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IRB Brasil: do prejuízo ao lucro. Entenda tudo sobre este caso!

Se você tem o hábito de acompanhar as notícias do mercado financeiro, então provavelmente ouviu muitas vezes o nome da IRB Brasil nos últimos meses. A resseguradora,…

Data de publicação:26/03/2021 às 05:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Se você tem o hábito de acompanhar as notícias do mercado financeiro, então provavelmente ouviu muitas vezes o nome da IRB Brasil nos últimos meses. A resseguradora, afinal, esteve nos destaques dos noticiários.

Um dos grandes destaques de valorização da Bolsa de Valores até o começo de 2020, a empresa não demorou a se tornar uma das "queridinhas dos investidores". No entanto, uma série de eventos negativos trouxe volatilidade ao papel e destruíram seu valor de mercado.

No artigo de hoje, vamos explicar esse contexto do mercado financeiro, para que você entenda tudo sobre esse que é um dos casos mais comentados atualmente na nossa Bolsa de Valores.

Quem é a IRB Brasil?

Para começar, precisamos falar sobre quem é a própria IRB Brasil para que você entenda a relevância da volatilidade dos seus papéis. Isso porque estamos falando de uma companhia fundada em 1939, consolidada e com mais de 80 anos de mercado.

Além disso, a IRB Brasil é líder de mercado em resseguros, com algo próximo a 40% de market share. Essa atividade é chamada de "seguro das seguradoras". Isto é, as companhias de seguros também buscam suas proteções e, para esse objetivo, precisam de uma empresa como a IRB Brasil.

Temos, portanto, uma enorme relevância no segmento de resseguros. E isso torna o caso da IRB Brasil ainda mais curioso. Vamos entender um pouco mais da volatilidade de mercado sobre as suas ações (IRBR3).

Como está a volatilidade das ações da IRB Brasil?

Se você começou a investir agora e olhar para o gráfico de preço das ações da IRB Brasil, muito provavelmente não vai entender nada. A empresa, afinal, passou por uma verdadeira montanha russa.

Em agosto de 2017, por exemplo, o valor de mercado dos papéis estava em R$9,50. E a valorização foi constante até 31 janeiro de 2020, quando o ativo passou a ser negociado a R$44,83. Isso representou uma valorização de 371,89%, fato que, naturalmente, atraiu o interesse de muitos investidores.

Se as expectativas eram muito positivas nesse momento, uma série de notícias negativas começou a derrubar o preço da ação que, entre janeiro e março de 2020, despencou mais de 80%. Isso significa que se você tivesse investido R$20.000 na empresa, estaria com um prejuízo superior a R$16.000.

Caso tenha uma boa memória, você deve se lembrar que em março de 2020 foi quando explodiu a pandemia da COVID-19. Sem dúvidas, isso ajudou a prejudicar as negociações do papel da IRB Brasil, mas nem de longe foi o único fator.

Prova disso é que, passado algum tempo, a volatilidade segue muito alta. Veja alguns destaques de movimentações de preço das ações:

  • Entre março e maio de 2020, a ação seguiu se desvalorizando com perda de -25,56% no período.
  • Entre 28 de maio e 09 de junho (um período de apenas 13 dias), houve uma valorização de +59,41%.
  • O papel voltou a ter resultados bem negativos entre 10 e 15 de junho. Nesses dias dias, a queda foi de -20,14%.
  • Quando parecia que o pior tinha passado, o papel chegou a cair para R$5,41 em 21 de setembro de 2020 (fato que representou uma queda de mais de 50% sobre o preço de junho).
  • A recuperação entre 21 de setembro e 5 de outubro novamente foi alta, com um crescimento de +59,86%.

Isso tudo, contudo, são os números e dizem pouco sobre o que realmente precisamos saber: afinal, o que aconteceu com a IRB Brasil para justificar tamanha volatilidade nos preços das suas ações?

O que aconteceu com a IRB Brasil?

É verdade que, para investir na Bolsa de Valores, nós temos que estar preparados para a volatilidade de preços. No entanto, nada próximo dessas movimentações que destacamos pode ser considerado como normal mesmo para a renda variável.

As ações da IRB Brasil caíram 84,71% desde 2020 e, ainda em 2021, seguiam o processo de desvalorização. Lembrando que este artigo foi produzido no final de março de 2021, quando fizemos esses cálculos.

A verdade é que essa movimentação foi fruto de uma série de problemas que a companhia enfrentou desde o topo das suas ações. É o que se chama no mercado financeiro de "tempestade perfeita". Isto é, um período em que situações negativas se sucedem em um curto intervalo de tempo. Vamos ver quais foram elas, no caso da IRB Brasil.

1. Posicionamento da Squadra

Tudo começou no dia 02 de fevereiro de 2020. Nesta data, a gestora de fundos Squadra emitiu uma carta de 184 páginas abordando prováveis inconsistências nos demonstrativos financeiros divulgados pela IRB Brasil — mais especificamente no seu Balanço Patrimonial.

No entanto, não se tratava de um simples questionamento de rotina. Segundo a Squadra, a resseguradora teria um prejuízo de mais de 100 milhões de reais, enquanto que o seu demonstrativo financeiro apontava para um lucro superior a um bilhão. Havia ainda uma menção de que a gestora estaria em posição vendida nas ações IRBR3 (uma indicação de que apostava na queda dos preços de mercado).

Não bastasse a gravidade do questionamento, as empresas passaram a trocar críticas. Enquanto a IRB Brasil acusava a Squadra de Insider Trading (crime financeiro quando há algum tipo de informação privilegiada), a Squadra manteve seu posicionamento em tréplica no dia 09 de fevereiro.

O mercado, claro, não gostou da situação e já derrubou o preço das ações em mais de 27%. Isso porque, como sabemos, o mercado antecipa eventos e, neste caso, seria bastante incerto cravar que não passaria de um mal entendido.

2. O caso Warren Buffett

Se a situação administrativa da resseguradora IRB Brasil já não era das melhores, seu líderes trataram de piorar ainda mais. Isso porque dois dos seus mais importantes colaboradores (o CEO José Caros Cardoso e o CFO Fernando Passos) vieram a público dizer que Warren Buffett estaria considerando adquirir ações da empresa.

Esse é mais do que um comentário trivial. Estamos falando, afinal, de um dos melhores investidores de todos tempos. E se ele estivesse interessado na companhia, era um indício muito forte da sua qualidade. O boato animou o mercado.

No entanto, não foi o que se confirmou. Na prática, o próprio Buffett fez questão de desmentir o ocorrido com um posicionamento bem forte sobre as ações da IRB Brasil: "não tenho, nunca tive e não penso em ter", disse o "Oráculo de Omaha", como ele é carinhosamente chamado.

3. Governança da empresa

Nesta altura, a governança da empresa já estava seriamente questionada. Ainda que pertencente ao Novo Mercado (que é o grupo de empresas que seguem mais regras dentro da B3), a gestão privada era algo recente.

Isso porque, pouco tempo atrás, o BNDES vendeu sua posição na empresa. Assim, a IRB Brasil ficou 100% privada. Os investidores costumam gostar desse tipo de posicionamento, pois o interesse estatal muitas vezes afasta a empresa do seu principal objetivo que é gerar lucro aos acionistas.

Neste caso, contudo, havia alguma incerteza sobre como funcionaria a gestão da empresa sem intervenção do governo. Aliás, talvez tenha faltado justamente uma maior desconfiança. A autonomia, como vimos nos tópicos anteriores, não teve um bom resultado.

4. Pandemia

Essa turbulência toda, por vezes, pode ignorar um fato muito importante que abalou o mercado financeiro. Entre fevereiro e março de 2020, o mundo viu explodir uma pandemia altamente contagiosa.

A Bolsa de Valores do Brasil quebrou recordes negativos de quedas, com seis circuit breakers em oito dias. Com a necessidade de isolamento da população, o mercado se assustou com os resultados que certamente seriam afetados no período.

Muitas ações, mesmo de ótimas companhias, caíram acima de 30%. No caso da IRB Brasil, como vimos, a queda superou os 80% no seu pior momento. Um resultado com perda de 92% do Lucro Líquido do primeiro trimestre veio a confirmar a "tempestade perfeita" da companhia. E ainda tinha mais por vir...

5. O questionamento da Susep

Achou que terminou? Pois no dia 11 de maio de 2020, a resseguradora voltou a sofrer com novos questionamentos. Desta vez foi a Susep (Superintendência de Seguros Privados), entidade responsável pelo controle e fiscalização do mercado de seguros, quem atestou uma possível insuficiência nas provisões da companhia.

Em outras palavras, a acusação da Susep é de que a IRB Brasil não teria recursos mínimos exigidos para garantir o que oferecia aos seus clientes. Por conta disso, resolveu abrir uma investigação para garantir o cumprimento das normas.

Ainda em maio, a Susep foi rebaixada no seu rating de crédito de A para A-. Para uma empresa do setor de seguros, ter uma queda na avaliação da sua capacidade de cumprir com pagamentos é preocupante (ainda que A-, no contexto geral, ainda seja uma excelente nota).

Todo esse contexto, em conjunto com a carta da Squadra, resultou até em inquéritos da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Quais foram os erros da IRB Brasil?

As situações elencadas no tópico anterior dão um bom tom dos motivos pelos quais as ações da IRB Brasil sofreram tanto no ano de 2020. Ainda assim, boa parte delas tem um claro problema: a gestão da empresa.

Isso é bem ruim para qualquer negócio. Quando a sucessão de eventos negativos se dá por fatores externos, não há muito o que fazer. No entanto, erros contábeis, resultados manipulados e declarações sem embasamento mostram erros primários para uma companhia do porte da IRB Brasil.

De um modo geral, podemos destacar três desses erros como vitais para os resultados trágicos que a empresa vem enfrentando:

  • Falta de transparência: a carta da Squadra apontou uma série de situações em que a empresa não foi transparente na forma pela qual atingiu seus resultados. Isso é muito grave, pois deixa a qualidade da gestão da companhia em dúvida.
  • Governança: a saída do governo entre os acionistas majoritários deu uma autonomia privada para a empresa. Aparentemente, não houve o devido cuidado com a transição, de modo que houveram falhas graves de gestão.
  • Isenção de responsabilidade: por fim, faltou alguém que pudesse assumir a responsabilidade e posicionar o mercado sobre os eventos. Além de CEO e CFO anteriormente mencionados, muitos diretores e membros do conselho deixaram a companhia ao longo dos episódios. A saída das lideranças deixou a gestão cada vez mais próxima de uma incógnita.

Como fugir de casos como da IRB Brasil ao investir?

Como vimos ao longo do texto, não foram poucos os problemas com a gestão da IRB Brasil ao longo do ano de 2020. Por conta da força desses eventos, podemos dizer que a situação se enquadra mesmo em uma "tempestade perfeita", com uma sucessão de fatos negativos em curto intervalo de tempo.

Vale destacar que, embora seja algo raro, toda companhia pode passar por isso. Em período similar, a CVC Brasil apresentou uma situação semelhante com problemas contábeis e o efeito da pandemia (que afeta muito mais uma agência de turismo do que uma resseguradora). Não por acaso, as ações da CVC, no seu pior momento, também caíram acima de 80%.

Neste contexto, talvez o investidor se questione sobre o que fazer para fugir de situações como essa. E a verdade pode ser frustrante: é impossível prever o futuro. Ao olhar para os números, seria bem difícil apontar um ano tão desafiador para a IRB Brasil. A empresa, além dos resultados positivos, ainda tinha rentabilidade bem acima dos seus pares.

O que fica de aprendizado está em como se defender diante da incerteza sobre o futuro das empresas. E existem duas ferramentas simples e eficazes. A primeira é realizar uma análise profunda da empresa antes de investir, olhando para a gestão e não apenas para os números de um resultado isolado.

Além disso, mais uma vez fica provada a importância da diversificação. Ainda que a queda seja acentuada em uma "tempestade perfeita", ela acaba minimizada em uma carteira balanceada e que utiliza de ativos com características distintas.

Por fim, vale mencionar que a IRB Brasil apresentou um resultado positivo em janeiro de 2021, sinalizando um ano com melhores notícias aos seus acionistas. A recuperação, contudo, depende diretamente de julgamentos sobre as acusações recentes e, principalmente, de uma eventual recuperação da confiança dos seus investidores sobre a gestão do negócio.

Sobre o autor
Stéfano BozzaFormado em Administração pela PUC-SP. Trabalhou em empresas do segmento financeiro (Itaú BBA) e varejo (BRMALLS) até 2016, quando iniciou a jornada de produção de conteúdo para a internet com foco em finanças.