Marcação a mercado começa nesta segunda-feira, 2; veja o que muda para o investidor
A oscilação do valor vai variar de acordo com o nível da taxa de juros com que o título foi comprado
O investidor que comprou títulos de renda fixa privados com juros prefixados ou indexados à inflação antes da escalada a Selic acima de 8% ao ano tende a levar um susto nesta virada de ano.
Nesta segunda-feira, 2 de janeiro, tem início o processo de marcação a mercado para títulos como Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e debêntures, incluindo as incentivadas. A nova regulação é uma iniciativa de Associação Brasileira das Entidades dos Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima).
Passam por esse processo, que tende a aumentar a volatilidade da carteira, também os títulos públicos comprados por tesourarias de bancos e corretoras de valores. Ficam fora os papeis adquiridos no Tesouro Direto, que já são submetidos ao ajuste automático de preços.
O baque ou o tamanho da oscilação do valor vai variar de acordo com o nível da taxa de juros com que o título foi comprado. “Quem comprou mais recentemente, depois das eleições, pode até ter marcação positiva, avalia Eliseu Hernandez D’Oliveira, líder de gestão de risco da Oby Capital.
O mercado de juros ficou estressado e a curva das taxas futuras subiu logo após as eleições, diante das incertezas com a política fiscal do novo governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. “Como os juros recuaram em seguida, esse investidor pode até ter marcação positiva, favorecido pela queda dos juros”, acredita Eliseu Hernandez.
O especialista calcula que terá decepção maior quem comprou papeis até o primeiro trimestre de 2002 – antes do estresse do mercado com a guerra na Ucrânia e de o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) adotar uma política monetária mais dura contra a inflação americana.
O que é a marcação ao mercado
A nova regra mostra quanto está valendo o título, ajustado pelo juro corrente no mercado, e como anda seu rendimento. É uma atualização diária que não impactará o ganho prometido pela taxa inicial, a contratada no momento da compra, se o investidor permanecer com o título. Se deixar o resgate para o prazo final de vencimento, seu rendimento será exatamente o que foi contratado no momento do investimento.
O especialista da Oby Capital afirma que até agora a marcação nos papeis privados foi feita na curva ou na taxa de juros do momento da compra do título, o que deixava o investidor sem ideia de quanto seu ativo estava valendo. “Só ficava sabendo quando ligava para o banco ou a corretora e pedia a cotação de seu ativo”, que podia estar valendo mais ou menos do que imaginava.
A marcação a mercado na renda fixa não chega a ser novidade. Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, casa de análise e empresa de tecnologia e educação para investidores, lembra que “essa mudança já havia acontecido a partir de 2002 para os fundos de investimento” e carteiras administradas. O processo, que ele acredita ser positivo, passa a fazer parte também do dia a dia do investidor individual.
Especialistas de mercado dizem que janeiro vai ser um marco para o investidor que não percebeu a variação de seu patrimônio em renda fixa. E a volatilidade gerada pelo processo vai surpreender e pegar no contrapé o investidor que acredita que a renda fixa é um porto seguro, livre de oscilações, do mercado de investimentos.
A variação, contudo, impacta o rendimento apenas de quem fizer o resgate antes do vencimento. “Quem antecipa o resgate com a venda do título terá de se submeter às condições de preço do mercado secundário”, onde os papeis em circulação trocam de mãos. “É bastante provável que um título emitido com taxa mais baixa estará valendo menos do que quando foi comprado, porque os juros subiram”, observa Ricardo Jorge. “Mas, antes de tomar qualquer decisão precipitada, convém que o investidor busque orientações” com um especialista de mercado.
Marcação à curva de juros x marcação a mercado
Eliseu Hernandez explica que os títulos privados prefixados e os indexados ao IPCA que passam pela marcação a mercado a partir de hoje estavam sendo marcados na curva de juros até agora. É um processo que consiste no cálculo de rendimento pela taxa contratada na compra do título.
Um título com uma taxa de 12% ao ano, por exemplo, mantém essa rentabilidade no dia a dia, sem que o investidor tenha ideia de seu valor, em meio a oscilações, no mercado secundário. “É um valor que sobe gradualmente dia após dia, em função da taxa de juros contratada”, explica Ricardo Jorge, da Quantzed.
Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, afirma que “quem entender bem esse mercado (com a ampliação da marcação a mercado) vai poder inclusive sair com ganho antecipado (ágio) das aplicações”. Para ele, “o segredo é manter a calma e entender que isso (a oscilação dos juros e do preço do título) faz parte do movimento de mercado”.
Para Ricardo Aragon, sócio fundador da Matriz Capital, a marcação é importante, mas o momento inadequado para a adoção da novidade, que pode estressar o mercado. “A maioria dos títulos de crédito privado é indexada ao IPCA e estamos vendo um momento muito ruim de marcação a mercado para o IPCA”, observa. “O investidor é conservador na perda e não aceita olhar o extrato e ver rentabilidade negativa”, analisa, dizendo acreditar que “vamos ver muitos saques no início de 2023”.
Fora da marcação a mercado
Os títulos emitidos por instituições financeiras, como Certificados de Depósito Bancário (CDBs), Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras do Crédito do Agronegócio (LCAs) e Letras de Câmbio (LCs), não estão sujeitos à atualização do valor pela marcação a mercado.
Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos, lembra que o investidor qualificado, que declara ter mais de R$ 1 milhão para investir, pode assinar um termo na corretora “solicitando para não ver a marcação a mercado diária e manter a evolução do investimento na curva”.