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crise e retomada
Economia

Crise e retomada: os formatos U, V, W e L

Cedo ou tarde todo investidor vai passar por uma crise. É uma situação inerente do capitalismo, que em dados momentos se encontra com o esgotamento de…

Data de publicação:31/03/2020 às 09:00 -
Atualizado 4 anos atrás
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Cedo ou tarde todo investidor vai passar por uma crise. É uma situação inerente do capitalismo, que em dados momentos se encontra com o esgotamento de alguns modelos ou então sofre com algum choque completamente não programados.

O investidor sabe (ou deveria saber) disso. É parte fundamental na construção de cenários e hipóteses para a sua carteira, pois a depender destes você pode enfrentar mais ou menos volatilidade no preço dos ativos, o que tem impactos diretos na sua rentabilidade.

Tão importante quanto entender os efeitos de uma crise na sua carteira, é extremamente relevante ter mapeado alguns possíveis cenários de retomada, momento em que surgem diversas oportunidades de negócio.

Se você está em um “buraco”, o que mais tem de relevante é saber como vai sair dele, certo?

As formas mais clássicas de tratar de uma crise e a posterior retomada da economia, são pelos formatos da atividade econômica e dos próprios índices e ativos de interesse.

Talvez você já tenha escutado falar em alguns possíveis formatos de curva durante esse período, então trataremos nesse artigo dos formatos em V, U, W e L.

Crise em retomada em V

Vamos começar pelo “melhor dos mundos”. Se é para ter crise, que seja assim!

Pois é, a ideia nesse cenário é bastante intuitiva, pois a economia e o mercado apresentam uma queda bastante acentuada, mas a sua recuperação é muito rápida.

A sinalização disso é que aquele período turbulento não foi capaz de afetar de forma decisiva os fundamentos daquela economia. As expectativas dos investidores, dos empresários e dos consumidores conseguiram resistir.

Isso pode ocorrer tanto por conta de uma política acertada do governo frente à crise, quanto por indicadores fortes daquela economia antes dela, com destaque para solvência, dívida pública e privada, mercado de trabalho, inflação etc., permitindo um maior espaço de atuação dos governos.

Um exemplo bastante claro para o Brasil foi a crise financeira de 2008-2009.

Como assim? A grande crise?

Exato! Esse foi um dos períodos mais estressantes para a economia mundial, mas que não afetaram o Brasil da mesma forma quanto o resto do mundo naquele espaço de tempo (tá, na verdade afetaram, mas só fomos sentir os efeitos de verdade anos depois).

Tínhamos um mercado de trabalho a pleno vapor, algum controle fiscal, bons indicadores bancários e de crédito, e espaço para manobra por parte do governo.

Ainda que tenha tido algum exagero por parte desse último, que culminou numa fragilidade fiscal mais para frente, a crise econômica bateu em nossos mercados e rapidamente foi superada.

Em apenas dois trimestres (2008.IV e 2009.I) a economia brasileira retraiu incríveis 5,5%, mas nos próximos três (2009.II-2009.VI) ela expandiu 7,1%, anulando o efeito dessa queda. Abaixo podemos ter essa visualização de forma gráfica, ilustrando melhor o acontecimento.

Crise em retomada em W

Como disse anteriormente, a curva em V é o melhor dos cenários. Agora existe um que causa um certo desespero, pois pode produzir decisões erradas nos investidores, empresários e consumidores.

A recessão em W é aquele cenário em que há um duplo mergulho (double-dip), tratando de um período de queda, seguido de uma breve recuperação, que pode “iludir” alguns investidores, seguido de uma mais uma queda. Quase uma “pegadinha do malandro”.

Essa situação é bem perigosa.

Novamente vale trazer um exemplo para a situação brasileira. O leitor mais velho ou que se interessa por história sabe que a década de 80 é considerada uma década perdida para o nosso país (e para boa parte do mundo), temperado por uma longa estagnação da economia e dos mercados.

Após crises no petróleo e de várias políticas erradas, passamos por um período de crise da dívida e começo da hiperinflação, culminando num cenário de forte retração de 8% entre 1981.I-1981.IV, seguido por uma breve recuperação de 5% entre 1982.I-1982.III e o aprofundamento de mais 3,8% entre 1982.II-1983.II, para enfim seguir numa recuperação após um acordo com o FMI.

Olha a loucura que foi num curto espaço de tempo (3 anos).

Esse movimento de desce-sobe resultou num período de curva em W da nossa economia, conforme ilustrado no gráfico abaixo.

Crise em retomada em U

Aqui o negócio é mais embaixo. É a ideia de prolongamento do sofrimento.

Após a economia e o mercado entrar numa situação dessas, a sua retomada é muito mais lenta e limitada do que num cenário em V, demorando mais tempo para retomar ao pico anterior.

Talvez a ilustração abaixo não seja o melhor exemplo, pois a queda foi bem acentuada, mas podemos usá-la para ilustrar aqui, pois também a recuperação tem sido muito vagarosa.

A crise brasileira de 2014-2016 é bem marcante na nossa história. Após período de descuidos com as contas públicas e diversos escândalos, a economia sucumbiu.

Em 11 trimestres tivemos uma retração de 8% (lembrando que na década de 80 conseguimos essa proeza em 4 trimestres), mas até o fim de 2019 houve recuperação de apenas 3,7%.

A recuperação existe, aquela crise acabou, mas ela é bem vagarosa.

Crise em retomada em L

Esse é o pior cenário de todos. É a ideia de depressão, com uma fortíssima crise e um longo período sem conseguir retomar o período inicial.

Como não há um critério realmente universal e formal para estabelecer qual a forma ideal para analisar as curvaturas, há quem diga que a situação de 2014-2020 pode até se enquadrar numa situação em L, em que a situação segue muito pior do que a tendência histórica de crescimento.

Para não entrar em discussões mais teóricas, vale a pena pegar o exemplo de outro país. A Grécia será nossa vítima.

O país sofreu com a crise da dívida europeia a partir de 2011, entrando numa armadilha fiscal sem precedente e mergulhando numa profunda depressão que não foi superada até agora. Abaixo temos uma ilustração bastante clara do que seria uma situação em L, o pior dos cenários.

Impactos no mercado financeiro e investimentos

Atividade econômica e mercados, historicamente, apresentam tendências bastante similares. Em geral, quando se considera índices de mercado, é comum estes sinalizarem/anteciparem os movimentos da economia.

Expectativa de crise? Bang! Os índices vão lá para baixo, mesmo antes dela aparecer de uma forma mais clara e intensa. Expectativa de retomada? Bang! Lá vai os mercados precificarem esse movimento.

A análise envolvendo a duração da crise e qual o seu formato é bastante importante em termos de investimentos, sendo necessário assumir um risco nesta aposta.

Se você estiver diante de uma situação em V e isso estiver mais claro, a queda no preço dos ativos tende a ser bastante rápida também, normalmente iniciando a reversão bem antes da atividade econômica de fato, baseado na expectativa de retomada de lucro das empresas, retomada dos dividendos à frente, além do fato do preço bem atrativo desses ativos.

Se considerarmos o mundo da renda variável, certamente haverá ações com preço atrativos, tendo sofrido mais que as outras, mas cujo setor tende a se recuperar igualmente rápido.

Por outro lado, no campo do juros, é bem possível que a curva de juros responda rapidamente a esse cenário, com elevação do juro nos vértices refletindo uma melhora na atividade econômica (e a necessidade de controlar a inflação mais à frente por causa disso), impactando diretamente nos preços de vários ativos de renda fixa.

É necessário compreender bastante os motivos daquela crise, da saúde daquela economia (ou setor) e das políticas utilizadas, para assim conseguir surfar nas oportunidades de um cenário em V, ou pelo menos ajustar as perdas que foram absorvidas durante o período.

Não é trivial a identificação dessa curva, sendo necessário uma dose de coragem para assumir o risco, visto que boa parte da informação é rapidamente assimilada pelo mercado quando ela aparece de forma mais clara, e isso ocorre quando o mergulho já foi dado.

O cenário em W é bastante preocupante, pois pode levar facilmente para estratégias erradas baseada num cenário de recuperação momentânea. O pior cenário seria o investidor entrar na crise “posicionado”, enxergar a primeira parte da recuperação, tomar uma decisão como novos aportes, e infelizmente assistir um novo mergulho.

No geral, a retomada já costuma deixar sinais da sua fraqueza, o que aumenta bastante o risco nas tomadas de decisões. Resultados ruins de empresas e segmentos chaves, cenário de juro baixo por mais tempo e instabilidade nos mercados internacionais (dependendo da origem dessa crise) podem ser os sinais de que aquela alta momentânea não tem força para prosseguir por mais tempo.

A situação em U é tão complicada quanto a em W, pois se entende mais a gravidade da situação, a sua lentidão no processo de recuperação, mas um período prolongado de crise pode produzir uma euforia exacerbada na sua retomada.

Situações em L, no geral, são mais “fáceis” (e duras) de se lidar. A situação é tão complicada que fica pintado no ar que a recuperação dos preços dos ativos será demorada. A luz no fim do túnel está tão longe naquele mercado, que é melhor o investidor procurar outro país para investir. Casos como Venezuela e Grécia (e até Argentina) são exemplos dessa situação.

Abaixo temos a ilustração de como o Ibovespa se comportou nos períodos das curvas ilustradas na seção acima. Não estranhem os números diferentes do que são usualmente cotados, foi necessário corrigir a série pela inflação para que o período de outras moedas e de hiperinflação seja comparável. No final, o que importa é o movimento da curva.

O período V e W ficam um pouco mais claros, sobretudo mostrando o risco que estavam expostas as tomadas de decisão no cenário em W.

O período em U é o mais complexo, pois foi um cenário de grande destruição de preço e também de valor, mas a recuperação após o longo período foi impressionante. É um dos bull markets mais notáveis da economia brasileira.

Aliás, ela é um exemplo claro de que, apesar de curvaturas relativamente padronizadas, cada crise terá a sua particularidade. É bastante difícil expor fórmulas fechadas para enfrentar cada uma delas, ou seja, comprar esse ou aquele ativo durante a crise.

Se você está ansioso por uma tomada de decisão durante um período turbulento, é necessário trabalhar um pouco com todos os cenários e trabalhar sua carteira para cada um deles. Por exemplo: ao apostar em V e comprar ações, vale ter aquela pontinha de hedge (em dólar, por exemplo), por que vai que aparece um W pela frente, né?

Nessas horas os investidores de mais longo prazo levam vantagem, pois sua filosofia não será destruída por movimentos de 2 ou 3 anos, ainda que obviamente passar por esse período tire o sono de qualquer um.

Conclusão

É importante ressaltar que o investidor não vai acertar qual é o fundo do poço, sendo extremamente difícil um investidor conseguir antecipar uma crise e seu formato antes dela realmente se materializar, sobretudo por que os fatores geradores destas podem ser os mais variáveis possíveis: situação fiscal da economia, crise política externa, pandemias globais e etc.

Dessa forma, é mais importante o investidor ter uma carteira bem diversificada e protegida para situações de maior volatilidade do que ficar tentando acertar qual será a próxima crise e como se dará sua recuperação.

Caso você seja engolido por ela, é interessante monitorar todos os sinais (seja da economia ou seja do campo político, doméstico e internacional) para identificar qual a curvatura mais provável desse período.

Apostar num cenário em V, quando na verdade os sinais são mais para o U ou o L pode ser arriscado. Ainda assim, independe da curva da economia ou dos índices no processo de crise-recuperação, é importante ressaltar que toda crise passa.

Por fim, se o leitor se interessar muito pelo assunto das curvaturas de crises e tiver um bom conhecimento de matemática e estatística, recomendo o ótimo artigo “The Universal Shape of Economic Recession and Recovery after a Shock”.

Sobre o autor
Arthur Lula Mota
Economista, já atuou no mercado financeiro e em departamento econômico, com elaboração de cenários macroeconômicos e estudos setoriais. Atualmente é Mestrando em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e dono de um dos maiores sites independentes de economia no Brasil – o Terraço Econômico.
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