
Como a intervenção do governo em estatais e o risco político atingem o dinheiro investido em bolsa
Com o fraco resultado das empresas estatais, a Bolsa brasileira tem o pior desempenho no ano no continente americano. O índice que mede a evolução das…
Com o fraco resultado das empresas estatais, a Bolsa brasileira tem o pior desempenho no ano no continente americano. O índice que mede a evolução das principais ações negociadas na B3, o Ibovespa, registra uma perda de mais de 11%, a maior diante das demais bolsas, quando o cálculo de comparação é feito em dólar. Quando considerada a moeda local, o Ibovespa com queda de 1,8% só fica à frente do Índice Merval, da Argentina.
Muito desse resultado pode ser atribuído ao risco político relacionado a interferências do governo em empresas estatais. Não faltaram eventos, nesse período, que desvalorizaram as ações das estatais e acabaram por tirar o sossego de investidores.
Desde a escolha de nomes para a direção das companhias movido por interesses políticos até a possibilidade de gestão de tarifas sem obediência a critérios técnicos, e tudo isso tem levado a uma deterioração de expectativas de investidores. Com prejuízos para a economia e instabilidade para a bolsa de valores.

Especialistas avaliam que os recentes e seguidos episódios de aumento do risco político do País têm sido uma das principais travas, ao lado da pandemia e da retração econômica, ao avanço do mercado de ações.
Acompanhe o retrospecto das intervenções
Em breve retrospectiva, algumas trocas intempestivas em comandos de estatais que aguçaram o sentimento de risco político entre os investidores. Com repercussões negativas sobre a bolsa de valores.
Causaram notório mal-estar a saída do presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior, dizendo que a privatização não estava nos planos da gestão; a substituição de Roberto Castello Branco do comando da Petrobrás e a demissão de André Brandão, do Banco do Brasil, onde tocava um programa de enxugamento de custos.
A insegurança política com episódios de troca nas estatais ganhou nova dimensão com outra decisão, embora de natureza distinta, tomada no STF. O ministro Edson Fachin anulou todas as condenações de Lula e abriu caminho para que o petista participe da corrida presidencial de 2022.
Bolsa reage negativamente ao risco político
O risco político não explica tudo, mas contribui, segundo especialistas, com os números negativos da bolsa de valores e dos preços de ações das principais estatais.
A Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, acumulou valorização de 6% em março. Mas o desempenho em janeiro e fevereiro foi seguidamente negativo – queda, respectivamente, de 3,32% e 4,7%. O saldo acumulado no ano também está vermelho, menos 2%.
Veja comparação de desempenho da bolsa brasileira com a de outros países, e também a desvalorização das estatais.

O Ibovespa apresenta a maior queda entre as bolsas do continente americano, quando o cálculo do desempenho é feito em dólar, considerando a variação nominal dos índices mais a desvalorização das moedas locais, o real, o peso, diante do dólar. A queda é de 11,49% frente ao Índice Merval, que recuou 9,21%, o segundo pior colocado nesse ranking.
Quando os cálculos do trimestre são feitos em moeda local, o Índice Bovespa que acumula uma queda de 1,82% consegue apresentar um resultado um pouco melhor, mas que ainda assim fica à frente apenas da bolsa Argentina, que registrou desvalorização de 6,12%.
Ações das estatais são punidas com ingerências
Papeis de empresas estatais estão sendo punidas como resposta negativa dos investidores ao descaso do governo com as melhores práticas de governança. As ações do Banco do Brasil são emblemáticas dessa perda.
Desde o começo do ano até 30 de março, Banco do Brasil ON acumula desvalorização de 19,22%, a maior entre as estatais. Eletrobras ON recua 5,32% e a PNB, 3,45%; Petrobrás ON, 18,27% e PN, 15,91%. O Ibovespa (Índice Bovespa), principal índice da B3, recuou 1,82% no trimestre.
A disparidade é maior na comparação do desempenho do BB com os concorrentes privados. No ano, até 1º de abril, as ações do banco estatal recuaram 24%, do Itaú Unibanco e Santander, 13%, e as do Bradesco, 5%.
Especialistas dizem que os papeis do BB costumam ser negociados com desconto, em relação aos dos bancos privados, por causa do risco político permanente embutido.

Explicam que as ações do BB voltaram a ser negociados por múltiplos semelhantes aos do governo Dilma Rousseff. O temor dos investidores na época era o mesmo de hoje: a desconfiança sobre possível uso político de bancos estatais.
O risco político afasta o investidor da bolsa
A interferência política é uma questão que impacta a bolsa e afeta negativamente o investidor, afirma José Luiz Rossi, economista da Investmind. Principalmente o estrangeiro, que vê o risco de investir no País aumentar a cada intervenção.
“O investidor quer retorno e a ingerência do governo cria um conflito de interesses entre a empresa e o investidor.” Com a agravante de que o investidor sócio minoritário se torna refém, já que não tem o poder de barganha do controlador, no caso, o governo, destaca.
A intervenção é vista por especialistas como nociva às regras que definem relações sadias de funcionamento do mercado. “Veja-se o caso de Petrobrás”, diz o economista. “A política de preços para o combustível em vigor transfere os riscos para o consumidor. Uma interferência nessa política, se houver, leva a empresa a assumir esse risco.”
Para o head de Renda Variável da Valor Investimentos, Romero Oliveira, a ameaça de intervenção governamental gera insegurança em todas as esferas.
“A mensagem para o investidor estrangeiro, por exemplo, é de que o grau de incerteza aumenta e tomar o risco no País fica mais difícil”, afirma Oliveira. Ela contamina a bolsa de valores e todas as estatais, prossegue ele, já que todas podem ser alvo de alguma mudança arbitrária de regra.

“O investidor não gosta de incertezas”, reforça Jennie Li, estrategista de ações da XP. “Até agora, foram sinais de intervenção, mas não se sabe o que pode acontecer (na política de preços das estatais)”. A incerteza, de acordo com ela, pode aumentar à medida que se aproximam as eleições.
Uma das formas de se blindar dos efeitos negativos do intervencionismo político nas estatais, que acaba contaminando todo o mercado de ações, é a diversificação, sugere a estrategista da XP. “Não só com ações de empresas privadas, mas também com as do exterior.” De preferência também, com carteira que mescle papeis de várias empresas e setores.
Qual a solução: prática de governança ou privatização?
Prática de boa governança ou privatização - a adoção de uma política não exclui a outra – são avaliadas pelos especialistas como solução para evitar interferências de governo em estatais. “A privatização é bem vista e gera potencial para o crescimento que beneficia os acionistas”, diz Jennie, que não dispensa também a governança como boa prática para as estatais.
A busca de solução por esses dois caminhos, para não dizer atalhos, para chegar lá mais rapidamente, é compartilhada por Romero Oliveira, head de Renda Variável da Valor Investimentos, e por José Luiz Rossi, economista da Investmind.
Uma ideia que se traduz em consenso também em relação às dificuldades. Todos reconhecem o argumento da função estratégica atribuída às estatais, que dificulta a privatização, mas abre portas ao uso político pelos governantes. Uma conduta historicamente enraizada que dificulta também a adoção da prática de boa governança.