Especialistas esperam manutenção da Selic em 13,75%, mesmo com artilharia de Lula voltada ao BC
Questão fiscal e inflação impedem uma redução da taxa nesse momento, na opinião dos três entrevistados
Para a Selic a ser anunciada no término da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira, 22, parece haver um consenso entre especialistas consultados pela Mais Retorno: a taxa deve permanecer em 13,75% ao ano. Ainda que a artilharia do presidente Lula esteja toda voltada para o ataque aos juros altos e também ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Risco fiscal e inflação continuam sendo as principais travas que impedem o Banco Central de inciar o processo de corte na taxa básica de juros no País, segundo os entrevistados. A apresentação do arcabouço fiscal acabou sendo jogada para abril e as projeções de inflação estão longe de metas traçadas para este e o próximo ano.
As opiniões e análises
Nada mudou no pano de fundo desenhado pelo Copom desde sua última reunião em fevereiro, argumentam os analistas, que possa justificar agora um movimento do BC para reduzir a Selic ou, ao menos, sinalizar um afrouxamento da política monetária. Acompanhe outras preocupações do mercado:
Alex Kim, da A7 Capital
O especialista em investimentos da A7 Capital revela que há dúvidas entre muitos economistas se a Selic deve permanecer em 13,75% ao ano ou até aumentar para desacelerar a inflação, ou se já é o momento de baixar os juros e sair dos 2 dígitos.
Para a decisão desta quarta-feira, segundo Kim, além da questão fiscal e números da inflação, novos episódios devem estar em pauta e ser considerados, como a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank.
Mais do que entrar com medidas emergenciais para evitar um problema sistêmico, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) pode agora tirar um pouco o pé do acelerador no ajuste dos juros. Isso significa manter ou aumentar em apenas 0,25 pp a taxa de juro americana, quando as apostas já estavam em aumento de 0,50 pp nesta reunião do Fomc, nesta superquarta. Movimento que, se concretizado, daria mais espaço ao Banco Central para sinalizar queda da Selic a partir das próximas reuniões.
Em contrapartida, a pressão inflacionária, o entendimento de que o novo arcabouço fiscal não é sustentável e a atual crise de crédito podem levar o BC a a manter ou elevar os juros, na opinião de Kim.
Com certeza, as expectativas de inflação não estão ancoradas e também por isso não se espera uma grande mudança dos juros para este ano.
“Os dados mais recentes do Boletim Focus mostram que uma parcela do mercado está projetando uma redução de 1 ponto percentual na taxa Selic até o fim deste ano, o que a levaria para 12,75%. Porém, há especialistas do mercado financeiro que acreditam que os juros podem se manter em 13,75% até o fim do ano”, relata ele.
Para Kim, ao afirmar que “não há explicação nem lógica para os juros estarem em 13,75%”, o presidente Lula não leva em conta o atual risco fiscal do País. “Baixar os juros sem uma devida análise do cenário fiscal e inflacionário, pode afetar de maneira mais grave a economia”, diz o especialista.
Josilmar Cordenonssi, professor do Mackenzie
A expectativa do professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie também é de manutenção da Selic em 13,75%, principalmente por que nada de palpável saiu sobre o novo regime fiscal do governo.
Cordenonssi ressalta que há uma dificuldade de baixar as expectativas do mercado para a inflação, quase 6% para este ano e acima da meta para o ano que vem. “Não há condições do Banco Central reduzir a taxa nesse momento, e parece que isso pode acontecer só no 2° semestre, dependendo da situação”.
Cordenonssi acredita que “o presidente Lula tem razão em reclamar que a taxa de juros está muito alta, mas ele não tem razão quando coloca a culpa no Banco Central para a manutenção dessa taxa de juros”.
Ele lembra que no fim do governo Dilma, a taxa de juros estava 14% e a inflação também estava muito alta. Foi o mesmo Banco Central que conseguiu reduzir fortemente os juros, mantendo a Selic ainda em níveis elevados mesmo diante de sinais de queda da inflação. O BC conseguiu ancorar as expectativas e reduzir os juros na curva longa, com o ciclo de baixa dos juros terminando em 6%. “Foi uma estabilização com muito sucesso.”
Para o professor, a questão fiscal está entre os entraves para baixar os juros: “O crescimento da dívida ainda não tá equacionado, e muitos economistas projetam uma trajetória não sustentável da dívida. Enquanto você não tiver uma estrutura fiscal confiável, que possa deixar as contas públicas em ordem, fica difícil você ter taxa de juros baixa de modo sustentável”.
Outras questões preocupam o mercado, e a atividade econômica é uma delas. “A economia está pedindo água, montadoras, dando férias coletivas por falta de peças, mas também por falta de demanda. Há problemas de crédito no mercado por conta do varejo, Lojas Americanas e outras empresas”.
Como consequência, aponta o professor, o custo do crédito aumenta, a demanda diminui, e o cenário é esse de quase recessão. “Ainda não estamos numa recessão estabelecida, mas provavelmente se o PIB no primeiro trimestre for negativo, tecnicamente já estaremos numa recessão, porque o último trimestre de 2022 já foi negativo”.
Walter Franco, Ibmec
O professor de Macroeconomia no Ibmec SP diz que espera que a racionalidade esteja presente na decisão do Copom, e a Selic seja mantida em 13,75%. Afinal, segundo ele, não houve nenhuma grande mudança que justifique uma ação do Banco Central na direção de queda da taxa.
“Considerando somente aspectos técnicos, não vejo nesse momento nenhuma modificação que justifique uma mudança do Banco Central”.
Ao contrário, a questão fiscal gera ainda muitas incertezas. Para o professor, a expectativa é de que haja a sinalização de medidas de melhoria e establidade para o cenário fiscal. “Houve um forte movimento dentro do governo, mas nada de concreto saiu para controle das contas públicas”.
Franco destaca que nem mesmo a crise financeira dos bancos lá fora, nos Estados Unidos e na Europa, deve interferir na decisão do Copom nesta reunião. “Aqui o sistema é extremamente regulado e muito líquido”, portanto, sem a necessidade de redução dos juros por eventual problema no setor bancário.
A questão fiscal ao lado da inflação são os dois principais entraves para a redução da Selic. Ao mesmo tempo, o professor reconhece que com uma taxa mais elevada fica difícil promover o desenvolvimento econômico. “Uma taxa alta segura o crescimento econômico, segura a demanda e encarece o crédito”