries ganham destaque entre os investidores. Dessa forma, com a percepção da manutenção da taxa de juros entre 0% e 0,25%, o apetite por risco cresce no mercado, levando os investidores a buscarem opções com possibilidade de um retorno maior, como no mercado de ações.
Nesse contexto - e refletindo, ainda, a boa temporada de divulgação dos balanços trimestrais das gigantes americanas do setor de tecnologia - os principais índices das bolsas de Nova York fecharam em alta. S&P 500, Dow Jones e Nasdaq 100 subiram, respectivamente, 0,98%, 0,68% e 1,15%.
Esse movimento costuma beneficiar, também, os mercados emergentes, como o Brasil. No entanto, a percepção de risco fiscal no horizonte, além da inflação que não dá trégua pressionando os juros, criam expectativas de um crescimento miúdo da economia, afetando as empresas e suas ações negociadas em Bolsa.
O cenário interno também contribuiu para mais um pregão de alta para o dólar frente o real. Nesta quinta, a moeda americana registrou forte valorização de 1,96%, cotada a R$ 5,646.
Curva de juros
De acordo com Gustavo Cruz, economista e estrategista da RB Investimentos, a elevação da Selic em 1,5 ponto percentual desagradou parte do mercado, que considerava necessário um aumento mais expressivo, entre 1,75 e 2,00 pontos percentuais.
Para Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora, a decisão do Copom - inclusive a sinalização de que na próxima reunião, em dezembro, haverá outro aumento da mesma magnitude - não foi suficiente para o mercado.
O especialista considera que o Banco Central (BC) se mostrou apenas "reativo ao cenário econômico (inflação alta e aumento do risco fiscal) e não proativo para antecipar os problemas e prever que somente acompanhar o rumo da economia certamente fará o Copom correr atrás da curva".
Refletindo essas percepções, a curva de juros futuros fechou o dia majoritariamente em alta - e com valorizações bastante expressivas. Os contratos que mais sentiram o impacto foram aqueles com vencimento em 2023: aqueles negociados para janeiro subiram 1,03%, a 12,45% ao ano, enquanto os com vencimento em abril avançaram 1,07%, a 12,59% ao ano.
Ribeiro comenta que a conta do BC não é fácil, principalmente porque boa parte da inflação vem do lado da oferta com os gargalos de abastecimento deixados pela pandemia. "Mas se o Copom não mostrar um compromisso maior em frear a inflação, o mercado seguirá colocando risco na curva e isso irá gerar um novo momentum de baixa para o Ibovespa", afirma.
Dia na Bolsa
Por isso, o dia foi de forte baixa para diversos setores da B3, com destaque para varejo e construção civil. Estes segmentos da economia têm a maior parte de sua receita atrelada ao consumo da população. Assim, com a inflação alta corroendo a renda do consumidor, além dos juros subindo, o que encarece o crédito e os financiamentos, a tendência é que empresas desses setores sejam bastante impactadas.
As varejistas Lojas Americanas, Via e Magazine Luiza registraram algumas das maiores baixas do dia, com queda de 7,41%, 3,78% e 3,88%, respectivamente. Já as construtoras Cyrela, Gafisa e MRV recuaram 5,26%, 6,94% e 3,64%, nesta ordem.
Em contrapartida, a Ambev, líder do segmento de bebidas alcóolicas no Brasil, foi o destaque positivo do pregão. Os papéis da empresa dispararam 9,72%, a maior alta do dia, após a divulgação do balanço trimestral da empresa. A companhia reportou um lucro líquido de R$ 3,712 bilhões nos meses de julho, agosto e setembro de 2021, alta de 57,4% ante o mesmo período de 2020.
A Petrobras e a Vale, gigantes do setor de commodities, devem divulgar seus resultados do terceiro trimestre ao fim do pregão. Refletindo as expectativas dos investidores com os balanços, as ações da petroleira subiram 0,94%, também acompanhando a valorização do petróleo no mercado internacional. Já a Vale, que vem sendo impactada pela queda no preço do minério de ferro nos mercados globais, caiu 1,01%.