Como os ativos reagem às finanças públicas?
Você deve estar exausto(a) de tanta notícia e foco nas contas púbicas brasileiras nos últimos anos. Se for ainda mais atento(a) deve ter percebido essa discussão…
Você deve estar exausto(a) de tanta notícia e foco nas contas púbicas brasileiras nos últimos anos. Se for ainda mais atento(a) deve ter percebido essa discussão ocorrendo pelo menos nas últimas 4 décadas. Ainda assim, esse destaque todo não é por acaso e o andar da carruagem das contas públicas pode ter impacto determinante nos rendimentos da sua carteira.
Nesse artigo iremos ilustrar algumas mudanças importantes no mercado, ocorridos após eventos importantes para o destino fiscal do nosso país.
A relação das finanças públicas com a economia e as expectativas
A saúde das contas públicas é um dos grandes determinantes da economia no curto prazo, podendo levar o país para uma crise de confiança e expectativas, ou então para um ciclo virtuoso com menor risco. O governo é um dos principais atores da economia de qualquer país, e pesa ainda mais no caso do Brasil, em que os tentáculos das esferas públicas sempre se fizeram muito mais presentes.
Esse fato é importante para o mercado sobretudo pelo fato de termos uma história de moratória (caso de 1987). A sequência lógica para os impactos de uma deterioração nas contas públicas pode ocorrer mais ou menos da seguinte forma (simplificando bastante):
- Governo aumenta os gastos públicos em algum período sem que a economia tenha capacidade de crescer ao ponto de criar receitas para compensar o aumento dos gastos;
- O mercado, sobretudo os economistas, começam a verificar mês a mês uma deterioração dos resultados fiscais do país, com destaque para o resultado primário no caso brasileiro;
- Ainda que o governo esteja com as contas azuis, se o mercado não enxergar alguma movimentação para reverter essa trajetória de piora, há um aumento do risco e da incerteza;
- O risco e a incerteza começa a transbordar para os ativos financeiros, com destaque para: aumento do CDS (risco país), investidores começam a cobrar mais juro para tomar o risco de emprestar para o país, gerando um deslocamento das curvas de juros;
- Desenvolvimento de um cenário impróprio para um crescimento econômico saudável e, portanto, piora das expectativas no desempenho dos setores da economia;
- Expectativa de lucros das empresas diminui, impactando no preço de suas ações. Se isso acontece com as maiores empresas de capital aberto do nosso mercado, o Ibovespa começa a cair, acumulando períodos de queda.
Há outros canais de destaque, como por exemplo uma forte pressão inflacionária (basta o leitor se lembrar que a história inflacionária brasileira coincide com a história de forte deterioração das contas públicas) e todos os seus efeitos em termos de política monetária (alta ou baixa dos juros), que por sua vez impacta o rendimento de vários ativos do mercado.
O primeiro passo também pode ser substituído por movimentos mais estruturais, ou seja, mesmo que o governo não altere sua política fiscal (aumento dos gastos), é possível que a situação comece a piorar.
O caso da Previdência e o seu déficit é um exemplo disso, trazendo impactos negativos paras as contas públicas apenas anos à frente, como uma bomba relógio, mas que já foi percebida com bastante tempo de antecedência e precificada na maior parte dos ativos, enquanto o governo não a desarmava.
Desta forma, a deterioração efetiva dos resultados fiscais ou apenas a expectativa de que os resultados fiscais piorem impactam o risco do país, os juros que serão pagos (prêmio pelo risco), a expectativa da atividade econômica e, por fim, ativos de renda variável como as ações das empresas.
Resumo: Fiscal → Risco e Incerteza → Expectativas → Prêmio de risco (Juros) e inflação → Atividade Econômica e Ibovespa
Alguns números mais recentes
É realmente bastante difícil separar os efeitos fiscais nos ativos financeiros, mas podemos ter alguma ideia visual dos acontecimentos. No caso do Ibovespa, a bolsa brasileira chegou a acumular perda de 33% durante a crise de 2014-2016, período em que o resultado primário saiu de um superávit de 1,50% do PIB (fev/14) para um déficit de 3,04% do PIB (set/16).
A evolução do nível do Ibovespa pode ser verificada no gráfico abaixo.
Por outro lado, após mudanças importantes em nosso país, com destaque para a troca de governo e a implementação da PEC do Teto dos Gastos, a expectativa era de que a situação melhorasse ou ao menos parasse de piorar e teve impacto (somado a fatores externos) determinante para o ciclo de alta do Ibovespa que estamos assistindo desde o fim de 2016 (a PEC foi aprovada em novembro de 2016), acumulando alta de 74% desde a aprovação do Teto.
Após a reforma da previdência ser aprovada, a expectativa é de ainda maiores avanços em termos de finanças públicas nas próximas décadas, sobretudo com retomada da atividade econômica e aumento da arrecadação. Essa situação toda foi capaz de melhorar a situação esperada para a dívida pública brasileira, que saltou de 51% do PIB em 2014 para quase 80% ao fim desse ano, fato que acendeu o alerta vermelho para todo o mercado.
Ainda assim, para ver como a situação não é de fácil reversão, a melhor das expectativas sugere que na próxima década ainda conviveremos com uma dívida em patamar elevado, deixando a obrigação do contínuo acompanhamento da política fiscal por parte do governo, avaliando todas as medidas anunciadas e seus possíveis impactos em termos de contas públicas.
Qualquer deslize no meio do caminho pode facilmente fazer a expectativa da dívida voltar a superar os 80% do PIB. A aprovação da Reforma da Previdência é uma segurança adicional, mas não livra o governo de uma boa gestão de suas contas por mais de uma década.