‘Foi difícil vender nossos ativos da Rússia’, diz executivo da Western Asset
Em entrevista exclusiva, Marcelo Guterman conta como foi liquidar ativos russs após início da guerra contra a Ucrânia
Com R$ 50 bilhões sob administração no Brasil, a Western Asset era uma das gestoras de fundos macros que, até alguns dias atrás, apostava nos ativos russos para apimentar os resultados de um de seus produtos mais tradicionais. Com o começo da guerra da Rússia contra a Ucrânia, ela teve de se apressar para se livrar desses investimentos.
"Corremos e, no dia 28, já tínhamos vendido praticamente toda a exposição", conta Marcelo Guterman, um dos responsável pela área de investimentos da Westerm Asset, em entrevista exclusiva à Mais Retorno.
No Brasil desde 2005, ano em que comprou a operação global do Citigroup Asset Management, assumindo todas as suas carteiras, a Western conhece bem cenários internacionais, inclusive de países emergente.
Mesmo assim, Guterman conta como foi pego de surpresa pela magnitude da invasão russa, assim como a resposta sem paralelos dos países da Otan, com sanções inimagináveis.
"Quem imaginava que o ocidente iria dar um tiro no pé desse tamanho. Que cortariam os bancos russo do sistema Swift. Basta ver o preço do petróleo onde está. É, de fato, um movimento muito forte", diz ele.
Nessa entrevista, Marcelo Guterman conta os bastidores da liquidação de ativos russos pelo fundo Western Asset Macro Strategies , traça os cenários a partir da guerra e como a crise deve chegar no Brasil e no resto do mundo. Confira.
Quantos fundos a Western Asset têm diretamente expostos à Rússia?
Temos um, o Macro Strategies (Western Asset Macro Strategies), que é um fundo espelho, que compra cotas do nosso fundo lá fora, em Dublin. Esse fundo tinha uma boa exposição à Rússia.
Tinha, não tem mais?
A gente tinha 8% de exposição ao rublo e 8% de exposição à dívida soberana russa, mas já vendemos. Zeramos nossa exposição à Rússia. Já vínhamos reduzindo desde janeiro, e até a véspera do conflito, um dia antes dos russos entrarem na Ucrânia, no dia 23, tínhamos vendido a metade dos ativos. A gente acelerou as vendas em fevereiro.
Como foi o processo?
Foi uma decisão difícil vender nossos ativos, uma decisão dura a de deixar dinheiro na mesa e fazer esse corte de ativos russos. Corremos para vender e, no dia 28, já tínhamos vendido praticamente toda a exposição.
A gente trabalhava com dois cenários de cauda, que era o da invasão, mais o das sanções. Agora, as sanções, na magnitude que foram… Até então estávamos acostumados com as sanções contra a Venezuela, Cuba, Irã. Mas o que foi feito contra a Rússia é algo de outra ordem, não estava em nosso radar uma coisa assim.
As sanções foram determinantes…
Sim, quando (os países) congelaram as reservas internacionais da Rússia, falamos, 'nossa, isso daqui é um outro patamar de coisa'. Isso daqui não é o conjunto de sanções do (ex-presidente dos Estados Unidos Donald) Trump contra a China, isso daqui é coisa séria.
E para onde foi o dinheiro da Rússia?
Nós vendemos a dívida russa e distribuímos em papéis que já temos: China, Indonésia. México, essas são as nossas três principais posições. Têm muitas outras (posições), inclusive no Brasil, mas essas são as três principais posições desse fundo.
Neste momento, vale a pena permanecer com os emergentes?
Sim, o cenário para os mercados emergentes é muito bom. Encontramos um yield relativamente alto em países que estão crescendo. Em um mundo onde o dólar fica mais fraco, os emergentes apresentam uma política monetária mais dura do que a Europa, do que os Estados Unidos.
Em nossa visão, os mercados emergentes são muito interessantes. A gente até distribuiu um pouco a alocação porque, nesse momento, os emergentes ficam sujeitos a um risco maior. Mas, no médio e longo prazo, eles continuam sendo atrativos.
Quais os impactos da guerra da Rússia na economia global?
São de variados tipos. E a gente ainda está descobrindo. Mas é como uma bomba que cai. Você não tem ideia muito dos estragos, até que começa a verificar.
O grande problema não é a invasão em si, mas as consequências das sanções. Você pode ter invasão, e a Ucrânia tem uma certa importância no mercado de grãos. Mas os impactos ficariam muito restritos se não houvesse as sanções. Cortar a Rússia do convívio global é o que tem as consequências e estamos descobrindo quais são essas consequência agora.
E o que já deu para perceber desses impactos?
A consequência mais óbvia é no preço das commodities, que está explodindo. Isso afeta preços, política monetária e crescimentos (dos países). Os preços estão subindo, principalmente o custo de energia, mas também os preços dos grãos. E esse choque, as suas consequências, vão depender basicamente da duração do conflito. Se amanhã a Rússia decidir por um cessar-fogo, o Putin resolver sair da Ucrânia, é uma coisa. Outra é a limitação causada pelas sanções durante meses.
O que esperar da política monetária dos países?
A guerra poderá trazer mudanças na política de juros dos países desenvolvidos e dos países emergentes. Mas isso ainda é difícil de dizer. Como, por exemplo, o Banco Central vai reagir a esse choque de preços? Se o choque for mais longo, qual vai ser o dano permanente sobre os preços? E aí existe, de outro lado, um quadro de recessão.
Mas você espera por uma atuação forte dos bancos centrais pelo mundo ou eles devem agir com cautela, justamente para não interromper a recuperação da economia?
O nosso cenário, aqui na Western, até antes do conflito, é de que os bancos centrais não precisavam subir tanto a taxa de juros, como estava sendo precificado pelo mercado. E eu até acho que nesse momento esse cenário até se reforçou. Há um cenário contracionista e isso será levado em consideração no mundo.
Claro que subir ou não os juros não é uma decisão fácil, afinal o mundo já está convivendo com uma inflação alta e há um choque adicional a partir dessa guerra. É possível que o FED tenha um comportamento mais agressivo, pelo menos no curto prazo. Mas não vejo um aumento estrutural da taxa de juros. O tipo de choque que temos é muito difícil de ser controlado via política monetária.
Como você disse, o portfólio de sanções aplicadas à Rússia é extenso e bastante diverso. Você acredita em espaço para aprofundar esses embargos?
Poder ter um recrudescimento, sim. Neste final de semana o Congresso dos Estados Unidos começou discutir um embargo ao petróleo russo. Mas aí entra uma questão: qual o grau de dor que o ocidente quer causar para si mesmo? O que foi feito até o momento, mesmo o congelamento das reservas (da Rússia) e o desligamento de alguns bancos do sistema Swift causa uma certa dor, certamente muita dor para a Rússia e alguma dor para os países ocidentais.
No entanto, se o ocidente escalar a ponto de embargar as exportações de petróleo, a dor para os países é bem maior. É muito grande para a Rússia, porque você corta a única fonte real de receitas e moeda forte do país, mas também é um desequilíbrio importante para o mundo. A Rússia é responsável por 5 milhões de barris de petróleo ao dia e é um fornecimento importante para o equilíbrio global. Não é fácil repor isso da noite para o dia. Ainda mais porque depende de países como Irã e Venezuela. Enfim, não é fácil.
A Western Asset já cortou em 1% o crescimento econômico da Europa em 2022. Nesse cenário, a gestora estima uma guerra longa ou relativamente rápida?
É muito difícil falar no tempo que essa guerra irá levar. Para esse cenário traçado por nós, levamos em conta a continuidade disso que está aí, sem sanções adicionais. Um conflito não muito extenso no tempo. Não esperamos, no entanto, que esse conflito seja algo que vá se resolver na semana que vem. Ele deve levar alguns meses, mas também não é perene, não acredito que o mercado vá cortar a Rússia e ela não vá mais retornar ao convívio das nações.
Como a crise vai chegar ao Brasil?
Por meio de inflação e recessão. Ainda que temos uma vantagem, por termos uma moeda relacionada às commodities, o real se beneficia no curto prazo. Mas esse equilíbrio não é tão óbvio. O fôlego é curto e a aversão ao risco vai aumentar também.
Mas, hoje, dado principalmente o preço do minério de ferro e da soja, o real brasileiro está sendo beneficiado. Isso ajuda na margem a compensar o aumento de preço de energia. E deixa uma margem de manobra para o Banco Central. Mas no médio prazo o cenário é contracionista. Essa guerra, por fim, deverá trazer para baixo o crescimento econômico esse ano.
Apesar dos sinais emitidos pelos Estados Unidos, do fato da Rússia não ter retirado suas tropas da fronteira da Ucrânia mesmo dizendo que sim, o mercado financeiro foi pego de surpresa com o início da guerra. O que pensa disso?
Olhando agora, com o benefício do que já aconteceu, parece óbvio o que iria acontecer. Mas não foi assim. A Rússia vinha fazendo um movimento de tropa, mas o cenário mais bélico que se desenhava era alguma coisa à la Criméia.
Tinham lá aquelas duas regiões de fala russa no sudeste da Ucrânia e, como fizeram na Criméia, eles iriam invadir, tomar a região, tendo como resultado uma guerra civil na Ucrânia. Basicamente o que aconteceu na Criméia. E o que aconteceu na Criméia não foi nada de outro mundo.
Ninguém antecipou, eu não vi ninguém falar, que os caras iriam invadir Kiev! Que iriam entrar para tomar a Ucrânia. Isso não estava no radar de ninguém!
E o segundo evento foi o tamanho das sanções. Quem imaginava que o ocidente iria dar um tiro no pé desse tamanho. Que cortariam os bancos russo do sistema Swift. Basta ver o preço do petróleo onde está. É, de fato, um movimento muito forte.
Então, foram dois eventos de cauda não antecipados. E por mais que a gente olhe hoje, e fale, dava para prever. Não, não dava.
Vocês consideram o cenário de um alastramento desse conflito para outros países?
Em princípio, nós vemos a Otan como uma força de detenção das ambições russas. Nós não vemos um espalhamento dessa guerra, não.
E no longuíssimo prazo? A política de sanções já coloca uma dúvida sobre a viabilidade de um mercado global tão concentrado em títulos públicos americanos?
Eu acho que está um pouco cedo para esse assunto, mas vamos ter um movimento de placas tectônicas e essa é uma das consequências não intencionais das sanções. Alguma coisa vai mudar. Hoje, se pensar, a China não tem muitas alternativas, não existem bonds marcianos. Onde eles vão guardar esse dinheiro? Eles devem estar coçando a cabeça, mas não é uma decisão tão trivial. No entanto, o que aconteceu é como quebrar cristal. Quebrou-se um negócio importante e colar de volta nunca é simples, nunca mais vai ficar igual.