Mercado digere as manifestações políticas do 7 de setembro, enquanto aguarda novos dados econômicos
Atos políticos, discursos de Bolsonaro e reações dos poderes são as principais pautas internas do dia; no exterior, o mercado aguarda o Livro Bege
Os mercados locais iniciam o pregão desta quarta-feira, 8, digerindo os impactos das manifestações políticas que aconteceram na véspera, feriado do Dia da Independência, e de olho nos desdobramentos que os protestos podem ter nos próximos dias.
Os atos ao redor do país se dividiram em dois grandes grupos: os favoráveis ao governo do presidente Jair Bolsonaro e aqueles que se posicionam contra.
Em São Paulo e em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro fez um discurso duro, com ataques às instituições, em especial ao Superior Tribunal Federal (STF).
Em São Paulo, Bolsonaro afirmou que não vai mais cumprir as decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Em sua fala, voltou a atacar o sistema eleitoral brasileiro, outros integrantes do STF e governadores e prefeitos que tomaram medidas de combate ao coronavírus.
"Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. Sai, Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro", discursou.
Enquanto isso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, defendeu a democracia em publicação no Twitter. "Ao tempo em que se celebra o Dia da Independência, expressão forte da liberdade nacional, não deixemos de compreender a nossa mais evidente dependência de algo que deve unir o Brasil: a absoluta defesa do Estado Democrático de Direito", escreveu Pacheco, no Twitter.
O ministro do STF, Alexandre de Moraes, também publicou em sua conta no Twitter uma mensagem defendendo respeito à democracia. A postagem se deu após discurso do presidente da República na Esplanada dos Ministérios, durante um ato marcado por pedidos de destituição de ministros do STF e intervenção militar.
"Nesse Sete de Setembro, comemoramos nossa Independência, que garantiu nossa liberdade e que somente se fortalece com absoluto respeito à democracia", disse o ministro do STF.
Durante o evento de Brasília, Bolsonaro disse que haverá nesta quarta-feira uma reunião do Conselho da República, com a presença do presidente da Câmara, Arthur Lira, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux.
O Conselho da República é regulado pela Lei 8.041/1990 e é um órgão superior de consulta do presidente da República, reunido por convocação do chefe do Executivo. A esse colegiado cabe pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa, estado de sítio ou "questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas".
Repercussão dos atos no mercado
Para os especialistas do mercado, as movimentações observadas ao longo do feriado devem refletir nos próximos dias entre os três poderes da Constituição, o que pode trazer um período de volatilidade para a Bolsa e os ativos brasileiros.
"O discurso do Bolsonaro em São Paulo tende a criar mais polêmica e acentuar toda essa preocupação que se tem de um golpe ou não. Temos uma situação de estresse, onde alguns analistas até descrevem isso como um esgarçamento da democracia. Provavelmente no mercado financeiro isso tende a bater como alguma cautela", afirma a economista chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack.
Já para Flávio de Oliveira, Head de Renda Variável da Zahl Investimentos, mesmo que o tom adotado pelo presidente e seus apoiadores nos protestos não tenha sido apaziguador, os discursos não indicaram, "pelo menos em termos práticos, uma ruptura mais forte." O especialista destaca, no entanto, que as falas mais duras devem acirrar as diferenças entre o Executivo e o Judiciário.
Daniel Miraglia, economista chefe da Integral Group, ressalta que o mercado já vinha, há algumas semanas, precificando o aumento da tensão política e da crise institucional nos valores da Bolsa e ativos brasileiros. Entretanto, Miraglia considera que "as manifestações foram maiores do que o mercado esperava", o que deve aumentar a cautela dos investidores que aguardam as reações de membros dos outros poderes.
"Há algumas pautas que estão na mesa que o mercado entende como desafiadoras, como a questão dos precatórios, que estava sendo costurada com o STF, e a reforma tributária, que seguiu para o Senado Federal", afirma o economista da Integral Group. Para ele, o humor dos investidores deve oscilar de acordo com o andamento dessas propostas, depois de Bolsonaro atacar os poderes.
Inflação
Na agenda da semana, destaque ainda para os números do IPCA, que reflete a inflação oficial do Brasil, de agosto. A divulgação, feita pelo IBGE, ocorre na quinta-feira, 9, e os analistas do mercado apresentam uma projeção altista para o índice. A Genial Investimentos estima uma alta de 0,70%, o que esticaria a inflação oficial acumulada em 12 meses para 9,50%.
No último Boletim Focus, divulgado nesta segunda-feira, 6, os economistas revisaram suas projeções para a inflação mais uma vez para cima. As estimativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o período subiram de 7,27%, na última semana, para 7,58%. Há um mês era de 6,88%.
As projeções seguem se mantendo cada vez mais distantes da meta estipulada pelo Banco Central de 3,25%, com margem de 1,5% para frente ou para trás. Para o ano seguinte, os especialistas também adotaram um viés altista. De 3,95%, nos últimos sete dias, aumentou para 3,98%. E se manteve em 3,25% para 2023.
NY: Livro Bege
Nos Estados Unidos, os contratos futuros negociados nas bolsas de Nova York operam em baixa. Segundo Filipe Teixeira, sócio da Wisir Research, a perspectiva de uma reabertura econômica mais lenta e de uma eventual redução do apoio ao estímulo pandêmico do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) estão deixando os investidores mais cautelosos.
Além disso, uma liquidação nos mercados de títulos públicos se intensificou, após uma verdadeira enxurrada de vendas da dívida americana. O rendimento dos Treasuries, no entanto, manteve-se em torno de 1,37%.
Um dos pontos mais importantes, no cenário internacional, que está no radar dos investidores ao longo do dia é a divulgação do Livro Bege pelo Fed, que acontece hoje.
Este relatório, que é divulgado sempre duas semanas antes de cada reunião do Fomc (o órgão que decide sobre política monetária no país), apresenta a situação econômica ao longo do território americano e é utilizado para auxiliar as decisões sobre a taxa de juros nos Estados Unidos.
De acordo com Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, na maioria das vezes os dados apresentados pelo documento acabam não sendo precificados nos ativos disponíveis pelos mercados.
Entretanto, com as últimas sinalizações do Fed de que o tapering - a redução de compra de ativos para estimular a economia - deve começar ainda 2021, em caso de números positivos no Livro Bege, deve haver uma movimentação maior dos investidores, fazendo com que o dólar tenha uma valorização frente às moedas de divisas emergentes, como Brasil, México e Turquia.
Durante um discurso no Simpósio de Jackson Hole, que aconteceu no último 27 de agosto, o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que a maioria dos dirigentes da instituição concorda que, caso a economia continue a evoluir "em geral conforme antecipado", seria "apropriado começar a reduzir o ritmo das compras de ativos neste ano".
No entanto, a fraca geração de vagas nos EUA em agosto apontada pelo payroll na última sexta-feira, 3, e a decisão de empregadores e adiar a volta dos trabalhos presenciais alimentaram as dúvidas dos investidores obre o impacto da pandemia no processo de recuperação econômica.
"A variante delta está começando a aparecer", disse Brad McMillan, diretor de investimentos da Commonwealth Financial Network. "Os mercados estão reavaliando onde estará o crescimento e o que isso significará para os lucros."
Nas últimas semanas, instituições como Goldman Sachs e Wells Fargo reduziram suas projeções para crescimento da economia americana citando impactos da variante delta.
Após o payroll, bancos e consultorias passaram a ver uma maior probabilidade de o Federal Reserve aguardar mais informações antes de fazer qualquer anúncio sobre o início do processo de retirada de estímulos.
"As pessoas estão vendo a desaceleração da economia e as perspectivas se tornando um pouco mais opacas e, portanto, é compreensível que não queiram investir dinheiro para trabalhar", disse Willem Sels, diretor de investimentos global do HSBC Private Bank. "Existem preocupações válidas sobre a delta, sobre o crescimento chinês e global e a inflação, e é natural que as pessoas queiram mais visibilidade."
Bolsas asiáticas fecham mistas
As bolsas da Ásia e do Pacífico fecharam sem direção única nesta quarta-feira, repetindo o comportamento de Wall Street na véspera, em meio a dúvidas sobre os impactos da pandemia de covid-19 na perspectiva de crescimento global.
Em Tóquio, o Nikkei subiu 0,89%, aos 30.181,21 pontos, atingindo o maior patamar em quase seis meses, após o ganho anualizado do Produto Interno Bruto (PIB) do Japão entre abril e junho ser revisado para cima, a 1,9%.
Na China continental, os mercados ficaram praticamente estáveis nesta quarta. O Xangai Composto teve baixa marginal de 0,04%, aos 3.675,19 pontos. Já o menos abrangente Shenzhen Composto garantiu ligeiro avanço de 0,08%, aos 2.492,59 pontos.
Em outras partes da região asiática, o dia foi de perdas. O Kospi caiu 0,77% em Seul, aos 3.162,99 pontos, diante do avanço em casos de covid-19 na Coreia do Sul, enquanto o Hang Seng recuou 0,12% em Hong Kong, aos 26.320,93 pontos, e o Taiex registrou queda de 0,91% em Taiwan, aos 17.270,49 pontos.
Na Oceania, a bolsa australiana ficou no vermelho, influenciada por ações de mineradoras. O S&P/ASX 200 caiu 0,24% em Sydney, aos 7.512,00 pontos. / com Júlia Zillig e Agência Estado