"Que o governo possa aprender com erros", deseja Kinea em carta de gestão de junho de 2023
Carta de gestão da Kinea evoca Confissões de Santo Agostinho para reforçar necessidade de governo aprender com erros do passado recente do país; gestora também mencionou provável recessão de EUA e reabertura da China
Governo quer controlar gastos, mas “não ainda”. É o que entende a Kinea na carta de gestão de junho intitulada “As confissões de Santo Agostinho”.
A gestora compara o texto de Agostinho de Hipona, que pede à Deus que conceda “castidade e continência, mas não ainda", com a situação fiscal brasileira, que, na visão da Kinea, o governo promete melhorar, com redução de gastos, porém o cenário se mostra contrário e ainda distante.
Com a atual conjuntura, a Kinea optou por reduzir posições aplicadas em juros e inflação no último mês. “A relação risco-retorno não nos parece mais tão atrativa”, afirma a gestora.
Entre os pontos que preocupam, em relação à trajetória fiscal, está também os juros reais, atualmente um dos maiores do mundo que se apresentam muito acima do nosso crescimento potencial.
“Sem o devido superávit fiscal e com crescimento abaixo do juro real considerado neutro para a economia brasileira, nossa dívida permanecerá divergente, e questões fiscais podem reaparecer tão logo a virtude da continência dos gastos não se mostre presente”, explica a Kinea.
Sobre o tema, a gestora também entende que os próximos dois anos ainda serão marcados por gastos crescentes, acima do desejado pelos defensores de maior ajuste fiscal.
Na segunda metade do mandato, a Kinea ressalta que os gastos seriam menores por regra. Contudo, seria difícil impedir que os gastos aumentassem em época de eleição, como é praxe no Brasil.
“Deixamos nosso desejo que o atual governo possa também aprender com tantos erros na história de nosso país, onde deixamos a paixão, o hábito e a necessidade de gastos fiscais corromperem a virtude de contas públicas continentes e equilibradas”, conclui a Kinea.
Recessão nos EUA
Na visão da gestora, a economia dos EUA apresenta um processo mais crônico do que nas ocasiões em que foi alvo de processo mais agudo causado por crises financeiras ou pela pandemia.
Assim, a economia tem sentido os efeitos da política monetária e enfrentando forças opostas.
De um lado, setores cíclicos como a manufatura estão apresentando sinais de desaceleração, indicando um ambiente econômico mais desafiador nos próximos trimestres, conforme sugerem diversos indicadores antecedentes. Por outro lado, o crescimento robusto da renda real e a resistência do mercado de trabalho estão sustentando um nível elevado de consumo.
“Em nossa visão, a resiliência do mercado de trabalho, e consequente crescimento da renda real, devem trazer maior preocupação para os membros do Fed com relação a um potencial superaquecimento da economia, uma vez que a taxa de desemprego é a menor em 50 anos e o número de vagas em aberto permanece elevado”, diz a gestora.
De acordo com a Kinea, é previsto que uma recessão ocorra, porém como um processo resultante do aperto monetário atual, e não como um evento repentino de uma crise financeira. Embora a duração da recessão tenha sido difícil de prever, continua sendo o cenário central da gestora.
Na carta de gestão, há o reforço na crença de que os cortes na curva de juros dos Estados Unidos nos próximos trimestres estão excessivos, o que levou a gestora a manter posições em juros no país.
Além disso, há uma postura cautelosa em relação ao mercado de ações devido a valuations elevados, um prêmio de risco baixo e a perspectiva de um período mais desafiador para o crescimento dos lucros, como sugere pesquisa da Kinea.
Em relação à China, a gestora menciona o aumento da mobilidade e a boa performance de empresas de luxo e casinos como fatores da reabertura. No entanto, o setor de construção residencial, que é considerado o principal para a economia chinesa, ainda não mostrou sinais ostensivos de recuperação.