Depois do bitcoin, Vale do Silício embarca na corrida da inteligência artificial
Ferramentas para criação de textos, imagens e códigos de computador chamam a atenção e atraem interesse de investidores
As novas ferramentas de inteligência artificial (IA) que chamam atenção pela geração de textos, imagens e códigos de computador também estão gerando algo mais: conversas sobre a próxima bolha tecnológica.
Reportagem do jornal americano Wall Street Journal aponta que especialistas em tecnologia concordam que a chamada IA gerativa, que alimenta sistemas como o ChatGPT, da Microsoft, tem o potencial de mudar a maneira como vivemos e trabalhamos, apesar das falhas óbvias.
Porém alguns investidores, CEOs e engenheiros enxergam sinais de fumaça que os fazem lembrar da explosão do Bitcoin, convertido agora em cinzas.
Até mesmo os trabalhadores da área de tecnologia não vitimados pelas recentes rodadas de demissões que abalaram o Vale do Silício estão aderindo à tendência IA. Entre eles, há refugiados da mais recente explosão da indústria tecnológica, cuja chama se extinguiu: o frenesi cripto.
Alguns veteranos de IA estão preocupados que a "inteligência artificial" esteja em risco de se tornar a mais recente de uma série de tendências vazias de tecnologia.
"As pessoas que falam sobre IA gerativa agora são as mesmas que falavam sobre Web3 e blockchain até há pouco tempo. O diagrama de Venn é um círculo", diz Ben Waber, CEO da Humanyze, empresa que usa IA e outras ferramentas para análise de comportamento no ambiente de trabalho. "Elas só mudaram de nome".
É claro que os mesmos investidores e fundadores da indústria IA que expressam tais preocupações acreditam em sua própria tecnologia de IA, bem como em qualquer aplicação de IA que creem que poderá impactar o mundo real. Apesar dos perigos da IA se tornar outra bolha alimentada pela empolgação, é evidente que a migração de talentos e financiamentos dos gigantes da tecnologia, startups sem futuro de Web3 e delírios financiados por SPAC poderiam ser exatamente o reposicionamento de que a indústria de tecnologia precisa.
Ao mesmo tempo, com ferramentas de IA mais acessíveis do que nunca, transformar uma startup em uma startup de "IA" é tão simples quanto escrever um código pequeno para aproveitar os serviços existentes. Entre elas estão o BERT do Google ou o GPT-3 da OpenAI, que a Microsoft adotou para tentar fortalecer seu mecanismo de busca Bing, com resultados notavelmente mistos.
Existe todo tipo de incentivo para que as startups usem um pouco de IA em seus discursos de apresentação, considerando que este é um dos poucos terrenos férteis no ambiente de investimento geralmente árido para startups de tecnologia. No ano passado, investidores colocaram US$ 2,6 bilhões em 110 startups focadas em IA gerativa nos Estados Unidos, de acordo com a CB Insights. Este ano parece que será igual, diz Matt Moberg, vice-presidente sênior da Franklin Templeton Investments.
Mesmo os investidores interessados em IA estão preocupados que o volume de interessados possa levar ao lançamento de muitas startups de baixa qualidade.
"Muitos investidores estão dizendo: 'Eu poderia dispensar esta tendência, pois se todas essas empresas serão baseadas no ChatGPT, então será mais difícil encontrar uma vencedora'", diz Brianne Kimmel, fundadora da Worklife Ventures, que investe em empresas de tecnologia em estágio inicial.
Bolha?
Assim como na bolha cripto, para cada investidor cauteloso, há muitos que têm mais medo de perder a próxima Google, ou pelo menos a próxima OpenAI. A OpenAI foi fundada como uma organização sem fins lucrativos em 2015, antes de se transformar em uma empresa com fins lucrativos em 2019. Em janeiro, ela entrou em negociações de investimentos que a teriam avaliado em US$ 29 bilhões, apesar de gerar pouca receita. Mais tarde, a empresa anunciou que havia assinado um acordo com a Microsoft para um investimento multibilionário de vários anos.
"Isso me lembra praticamente tudo o que sobe e desce no ciclo hype", diz Moberg. "Com este lançamento da OpenAI estamos no auge do ciclo. Antes era o metaverso e, antes dele, a cannabis. Há cinco anos, era a impressão 3D."
Fundadores e funcionários estão respondendo a essa demanda dos investidores, que estão criando bolhas tanto quanto seguindo tendências. Waber, da Humanyze, diz que, apesar das restrições de contratação em outras áreas da tecnologia, muitos dos seus clientes de grandes empresas continuam a contratar pessoas com habilidades em ciência de dados, algo fundamental para coletar e preparar os dados alimentados em modelos de IA.
Ashley Chang é um exemplo de profissional que mudou de carreira na ânsia de lançar empresas. Ela passou três anos na Carta, uma empresa que ajuda funcionários de startups a monitorar e gerenciar suas participações acionárias nas empresas em que trabalham. Em setembro, ela deixou a Carta para explorar startups em Web3 - uma expressão genérica para tecnologias de internet distribuída de próxima geração como a blockchain - mas em dezembro decidiu lançar uma startup de IA.
Parte do que a atraiu para a IA, foi que a IA lhe permitiria solucionar "problemas da vida real com os quais venho trabalhando há muito tempo". Sua startup, Altitude, cria uma ferramenta de suporte ao cliente baseada em IA para empresas de comércio eletrônico.
Essa mudança também é aparente entre engenheiros mais experientes, que em alguns casos estão começando empresas de IA pela contratação. No último ano, por exemplo, veteranos tanto da Meta Platforms quanto do Google deixaram seus cargos nas divisões de realidade aumentada e virtual dessas empresas para iniciar suas próprias empresas de IA.
Para ser justo com esse novo grupo de empresas de IA e engenheiros iniciantes de aprendizado de máquina, a IA ainda carece do que parecia, com frequência, constituir modelos de negócios ingênuos ou cínicos muito comuns em alguns recônditos da indústria cripto. Muitos desses movimentos e startups se assemelhavam a esquemas de marketing multinível alimentados inteiramente por sua própria campanha publicitária.
E muitas empresas desse espaço vêm construindo silenciosamente soluções baseadas em IA há anos, e estão começando a estabelecer um histórico de sucesso.
Procura
Mike Tung, CEO da Diffbot, startup de pesquisa com foco em negócios e habilitada em IA, fundada em 2008, diz que um sinal revelador da atenção voltada para a IA é que ele está vendo muito mais candidatos a emprego entrar em contato com sua empresa agora do que no passado.
Shiv Rao é um cardiologista que se ocupa prioritariamente do desenvolvimento de sua startup médica gerativa Abridge, que registra, transcreve e faz um resumo das consultas médicas. Seu objetivo é reduzir a quantidade de papelada que os médicos precisam preencher após o expediente, e ajudar os pacientes a se lembrar das recomendações médicas.
A Abridge foi fundada em 2018, bem antes do atual frenesi da IA gerativa. Mas a empresa está se beneficiando - em termos de investimento e interesse de usuários em potencial - de toda a atenção voltada para a IA atualmente, diz Zachary Lipton, seu principal cientista de IA e professor da Carnegie Mellon University.
Parte do que está acontecendo com a migração de talentos para a IA tem a ver com as demissões, e por um novo foco na eficiência, por parte de grandes empresas de tecnologia, que estão liberando mais engenheiros e executivos seniores para trabalhar por conta própria, auxiliados por generosos pacotes de indenização. As grandes empresas de tecnologia, basicamente, acumularam talentos na última década ou mais, diz Tung, que tem conversado com funcionários seniores dessas empresas que estão abrindo suas próprias empresas.
"Recentemente, me encontrei com um grande número de ocupantes de altos cargos de grandes empresas de tecnologia que me disseram estar frustrados por mais de uma década por não conseguir fazer coisas novas", diz Tung. "Mas agora eles estão livres pra agir."
Não está claro quantos engenheiros e fundadores recém-liberados da tecnologia encontrarão um lar no desenvolvimento de sistemas de IA. As startups neste espaço permanecem pequenas e não podem absorver mais do que uma fração dos trabalhadores de tecnologia que estão sendo demitidos, diz Amit Taylor, fundador do TrueUp, um site que monitora ofertas de emprego na área de tecnologia.
Mas também é provável que, como nas mudanças tecnológicas desde tempos imemoriais, muitos façam transições para profissões que ainda não existem, mas estão sendo possibilitadas por essa nova tecnologia. Uma desses profissões é a de "engenheiro de prompt", diz Kimmel. Trata-se da pessoa que insere texto em uma IA gerativa para criar uma imagem, ou mais texto, ou qualquer outro tipo de conteúdo. A nova startup de IA Anthropic, por exemplo, está atualmente anunciando uma vaga de engenheiro de prompt em São Francisco. Salário anual inicial: US$250.000.