Economia

Teorias que surgem sobre novos arranjos econômicos na Europa

Ascensão das criptomoedas, queda do dólar, Ucrânia na Otan, entre outros, são algumas das teses que estão sendo questionadas no mercado

Data de publicação:28/06/2022 às 05:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Olhando pelo lado estritamente econômico e, sem considerar as mudanças climáticas, o desarranjo nas cadeias globais de valor desde o início da pandemia, as sanções internacionais decorrentes de uma guerra na Europa e os efeitos da política monetária (juros) dos EUA são apontados como elementos que moldarão definitivamente o mundo.

Efeitos do aperto monetário americano está entre os fatores que vão moldar o mundo - Foto: Reprodução

Desde então, surgiram algumas teorias, nem sempre com a devida fundamentação.

Ascensão das criptomoedas

A primeira delas considerava a hipótese das criptomoedas se tornarem parte relevante dos recursos que atravessam fronteiras, dado o seu baixo custo, segurança e blindagem contra qualquer interferência governamental.

As moedas soberanas digitais e a diminuição da especulação desenfreada observada recentemente colocaram por terra qualquer avanço nesse sentido, ainda que parte da sua infraestrutura tecnológica (blockchain) possa ter algum mérito e aplicação prática para o sistema financeiro internacional.

Queda do dólar

Uma segunda teoria, de que o dólar perderia o seu status como moeda internacional, é decorrente da aplicação de sanções, o que eleva inclusive o risco de calotes. A partir do momento que qualquer agente, seja ele um indivíduo, uma empresa ou um país, possui ativos em dólar, ele está exposto ao que é decidido em Washington.

Adicionalmente, o papel do dólar como reserva mundial traz um outro desdobramento: o fato de o mundo ficar sujeito aos juros nos EUA, afetando os países emergentes de um modo geral e gerando outras respostas de política monetária no resto do planeta.

Nesse contexto, um movimento de regionalização faria sentido como resposta ao dólar onipresente, mas ele não viria sem custos. Considerando os novos arranjos, onde países mais alinhados politicamente tentariam garantir a autossuficiência e algum grau de influência, o exemplo da União Europeia (UE) traz algumas lições.

Entrando no clube

As tratativas para que a Ucrânia seja aceita no bloco retratam bem o processo de adesão como também evidencia algumas discussões.

Originalmente composto por Bélgica, França, Alemanha, Itália, Luxemburgo e Holanda, o grupo se expandiu, abarcando países cada vez mais distintos.

Foi ao longo desse período de integração que a Europa enriqueceu. O Reino Unido, que fazia parte até início de 2020 (“Brexit”), entrou em 1973.

Países como Espanha, Portugal e Grécia tornaram-se membros na década de 80. A Finlândia e a Suécia, em conversas mais recentemente para se juntar à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), são membros desde 1995.

Leste europeu

Nos anos 2000, foi a vez da UE levar seu modelo de desenvolvimento para os países do leste europeu, preenchendo o vácuo deixado pela queda da União Soviética e visando evitar novos conflitos na região. A Croácia foi a última a ser aceita, em 2013.

Conforme cresceu, a questão da sua extensão territorial se tornou politicamente sensível. Da mesma forma que ela fornece algum tipo de estabilidade no continente, fica também sujeita a novos problemas.

A fronteira da Finlândia com a Rússia, Kaliningrado e o lado turco de Chipre (apesar de ter solicitado a sua adesão formal, a Turquia não faz parte da UE) mostram os limites da regionalização proposta pela Europa.

Exigências

A extensa lista de membros, que em algum momento chegou a contar com 28 nações, esconde o longo e árduo processo para se entrar no clube. Inicialmente, a candidatura exige a aprovação unânime.

No caso da Ucrânia especificamente, ela seria a quinta maior população dentro do grupo (44 milhões de ucranianos), o que define a sua representatividade, ainda que tenha um peso econômico menor.

Dito isso, as negociações começam a partir do momento em que um país ganha o status de “candidato”, ocasião em que precisa adequar as suas leis ao extenso arcabouço jurídico da UE, conhecido como acquis communautaire.

Candidato exemplar

Dividido em várias partes, ele contempla desde subsídio agrícola (o que impacta países como a Ucrânia) até a livre movimentação de mão de obra e os benefícios sociais a serem providos. Consequentemente, para tornar-se membro, é preciso gabaritar em todos os quesitos.

Entre as implementações exigidas, a observância da democracia e do Estado de Direito, além de uma economia de livre mercado capaz de concorrer com os demais países do bloco, inclusive no que diz respeito à questão ambiental.

A adoção do euro, que implica em medidas de austeridade como as definidas pelo Tratado de Maastricht (déficits limitados a 3% do PIB e o endividamento público limitado a 60% do PIB) e ajustes no sistema bancário, normalmente fica para o final, ocasião em que o novo membro pode então usufruir da estabilidade da moeda e dos juros baixos.

O processo se conclui com a ratificação por todos os países membros, o que inclui os ritos legislativos de cada um e, em alguns casos, a aprovação pela população, que precisa de fortes incentivos considerando as regras exigidas por Bruxelas.

Irlanda como inspiração

Em 1973, quando a Irlanda se juntou à então Comunidade Econômica Europeia (CEE), seu PIB per capita era equivalente a 61% da média dos demais países. Hoje, ele é de 115% da média do bloco.

Boa parte desse resultado á atribuído aos investimentos externos, repetindo a experiência de lugares como Singapura e Hong Kong.

Adicionalmente, a Irlanda se aproveitou das transferências entre os países contidas no orçamento da UE para aprimorar a sua infraestrutura e prover um ambiente de negócios com baixos impostos, sem descuidar de sua política fiscal.

Conclusão

Nenhum novo arranjo econômico vingará sem que os países passem por um processo de aprendizado e adaptação. Enquanto os EUA usam as sanções como política externa, a Europa se ampara no seu projeto de integração.

Pela experiência europeia, percebe-se a necessidade de alguma flexibilização ou até mesmo um período de transição, o que explica inclusive porque alguns países preferem manter as suas próprias moedas.

Ao invés de anos de dificuldades e exigências, um processo onde os benefícios são concedidos aos poucos. Assimilar alguns conceitos e implementar o que já foi testado seriam boas formas de se organizar e propulsionar as economias regionais.

Qualquer coisa além disso, como uma criptomoeda de emissão privada como reserva de bancos centrais ou uma nova moeda internacional substituindo o dólar, não passa de pura especulação.

*Este artigo não reproduz necessariamente a opinião do portal Mais Retorno.

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.