Tudo sobre o Fundo Soberano da Arábia Saudita
O Fundo Soberano da Arábia Saudita, que pode ser abreviado para PIF, tem como objetivo ser um investidor líder. Entenda sua ligação com o banco Credit Suisse e seus efeitos no mercado.
Você já ouviu falar em fundos de investimentos? É uma classe de ativos que sempre atrai olhares de quem se interessa pelo mercado financeiro. Há várias categorias de fundos, algumas bem famosas, como fundos imobiliários e fundos multimercados. Mas existe também uma em especial que merece destaque, os fundos soberanos.
Criado e administrado pelo governo federal, o fundo soberano vem do inglês, Sovereign Wealth Funds (SWF), e é uma categoria de fundo de investimentos em que seus recursos são através dos ganhos em royalties, lucro de estatais e excedentes de arrecadação fiscal, por exemplo.
Esse fundo não é negociado no mercado, então não é algo que você pode simplesmente investir por conta. O governo federal do país responsável determina o tipo de gestão de risco do fundo, o que pode variar de muito conservadora a muito arriscada.
Os principais países que possuem um fundo soberano são: Noruega, Singapura, China e Dubai. Inclusive, o fundo soberano da Noruega é considerado o maior do mundo, de US$ 1,4 trilhão, mesmo tendo um retorno negativo de 14,1% em 2022.
Os objetivos de um fundo soberano
Pode até parecer que não, mas os fundos soberanos existem desde a década de 50, momento em que o mercado financeiro estava começando a se desenvolver mais. E inclusive, os primeiros foram criados pelo Kuwait e Arábia Saudita.
No início, o objetivo era apenas adquirir artifícios de exploração dos recursos naturais dos países para uso futuro. Assim, seria possível ter investimentos a longo prazo e com boa chance de rentabilidade.
Outro ponto importante é que como o petróleo é um recurso finito, ter um fundo soberano é como ter uma estratégia para melhor utilizar os recursos captados. Esse tipo de fundo permite desenvolver o país de modo a criar um futuro melhor e financiar seus momentos de crises econômicas.
Veja também alguns dos motivos para criação de fundos soberanos:
- Elaborar uma carteira de investimentos que consiga uma boa rentabilidade no longo prazo;
- Nível de poupança do país elevado;
- Altos superávits vindo de conta-corrente;
- Alta dependência da exportação de minérios;
- Diminuir os riscos para evitar que afetem a economia no futuro;
- Necessidade da transformação de recursos naturais em ativos financeiros.
Destaque para a Arábia Saudita
O Fundo Soberano da Arábia Saudita pode ser abreviado para PIF e permitiu que a economia do país crescesse a ponto de colocar o fundo como um dos principais motores da Visão 2030, programa de transformação econômica e que tem conseguido bons resultados.
O fundo de riqueza soberana do país foi criado em 1971 e inicialmente ajudou a estabelecer empresas de grande importância para a economia saudita. Depois, em março de 2014, ganhou mais força, quando o Conselho de Ministros do Reino emitiu a Resolução 270, colocando o fundo sob a direção do recém-formado Conselho de Assuntos Econômicos e de Desenvolvimento (CEDA), com o príncipe herdeiro, HRH Mohammed bin Salman bin Abdulaziz como presidente.
Sendo uma ferramenta de impacto em escala global, o PIF possui um portfólio de produtos financeiros com foco em investimentos sustentáveis, seja de âmbito nacional ou internacional. Além disso, também é capaz de impulsionar a tecnologia e conhecimento de ponta, atuando em setores e mercados globais através de parcerias estratégicas.
Gestão do fundo
O principal líder do fundo está sob a presidência e orientação do Príncipe Mohammad bin Salman bin Abdulaziz Al Saud. Ao mesmo tempo em que o conselho é responsável por supervisionar a estratégia de longo prazo, a política de investimento e o desempenho do PIF.
Aqui está cada um deles:
- Mohammad bin Salman Al-Saud: Príncipe Herdeiro, Primeiro-Ministro, Presidente do Conselho dos Assuntos Económicos e de Desenvolvimento, Presidente do Fundo de Investimento Público;
- SE Dr. Ibrahim Abdulaziz Al-Assaf: Ministro de Estado e membro do Conselho de Ministros saudita;
- SE Dr. Majid Abdullah Al Qasabi: Ministro do Comércio;
- SE Mohammad Abdul Malek Al Shaikh: Ministro de Estado e membro do Conselho de Ministros saudita;
- SE Mohammed Abdullah Al-Jadaan: Ministro de finanças;
- SE Ahmed Aqeel Al-Khateeb: Ministro do Turismo;
- SE Khalid Abdulaziz Al-Falih: Ministro do Investimento;
- HE Yasir Othman Al-Rumayyan: Governador do Fundo de Investimento Público;
- SE Mohamed Mazyed Altwaijri: Assessor na Corte Real.
O fundo soberano da Arábia Saudita também conta com uma gestão executiva. São os responsáveis pela revisão das atividades estratégicas e operacionais, e pelos demais comitês. Ademais, devem analisar as propostas de investimento e não investimento, antes de chegar até o conselho.
A equipe é composta por:
- Turqi A. Al-Nowaiser: Vice-Governador e Chefe da Divisão de Investimentos Internacionais;
- Yazeed A. Al-Humied: Vice-Governador e Chefe de Investimentos MENA;
- Aiman M. AlMudaifer: Chefe da Divisão de Investimentos Imobiliários Locais;
- Rania Nashar: Chefe das Divisões de Conformidade e Governança;
- Saad Alkroud: Chefe de Gabinete e Secretário-Geral do Conselho;
- Kevin Foster: Chefe da Divisão de Assuntos Corporativos;
- Jerry Todd: Chefe da Divisão de Desenvolvimento Nacional;
- Mike Cheng: Chefe da Divisão de Auditoria Interna;
- Feta Zabeli: Chefe da Divisão de Risco.
Investimentos pelo mundo
O fundo soberano da Arábia Saudita possui como objetivo ser um investidor líder, com investimentos eficazes e de longo prazo, indo além das fronteiras sauditas. Como o PIF é um braço do governo, acaba sendo uma forma de ter retornos financeiros atrativos com investimentos domésticos e internacionais diversificados.
A gestão mantém uma estratégia com seus portfólios, incluindo quatro locais e duas globais. Dentro de seu território, o fundo promove a diversificação estratégica e sustentável, apoiando setores-chave e crescimento no setor privado.
Enquanto fora do país, internacionalmente, o PIF investe em um portfólio diversificado em uma variedade de classes de ativos. O fundo já aplicou nas empresas mais inovadoras do mundo, construindo parcerias que coloquem a Arábia Saudita na vanguarda das tendências emergentes.
O fundo soberano rende dinheiro?
Mohammed bin Salman colocou o Fundo de Investimento Público (PIF) no foco das reformas que visam diversificar a economia do maior exportador de petróleo do mundo, em 2021.
Assim, o PIF saiu de um fundo de riqueza soberana para um mecanismo de investimento em escala global, que faz apostas bilionárias em empresas de tecnologia e outros investimentos de capital.
Sem contar que as finanças do fundo soberano da Arábia Saudita são notáveis. Os ativos aumentaram de US$ 150 bilhões em 2015 para US$ 400 bilhões em 2020, com o fundo impulsionado por um pagamento estimado de US$ 70 bilhões da Saudi Aramco, empresa estatal de petróleo, e uma transferência de US$ 40 bilhões da central de reservas externas do banco.
O país também recebeu quase US $ 30 bilhões da oferta pública inicial da Aramco em 2019. Então, no total, o fundo soberano arrecadou US$ 21 bilhões em empréstimos entre 2018 e 2019.
Nesse meio tempo, o governo contou com o PIF para financiar alguns projetos de infraestrutura para guinar o crescimento da Arábia Saudita. Por exemplo, uma zona de negócios de alta tecnologia de US$ 500 bilhões e o “The Line”, cidade livre de carbono com 1 milhão de habitantes que deve custar entre US$ 100 bilhões e US$ 200 bilhões.
A gestão pretende injetar pelo menos 150 bilhões de riais (que seria cerca de US$ 40 bilhões) na economia local até 2025 e ainda aumentar seus ativos para 4 trilhões de riais (US$ 1,07 trilhão) até esse ano, de acordo com o príncipe Mohammed.
Abraçando outros mercados
Em 2022, o fundo de investimento público da Arábia Saudita comprou 5,01% da Nintendo, a famosa marca de videogames, aumentando sua exposição à indústria japonesa desse segmento.
A decisão foi feita com foco nos investimentos e também assume participações em outras empresas de jogos eletrônicos: Nexon, Capcom e Koei Tecmo.
Como o PIF é presidido pelo príncipe herdeiro, o mesmo também é um investidor no Vision Fund, do SoftBank. Assim, o grande soberano administra mais de 600 bilhões de fundos e assumiu uma fatia da Activision Blizzard, produtora de “Call of Duty”.
Não sendo suficiente, o fundo lançou sua própria empresa de videogame e e-sports, chamada Savvy Gaming. Além de que comprou ações da Alphabet, Zoom Video, Microsoft JPMorgan, BlackRock e Starbucks.
Ao todo, o valor de mercado da carteira de investimentos do FIP ultrapassou US$ 40 bilhões no fim do segundo trimestre de 2022. Também liderou um consórcio de empresas que adquiriu o clube de futebol da Premier League inglesa, Newcastle United, por US$ 409 milhões.
Qual a ligação com o Credit Suisse?
Antes de entender a ligação, é preciso pontuar o que aconteceu com o Credit Suisse. O banco suíço de investimentos teve desvalorização de 24% e contou com as negociações suspensas por vários momentos em março de 2022.
Recentemente, o papel chegou a cair 30% e claro que conforme as ações caíam, os temores de um risco sistêmico só ganhavam força. Tudo desandou na quarta, 15 de março, quando as bolsas amanheceram com a notícia de que um dos principais acionistas do Credit Suisse, o Saudi National Bank, não colocaria mais recursos na instituição financeira.
De acordo com o presidente, Ammar Al Khudairy, se o banco saudita aumentasse a sua participação, que hoje é de 9,9%, haveria problemas regulatórios. Como o mercado financeiro é um efeito dominó, não demorou para que a notícia ecoasse pelas bolsas dos quatro cantos do mundo.
Um dia antes, na terça-feira, 14 de março, o banco suíço disse em comunicado que teria “fraquezas materiais” nos controles internos. O que fez com que não fosse possível realizar os relatórios financeiros consolidados com confiança. O problema vem desde 2019 e pode já ter afetado os relatórios anteriores.
A instituição financeira começou uma reestruturação em outubro de 2021, com a esperança de um aumento de capital de US$ 4 bilhões. Aqui, abriu espaço para grandes investidores do Oriente Médio.
Porém, a iniciativa não foi tão bem sucedida assim. Em 2022, o banco fechou seu balanço com seu pior resultado em 14 anos, concluindo com uma perda líquida de 7,3 bilhões de francos. Ou seja, não é de agora que o Credit Suisse passa por maus bocados.
A coluna de Assis Moreira, no Valor Econômico, noticiou que dois fundos foram responsáveis pelo prejuízo de 2022. O primeiro seria pela perda de 5 bilhões de francos com o fim do fundo especulativo americano Archegos. O segundo seria pela liquidação dos fundos Greensill, uma empresa britânica, com prejuízo na casa de US$ 10 bilhões.
Com tanta repercussão, alguns analistas discutem o futuro do Credit Suisse. Uns acham que o banco suiço é grande demais para falhar. Por outro lado, em entrevista à Bloomberg, o economista Nouriel Roubini, conhecido como “Dr. Doom”, defendeu a hipótese de que pode ser grande demais para ser salvo.
Para fechar a semana turbulenta com uma boa notícia, o grupo suíço UBS Group AG adquiriu o Credit Suisse, no domingo, 19 de março. As negociações estavam em andamento, mediadas pelo governo suíço. O valor da aquisição foi de 3,25 bilhões de dólares. A operação foi confirmada pelo Banco Nacional da Suíça (SNB, na sigla em inglês), que também participou ativamente das negociações.
Papel do PIF nisso tudo
A primeira ligação vem por conta do Saudi National Bank não investir mais seu dinheiro no Credit Suisse. O banco da Arábia Saudita é o maior acionista do banco internacional, sendo que um dos proprietários é o mesmo responsável pelo fundo soberano do país, o príncipe Mohammed.
No ano passado, as ações do Credit Suisse chegaram a subir até 7,5% só com a perspectiva de que o príncipe da Arábia Saudita assumisse uma participação no banco de investimentos da Suíça, o que acabou acontecendo mais para frente.
Na época, Bin Salman investiu cerca de US$ 500 milhões. Além disso, quando o Credit Suisse começou sua reestruturação, o fundo soberano do Qatar dobrou sua participação no capital social.
Em janeiro de 2023, o Qatar Investment Authority aproveitou a crise financeira da instituição suíça e passou a deter uma participação de quase 7%. O fundo tem em torno de US$ 450 bilhões em ativos sob gestão, e se tornou o segundo maior acionista do Credit Suisse, perdendo apenas para o Saudi National Bank.
Isso é um exemplo de como os fundos soberanos do Oriente Médio estão conseguindo aumentar sua atuação pelo mundo. Já que a decisão do príncipe herdeiro foi capaz de quase terminar de quebrar o banco suiço.
É uma região que adquiriu participações em empresas e times de futebol, em cima dos ganhos obtidos na última década com os preços do petróleo e do gás natural. Os “petrodólares”, como são chamados, se tornaram essenciais para o Credit Suisse e outros negócios pelo mundo.
A própria Copa do Mundo no Catar foi uma amostra de como os fundos soberanos estão cumprindo seu papel, colocando toda cultura e economia em evidência para outros países. Agora, nós e o mercado financeiro ficamos de olho para os próximos capítulos.
E o Brasil, também tem fundo soberano?
Na verdade, já teve. O Brasil também já possuiu um fundo desse tipo. O Fundo Soberano do Brasil (FSB), foi criado em 24 de dezembro de 2008, recebendo aporte inicial de R$ 14 bilhões e emissão de títulos do Tesouro Nacional. Vinculado ao Ministério da Fazenda, o fundo soberano brasileiro foi totalmente zerado para quitar dívidas públicas em 2018 e extinto em 2019.
O FSB foi criado para cumprir os seguintes objetivos:
• Mitigar os efeitos dos ciclos econômicos;
• Formar poupança pública;
• Promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior;
• Fomentar projetos de interesse estratégico do País localizados no exterior.
Na época de seu lançamento, o governo informou que a filosofia de investimentos é "a busca de alocações de seus recursos que conciliem, por um lado, a maximização da rentabilidade esperada, considerando níveis de tolerância a riscos compatíveis com o perfil de longo prazo do fundo, e por outro, a manutenção de níveis adequados de liquidez financeira de curto prazo, visando a sua atuação, tempestiva e eficaz, como instrumento de política econômica anticíclica.”
Além das aplicações no Brasil, o FSB também podia aplicar os seus recursos em ativos financeiros externos. Mas, isso apenas mediante a aplicação em depósitos especiais remunerados em instituição financeira federal ou que seja diretamente pelo Ministério da Fazenda.
A aplicação de recursos do fundo soberano brasileiro no exterior se dava a partir de decisão estratégica de seu Conselho Deliberativo e em consonância com sua Política de Investimentos, que se dividia em quatro principais pilares:
1. Estrutura de Governança;
2. Carteiras de Referência;
3. Limites Operacionais para a gestão do portfólio;e
4. Mecanismos e metodologias de mensuração dos resultados do FSB.
Além disso, alguns estados brasileiros possuem fundos soberanos, como o Rio de Janeiro e o Espírito Santo. Os municípios de Niterói (RJ), Maricá (RJ) e Ilhabela (SP), também possuem, e segue a mesma lógica, os recursos são dos royalties do petróleo e do gás natural.
E caso você tenha se interessado em saber mais sobre fundos soberanos, uma boa ideia é acompanhar as notícias de economia por aqui. Mas, infelizmente não conseguirá investir em nenhum deles. / Texto por Gabriela Bulhões.