Economia

O relógio do investimento

Em algum momento você já parou para pensar que tanto a economia real quanto o mercado financeiro vivem de ciclos? Sejam eles representados pelos famosos Bull…

Data de publicação:02/06/2020 às 09:00 - Atualizado 4 anos atrás
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Em algum momento você já parou para pensar que tanto a economia real quanto o mercado financeiro vivem de ciclos?

Sejam eles representados pelos famosos Bull e Bear Market, ou então pelos ciclos econômicos mais clássicos?

A evolução e a transição entre essas fases resultaram num estudo bastante interessante em 2004 chamado de “The Investment Clock” pela Merril Lynch. Vamos conversar um pouco melhor sobre isso.

Entendendo o mecanismo dos ciclos do relógio

O relógio do investimento foi uma maneira que a instituição encontrou, a partir de mais de 3 décadas de dados, de relacionar o que seria uma “rotação” de ativos e o setor estratégico para cada ciclo econômico.

Por exemplo, faz sentido concentrar sua carteira em ações de empresas de varejo no momento em que a economia está passando por uma forte crise econômica, desaceleração e o consumo está reprimido? Pois é.

De certa forma, o estudo sugere que cada ciclo apresenta aspectos únicos, por vezes até semelhantes e que podem ajudar os investidores a ganhar dinheiro.

Nesse trabalho eles utilizaram os dados da OCDE, que são excelentes para datação de ciclo, além do índice de preços do consumidor, para identificar as fases do ciclo americano desde 1973.

Calcularam os retornos médios de cada ativo e setor, segregando por fase. Dessa forma, encontraram uma leitura muito útil para estratégia setorial.

As economias apresentam uma certa tendência de longo prazo, chamada pelos economistas de crescimento potencial e que é explicada pelos seus fatores de produção como o capital e o trabalho.

Mas no curto prazo elas podem desviar de seu caminho de crescimento, sendo tarefa dos policy makers colocar ela de volta nos “trilhos”. Esse desvio em relação ao que seria o seu potencial é chamado de hiato.

Uma economia operando abaixo do potencial sofrerá pressão deflacionária. Por outro lado, uma economia consistentemente acima de sua trajetória de crescimento tende a gerar inflação.

Os ciclos do relógio

A evolução dos ciclos cuja tendência pode ser justamente sumarizada, acontece conforme o esquema abaixo. Em cada etapa, eles identificaram um tipo de ativo que seria mais indicado ou que deveria ser destacado.

A reflação: nesse estágio podemos ter um lento crescimento ou uma queda do PIB, com uma certa ociosidade e a queda dos preços das commodities reduzem a inflação. Os lucros são baixos e os rendimentos reais caem, mas esse cenário muda à medida que os bancos centrais cortam as taxas de juro na tentativa estimular o crescimento das economias. Aqui os títulos de dívida seriam a melhor classe de ativos.

Na recuperação, os estímulos das políticas entram em vigor e o crescimento do PIB tende a acelerar em relação ao estágio anterior. No entanto, a inflação continua a cair porque a ociosidade ainda está alta (há hiato). Os lucros se recuperam bastante, mas os bancos centrais mantêm o juro baixo. Este seria o ponto ideal (segundo o estudo) do ciclo para os investimentos em ações, que começam a se valorizar.

No superaquecimento, não há mais aumento da produtividade e nem ociosidade (hiato não é mais negativo), com um crescimento acima da sua tendência e dessa forma a inflação aumenta. Os bancos centrais aumentam o juro para trazer a economia de volta para um nível sustentável. Nesse momento de pujança, as commodities são a melhor classe de ativos.

Por fim, na estagflação o crescimento do PIB desacelera, mas a inflação continua subindo, geralmente devido ao próprio aumento dos preços das commodities da etapa anterior. Apenas um forte aumento da ociosidade pode quebrar esse círculo vicioso de baixo crescimento e preços elevados. Nesse momento, os riscos podem aumentar e o cash seria o melhor ativo.

Dessa forma, o estudo resume todo esse conjunto de informações e etapas no tempo em um relógio, o tal Relógio dos Investimentos, reproduzido em sua integra abaixo.

E como estaria o Brasil?

Bom, o Brasil obviamente também tem seus ciclos econômicos e de mercado. Em parte ditado pela atividade econômica global e também naturalmente por suas políticas e particularidades internas.

Abaixo temos justamente a evolução histórica desses ciclos, marcadas pelos crescimentos significativamente abaixo da sua tendência durante a crise internacional de 2008 e a crise doméstica de 2014-2016.

Não por acaso, caso seguíssemos o indicativo de ativo pelo Relógio do Investimento, desde 2016 o ativo recomendado seria justamente o mercado acionário.

A pandemia em 2020 levou a uma quebra absurda na tendência, assim como já havíamos visto no caso dos EUA e dos demais membros ricos da OCDE.

Nesse momento, o relógio sinalizaria a importância da segurança e, portanto, trabalhar com ativos menos voláteis como os títulos (os bonds).

Aqui cabe destacar que o Brasil tem uma particularidade. Nosso mercado acionário, representado por exemplo pelo Ibovespa, tem uma grande concentração em ativos de empresas do setor de commodities.

O que isso quer dizer? Que basicamente não há um ciclo muito definido para ativos como ação e outro para commodities. Eles são quase que inseparáveis no Brasil.

Não por acaso, agora durante a pandemia do COVID-19, o mercado tem focado muito nas ações americanas, sobretudo pelo peso de outros setores naquele mercado.

Por sua vez, é bem provável que o mundo volte seus olhos para o Brasil tão logo a economia global comece a realmente normalizar (ainda estamos dando passos nesse sentido), com aumento da demanda global e que impulsiona as commodities.

Nesse momento o nosso ciclo será muito forte, com os preços das commodities e nossas ações se valorizando em relação ao deprimido patamar atual.

Aliás, nesse momento a nossa moeda também deve se apreciar, tanto pelo fluxo de investimentos em carteira, quanto pelo aumento no volume das nossas exportações dessas mercadorias.

Essa é a parte do ciclo que todos do mercado financeiro brasileiro estão de olhos.

Conclusão

O relógio do investimento é só mais uma das várias ferramentas que o investidor pode utilizar na hora de entender como está o mercado, a economia, e tomar sua decisão. Sobretudo se ele tem diversificado sua carteira internacionalmente.

Apesar do ciclo fazer bastante sentido, ele não deve tomar como regra única. Inclusive, como vimos, ele não funciona da mesma forma para todos os países. O Brasil é um caso especial deles.

Mais importante do que isso, além de se estudar os ativos sugeridos em cada período, é extremamente importante a diversificação para inclusive suavizar os efeitos do ciclo.

Nada te impede de estar expostos justamente a todas essas classes de ativos em todos os ciclos sugeridos.

Aliás, sabendo qual parte da sua carteira será beneficiado pela mudança de ciclo é uma forma mais fácil de se planejar quando for pensar no rebalanceamento da sua carteira. Conhecimento e disciplina são a regra do jogo e o relógio, se bem usado, pode te auxiliar nisso.

Sobre o autor
Arthur Lula MotaEconomista, já atuou no mercado financeiro e em departamento econômico, com elaboração de cenários macroeconômicos e estudos setoriais. Atualmente é Mestrando em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e dono de um dos maiores sites independentes de economia no Brasil – o Terraço Econômico.
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